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Depois do Reino Unido, outros países podem sair da União Europeia?

Após muito drama, o Brexit finalmente aconteceu. Outras nações até tem parcelas razoáveis da população defendendo a saída – mas temem o trauma do processo.

Por Bruno Carbinatto
Atualizado em 31 jan 2020, 18h16 - Publicado em 31 jan 2020, 18h07

Mais de três anos depois do referendo que decidiu o destino do país, o Reino Unido finalmente saí da União Europeia na noite desta sexta (31). Foi um longo caminho: desde a votação de 2016, dois primeiros-ministros britânicos renunciaram, inúmeras tentativas de firmar acordos e concretizar a saída falharam e o país se dividiu em extremos políticos não muito amigáveis.

Foi só nas eleições de dezembro de 2019 que o conservador Boris Johnson conseguiu maioria absoluta no Parlamento britânico e aprovou o acordo que retira o país oficialmente do grupo.

É o fim de uma saga. Mas a concretização do Brexit também lança algumas novas questões. Enquanto o Reino Unido se prepara para seguir em frente isolado, alguns setores de outros países discutem a possibilidade de trilhar o mesmo caminho, como França, Holanda e Itália. A probabilidade de outras perdas para o grupo não parece muito alta – pelo menos por enquanto. Mas sempre há especulação.

Montanha russa de aprovação

Antes de mais nada, precisamos entender o que é a União Europeia – e porque ela divide tanto opiniões. Para isso, retrocedemos para 1957. O cenário é de Guerra Fria: duas potências, Estados Unidos e União Soviética, disputam a hegemonia econômica, política e militar do mundo.

A Europa, ainda sofrendo as duras consequências de duas guerras mundiais, vê seus poderes geopolíticos cada vez mais reduzidos. Diante disso, seis países (Alemanha, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos) decidem criar a Comunidade Econômica Europeia, um bloco de cooperação para fortalecimento mútuo dos países. O objetivo era óbvio: a união faz a força. 

Deu certo. E, ao longo dos anos, outros países europeus decidiram entrar na aliança. Em 1992, o grupo se reformulou e passou a ser chamado de União Europeia (UE).

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Hoje, a UE conta com 28 países-membros (serão 27 amanhã, quando o Reino Unido sair). É o bloco de integração entre países mais avançado do mundo, contando com acordos de livre-comércio, livre circulação de pessoas, moeda única e Parlamento unificado (embora nem todos os países-membros participem de todas essas instâncias).

Nem tudo são flores. Os críticos do bloco afirmam que sua estrutura é muito burocrática e cara; que suas normas ferem e a soberania dos países-membros; que a política de livre circulação incentiva a migração desenfreada etc. Esse combo de reclamações têm um nome: euroceticismo.

Os eurocéticos não acreditam que a integração europeia seja tão positiva. Eles se dividem em graus. Existem eurocéticos “suaves”, que pedem reformas na estrutura do bloco e dissolução do poder central para os Estados membros. E existem os eurocéticos hardcore, que pedem o fim da União Europeia (ou pelo menos a saída de seus países dela).

Há eurocéticos de diversas ideologias. Eurocéticos de esquerda argumentam que o bloco é neoliberal demais, promovendo a austeridade e privatizações, especialmente nos membros mais pobres. Já os de direita são ligados a ideais nacionalistas e se posicionam firmemente contra as fronteiras abertas do bloco. Este último grupo ganhou força de 2014 para cá, após a crise dos refugiados da Síria e de países africanos e árabes, que tiveram a Europa como um de seus principais destinos.

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O movimento eurocético do Reino Unido, principalmente graças à direita, alcançou seus objetivos. Mas, apesar do euroceticismo ter ganhado força nos últimos anos, parece improvável que outro país do bloco siga o mesmo caminho, pelo menos por enquanto.

Um apoio inesperado

A insatisfação com a União Europeia não é, nem de longe, algo novo. Dos anos 2010 para cá, ela só vinha crescendo. Chegou a tal nível que grandes parcelas da população do bloco chegaram a se expressar sua insatisfação em pesquisas. Mas foi só nos últimos anos que o euroceticismo ganhou projeção midiática, impulsionada pelo crescimento da direita populista e a crise migratória. Em 2016, países como França, Espanha, Grécia e o próprio Reino Unido lideravam as listas de mais descontentes com o bloco. E por isso eram os candidatos a saíde mais plausíveis.

Teoricamente, nada impede que um país-membro saia do bloco unilateralmente. O Artigo 50 do Tratado da União Europeia garante que qualquer Estado pode tomar a decisão quando quiser. Na prática, o processo é um pouco mais complicado: geralmente, acordos econômicos e políticos são feitos para amenizar a transição e evitar uma saída brusca. Além disso, dificilmente um governo democrático tiraria seu país do bloco sem antes consultar a população via referendos. Dessa forma, a opinião popular é a chave para saída.

E, aparentemente, o resultado do Brexit teve um efeito inesperado na opinião popular dos europeus. Isso porque o processo de saída foi demorado, caótico e politicamente custoso, gerando desconfiança nos outros países. Hoje, quase 60% da população da UE é a favor da permanência de seus países na instituição. Esse apoio é maior ou menor entre os diferentes países, mas atualmente nenhum tem desaprovação maior que aprovação. Os que mais se aproximam disso são França, República Tcheca, Itália e, obviamente, Reino Unido, segundo pesquisas.

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Entra-e-sai

Mesmo que, aparentemente, nenhum país tenha maioria a favor da saída da UE, não significa que não existam defensores dessa ideia. Nas eleições de 2019, os dois grupos políticos do Parlamento Europeu considerados eurocéticos aumentaram consideravelmente seus números de deputados eleitos. E, em todo o continente, partidos críticos à UE ganham força, principalmente à direita.

A França é apontada como uma das possíveis sucessoras do Reino Unido nessa jornada. O movimento tem até um nome parecido: “Frexit”. O país já tem um histórico antigo de instabilidade com a União Europeia, e, recentemente, a ascensão da extrema-direita vem canalizando esse sentimento.  A populista Marine Le Pen, que ficou em segundo lugar nas eleições presidenciais de 2017 e se consolidou como uma das maiores vozes políticas do país, defende essa medida. Mas mesmo ela vem reconsiderando e ponderando suas posições após o Brexit. E 60% da população francesa também não está disposta a acompanhar os britânicos.

Na Itália, o crescimento do populista Matteo Salvini também levanta a hipótese de saída do bloco. Partidos com ideias semelhantes avançam nas pesquisas de países como Suécia, Holanda e Finlândia. Mas nenhum desses lugares parece ter os números de opinião pública necessários para de fato saírem da UE. 

Em oposição, alguns países permanecem com altíssimas taxas de aprovação do bloco, como Irlanda, Portugal e Luxemburgo, tornando suas saídas quase impossíveis.

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Se há países que querem sair, o consolo é que vários outros querem entrar: Albânia, Macedônia do Norte, Montenegro, Sérvia e Turquia já “se inscreveram” e negociam a entrada ao bloco.

Isso sem falar que dentro do próprio Reino Unido não há consenso sobre a saída. O país é, como o nome diz, a união de quatro nações: Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte. E, no referendo de 2016, só os dois primeiros votaram pela saída.

Os escoceses foram majoritariamente contra, com 62% dos votos. E a postura pró-UE se refletiu nas eleições gerais do Reino Unido de 2019: o Partido Nacional Escocês, que advogada pela independência da Escócia e a permanência na União Europeia, disparou em primeiro no país, levando a primeira-ministra Nicola Sturgeon a pedir um referendo de separação da Escócia do restante do Reino Unido.

O pedido foi negado pelo primeiro-ministro Boris Johson, mas as ideias separatistas continuam a ressoar por lá. O Brexit finalmente separou o Reino Unido da União Europeia – mas ele também pode fragmentar o próprio país.

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