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E se todos os países adotassem bitcoin?

A inflação acabaria num piscar de olhos.... e isso não seria nada bom para a economia

Por Fábio Marton e Alexandre Versignassi
Atualizado em 15 out 2021, 08h16 - Publicado em 13 out 2021, 14h48

No dia 7 de setembro de 2021, El Salvador se tornou o primeiro país a reconhecer o bitcoin como moeda oficial (junto com o dólar americano – eles não têm moeda própria). No mesmo dia, a  cotação da criptomoeda caiu 9%.

Um dia antes, o governo de El Salvador havia comprado 400 bitcoins por US$ 20 milhões, preparando-se para a mudança. Isso ajudou o valor da cripto saltar para US$ 52 mil. Porém, bastaram algumas horas e a cotação já havia caído para US$ 47 mil. Duas semanas depois, a cripto baixou outros 14%, para US$ 40 mil.

Nada disso teve relação com a atitude de El Salvador. Mas deixou clara uma obviedade acerca da cripto: sua flutuação de preço no mercado ainda é instável demais para que ela faça a contento o papel de uma moeda de verdade. Pessoas comuns dificilmente aceitariam usar como meio universal de troca algo cujo poder de compra é imprevisível.

Mas vamos jogar com a hipótese de que dê a louca nos Bancos Centrais e eles decidam que não existem mais moedas nacionais. Só bitcoin.

Na ausência de dólares (e de qualquer outra moeda), o bitcoin estabilizaria, pois não haveria com o que compará-lo. A cripto serviria para comprar coisas. E coisas (alimentos, bens de consumo, imóveis) não flutuam 10% para cima ou para baixo de um dia para o outro.

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Estabilizada a moeda virtual, a segunda consequência de sua adoção seria o fim de algo que é considerado uma premissa de qualquer governo hoje: política monetária.  Países tentam manter sua economia sob controle mexendo no valor de sua moeda em relação às outras. Se a moeda é desvalorizada, as exportações se tornam mais baratas e as importações, mais caras. Nessa situação, os produtores nacionais são beneficiados no curto prazo, e a economia se aquece. Para desvalorizar a moeda artificialmente, é necessário imprimir dinheiro: quanto mais cédulas há em circulação, menos elas valem.

O dinheiro, naturalmente, não é lançado de helicóptero na rua. Os Bancos Centrais produzem moeda nova e emprestam para os bancos a juros de pai para filho. Dos bancos a moeda flui para o mercado de crédito, e daí para a rua propriamente dita.

No longo prazo, porém, esse jorro de moeda nova faz com que o dinheiro vá perdendo valor (qualquer coisa produzida em quantidades enormes vira arroz de festa, afinal). Passa a haver mais grana em circulação do que coisas para comprar com essa grana – e então vem a bola de neve da inflação. 

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Nota: o dinheiro não precisa chegar a toda a população para que os preços subam. Basta que o topo da pirâmide esteja de bolsos cheios e passe a gastar mais. Por isso inflação é algo tão penoso para os mais pobres: eles não veem a quantidade de moeda aumentar nos seus bolsos. Só observam as altas nos preços e a destruição de seu poder de compra.

Quando a sirene da inflação começa a apitar, o Banco Central decide que é hora de tirar moeda de circulação. Ele faz isso pegando dinheiro emprestado dos bancos comuns, como se concorresse com os clientes. Para fazer essa concorrência, ele passa a oferecer juros cada vez maiores. Você fica sabendo desse movimento quando vê no noticiário que “a Selic subiu”. Cada alta na Selic é, na prática, uma elevação nos juros que o BC está oferecendo aos bancos.  Ao tirar dinheiro de circulação, o BC fortalece a moeda. Por outro lado, enfraquece a economia. Pois é. Com menos dinheiro na praça, menos negócios são feitos, o consumo diminui, o desemprego cresce. Mas não tem outro jeito. Só juro alto funciona contra a inflação.

E é assim que todas as economias do mundo operam: produz-se dinheiro para combater crises, depois ligam o aspirador para drenar o dinheiro e combater a inflação. Quando a inflação fica baixinha de novo, toca produzir moeda loucamente. Pode confiar: quando os Bancos Centrais fazem esse trabalho direitinho, dá certo. A maior prova disso é a seguinte: antes desse sistema existir, a economia global crescia muito menos.

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Os economistas chamam o dinheiro que usamos hoje de fiat currency – moeda que os Bancos Centrais produzem por “mágica”, do nada (de fato: é só imprimir papel; ou, mais recentemente, digitar números num computador).

E fiat currency é algo relativamente recente. Ao longo da história da humanidade, dinheiro era ouro e prata. Ponto. As notas surgiriam no século 17. Mas só valiam alguma coisa porque davam direito a sacar uma certa quantidade de ouro ou prata na boca do caixa. Uma “libra esterlina”, por exemplo, significa “meio quilo de prata pura”. Uma nota de libra era só um “vale-prata” portátil.

No século 18, a Inglaterra refinou o sistema, definindo que uma libra significava 6,6 gramas de ouro. Nascia ali o padrão-ouro. As notas de dinheiro emitidas por qualquer país precisariam corresponder a uma quantidade parecida do metal amarelo para ter valor no mercado internacional.

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Malandramente, os governos do mundo todo foram diminuindo a quantidade de ouro a que cada nota dava direito, com o intuito óbvio de poder colocar mais dinheiro em circulação (a própria Inglaterra foi pioneira dessa prática). Era o início da fiat currency.

O padrão-ouro sobreviveu aos trancos até 1971, quando o dólar deixou de ser conversível em ouro. Mas, àquela altura, a fiat currency já reinava, inclusive nos EUA. E foi graças a ela que o mundo viveu o maior crescimento econômico de sua história, justamente da metade do século 20 em diante. O dinheiro “de mentira” criou riqueza de verdade. Ele financiou os automóveis, os aviões, os iPhones, e alimento para os 7,9 bilhões de pessoas vivas hoje, contra 2 bilhões no ano de 1900. Com o bitcoin no lugar das fiat currencies, teríamos uma volta ao padrão-outro. Porque bitcoin é igual ouro: algo que os Bancos Centrais não produzem. Existem 18,7 milhões de unidades da cripto em circulação. E há outros 2,3 milhões esperando para serem “minerados” das profundezas do sistema do bitcoin. Acaba aí. Não dá para aumentar artificialmente a quantidade de bitcoin que circula no mundo. 

Não haveria mais inflação. Fato. Mas… se a economia travar, danou-se. Os governos não terão como injetar dinheiro novo na economia. 1929 está de prova. Uma quebra da bolsa seguida de uma cascata de falências bancárias secou o crédito no mercado. O dinheiro deixou de circular, basicamente. O governo amercano, porém, decidiu que era hora de levar o padrão-ouro a sério e não imprimir dinheiro novo. O resultado foi a Grande Depressão, que traria de reboque uma guerra mundial. Adote-se o bitcoin como moeda única e teremos um colapso parecido em mãos.

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