A ameaça do cogumelo
Há mais de 6 décadas, a humanidade lida com o perigo das armas nucleares, que podem acabar com o mundo. Até agora, sobrevivemos. Mas ninguém sabe o que pode acontecer amanhã
Salvador Nogueira
Em agosto de 1945, duas explosões nucleares detonadas pelos Estados Unidos levaram à rendição incondicional do Japão e ao fim da Segunda Guerra Mundial. Além da tragédia imediata, as pilhas de corpos em Hiroshima e Nagazaki trouxeram uma mensagem clara do além-túmulo: a partir daquele momento, o ser humano havia dominado tecnologias que podiam ser empregadas na autodestruição da civilização. Desde então, temos convivido com a ameaça bem real e concreta do fim do mundo. A boa notícia é que ainda estamos aqui. A má é que o perigo está longe de ter sido descartado.
Em 1947, os editores do Bulletin of the Atomic Scientists, publicação nascida na Universidade de Chicago que reunia proeminentes físicos nucleares, instituíram o Relógio do Juízo Final (Doomsday Clock). A ideia era representar o quanto, na estimativa dos cientistas, estávamos próximos de uma hecatombe que consumiria o mundo. Na primeira apresentação, o relógio marcava “7 minutos para meia-noite”.
Com o advento da Guerra Fria, o relógio se aproximou ainda mais da hora fatal. Em 1949, por exemplo, ele marcou 3 minutos, quando a União Soviética testou sua primeira arma nuclear. Quatro anos depois, a marca chegaria a desesperadores “2 minutos”, quando as duas superpotências testaram suas primeiras bombas de hidrogênio num intervalo de apenas nove meses. Até hoje, foi o mais perto que o relógio chegou da meia-noite.
Sabe-se hoje que, durante a crise dos mísseis em Cuba, em 1962, quando os Estados Unidos constataram a presença de armas nucleares ao alcance de seu território, o mundo por muito pouco não ouviu o som das 12 badaladas. Felizmente não aconteceu e a humanidade sobreviveu para contar mais essa história.
Em compensação, na época em que a União Soviética caiu, e a Guerra Fria acabou, o relógio chegou a marcar seu horário mais distante da meia-noite: 17 minutos. Desde então, apesar da baixa animosidade entre russos e americanos, a redução dos estoques de armas nucleares dos dois países foi muito tímida: ainda existem 26 mil ogivas prontas para uso.
Além disso, outros países mais propensos a travar guerras, como Índia e Paquistão (para não mencionar a Coreia do Norte), testaram com sucesso suas bombas atômicas. Em 2007, já incorporando também as ameaças adicionais causadas pelo aquecimento global, o relógio marcava 5 para meia-noite – a mesma marca dos dias atuais.
Com certeza, o potencial desenvolvimento de armas nucleares no Irã – somado ao ódio declarado e recíproco do mundo islâmico com Israel, também possuidor de bombas atômicas – deve nos levar para ainda mais perto da hora final.
Uma guerra nuclear localizada, digamos, no Oriente Médio por si só não seria capaz de acabar com a humanidade. É óbvio que a economia global entraria em colapso, levando a uma crise sem precedentes, e a contagem de mortos seria estrondosa. Mas a sobrevivência da espécie ainda não estaria fora do alcance.
Contudo, para as grandes nações, seria difícil observar o desenrolar dos eventos sem interferir. Muito provavelmente, veríamos o conflito escalar rapidamente para mais uma guerra mundial, e aí sim a coisa ficaria feia.
Uma guerra nuclear é um horror impensável. Não só as bombas matam indiscriminadamente e devastam cidades inteiras como também a radiação emanada das detonações, carregada pelo vento e pela chuva, irá envenenar as populações adjacentes. A poeira levantada pelos cogumelos gigantes de fumaça tornaria a atmosfera mais opaca, impedindo a chegada de parte da luz solar ao solo e levando ao chamado “inverno nuclear”.
Talvez a humanidade não morresse toda, mas a redução populacional extrema e a falta de recursos e ambientes não contaminados, na melhor das hipóteses, nos levaria de volta à Idade da Pedra. “O século 20 nos trouxe a bomba, e a ameaça nuclear nunca irá nos deixar”, diz, consternado, Martin Rees, astrônomo real britânico. Caberá à humanidade ter a sabedoria de conviver com essa tecnologia sem lançar mão de seu uso.