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A inteligência do chip: softwares que imitam o raciocínio humano

A inteligência artificial ainda não fez surgir máquinas que pensam como gente, mas criou programas que imitam aspectos do raciocínio humano e resolvem problemas com eficiência.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h45 - Publicado em 28 fev 1994, 22h00

Fátima Cardoso

Da forma como era imaginado no cinema e nas previsões acadêmicas, o futuro nunca chegou. Não se vêm robôs falantes, pensantes e atuantes como nos filmes Guerra nas Estrelas ou 2001 – Uma Odisséia no Espaço. A quinta geração de computadores — projeto do governo japonês para máquinas que deveriam reconhecer imagens, compreender a fala humana e esboçar pensamentos —, prevista para o início dos anos 90, também não deu certo. O futuro foi por outro caminho. A inteligência artificial pode não ter cumprido ainda a promessa de criar computadores que se comportem como homens, mas fez surgir programas que resolvem alguns problemas de forma muito mais eficiente que os humanos.

Esse outro futuro não estava nos filmes, mas está nas ruas. O que hoje se conceitua como inteligência artificial — programas que agregam algum tipo de conhecimento humano — está a pleno vapor no mercado, sob forma de sistemas especialistas para diagnósticos em medicina, lógica nebulosa em máquinas de lavar roupa, redes neurais para reconhecimento de imagens de satélite, sistemas de restrição para organização de trabalho em aeroportos, e dezenas de outras aplicações espalhadas pelo mundo cotidiano.

A face mais evidente da inteligência em chips são os sistemas especialistas, empregados em medicina, automação de negócios e manutenção de equipamentos. “São sistemas que trazem o conhecimento extraído de um especialista humano, como um médico, e usados para resolver problemas complexos como diagnósticos”, diz Ricardo Machado, pesquisador do Centro Científico IBM Brasil, no Rio de Janeiro.

Assim que as informações são conseguidas junto ao especialista, são organizadas no programa de várias formas. A mais comum em medicina é o sistema baseado em regras, em que o usuário informa os sintomas do paciente e o programa dá o provável diagnóstico. “O objetivo da inteligência artificial é levar o conhecimento especializado ao médico que está longe dos grandes centros”, afirma Daniel Sigulem, coordenador do Centro de Informática em Saúde da Escola Paulista de Medicina.

O sistema especialista não foi feito para substituir o médico especializado em determinada área, mas para ajudar o clínico geral do pronto-socorro de uma pequena cidade a diagnosticar corretamente uma doença. Um dos vários programas desenvolvidos pelo Centro é para diagnóstico de tuberculose. Pronto há quatro anos, esse programa ganhou mais importância agora que a doença está voltando com força total. Em vista disso, a Organização Mundial de Saúde entrou em acordo com a Escola Paulista para distribuí-lo pelo mundo todo.

No Brasil, embora a própria Escola Paulista tenha programas para diagnóstico de outras enfermidades como diabete, hipertensão e doenças renais, o uso ainda é muito restrito. “Quanto menos avançado é o centro médico, mais se precisa de apoio à decisão”, diz Sigulem. O problema é encontrar um posto de saúde na periferia equipado com computador.

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Mais fácil que levar inteligência artificial à saúde é incorporá-la ao mundo dos negócios, já que todo banco que se preza está recheado de computadores. A última moda nessa área são os sistemas especialistas para concessão de crédito e seguros. “Oitenta e cinco por cento das propostas de seguro são fechadas na hora, é uma compra por impulso”, diz Sérgio Boacnin, gerente comercial da Softon, empresa que desenvolve aplicações em automação de processos comerciais. Munido de um laptop, o corretor visita o cliente em potencial e coloca seus dados no computador, como renda mensal, idade e outras características relevantes. O sistema especialista processa as informações e, na mesma hora, dá a proposta do seguro, evitando que o corretor retorne à empresa e espere que o chefe aprove o negócio.

Os sistemas especialistas são usados também na indústria, para manutenção de equipamentos ou para ajudar a tomada de decisões em caso de acidentes. A empresa paulista ESCA, que trabalha com sistemas de controle e automação, desenvolveu o programa GIC (Gestão Inteligente de Contingências) para situações de emergência em plantas industriais complexas, como pólos petroquímicos. Nessas indústrias, um conjunto de especialistas é encarregado de tomar providências quando acontecem acidentes, medidas bem mais complicadas do que chamar os bombeiros.

Considere-se o caso de uma explosão: é preciso verificar se explodiu um tanque ou um oleoduto, se o duto transportava óleo ou gás (que escapa mais facilmente), quais válvulas precisam ser fechadas, se o produto vazou para algum rio da região, para quais hospitais mandar feridos, e por aí afora. Todos esses procedimentos estão em manuais. O trabalho da ESCA foi colocar esse conhecimento no programa GIC, um sistema especialista baseado em regras. Na hora do acidente, tanto um especialista quanto um leigo podem consultar o sistema e saber imediatamente o que fazer. “A rapidez pode salvar vidas e diminuir o risco de impacto ambiental”, diz Raul Jorge Silva, gerente de desenvolvimento da ESCA.

Programas dotados de inteligência artificial são capazes também de organizar o trabalho. É o que faz o Charme, desenvolvido na França e distribuído no Brasil pela ABC Bull. Criado para ser empregado em alocação de recursos, ele funciona com propagação de restrições. Na França o programa é usado, por exemplo, pela RATP, empresa que controla os ônibus em Paris, para montar a escala de horários dos motoristas, respeitando as leis de trabalho. Outro usuário é a Marriot, que planeja e organiza equipes de serviço no trabalho de catering (fornecimento de comida) a aviões. No Brasil, há dois projetos desenvolvidos para a Citrosuco e a Usina São Carlos, no interior de São Paulo, para otimizar respectivamente a colheita de laranjas e a safra de cana-de-açúcar.

Outra técnica de inteligência artificial é a lógica nebulosa. Diferente da programação tradicional, que lida com números precisos, a lógica nebulosa trabalha com conceitos. Esta levou José Roberto Favilla Júnior, assessor em inteligência artificial do Grupo de Engenharia de Conhecimento do Centro Industrial IBM Brasil, a desenvolver um controlador de semáforos com lógica nebulosa. O controlador tradicional funciona com base no levantamento estatístico de carros que passam por um cruzamento durante o dia. É calculado, então, o melhor tempo de abertura para os semáforos. O problema é que esses controladores não levam em conta mudanças repentinas no tráfego.

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“Com a lógica nebulosa, o controlador funciona em tempo real, fazendo com que o semáforo se ajuste às condições de tráfego, diminuindo as filas e o tempo de espera”, afirma Favilla. Os controladores ficam na calçada, ao lado dos semáforos. Quando o número de carros de uma rua estiver dentro do conceito “fila alta”, o controlador decide quantos segundos a mais no verde aquele semáforo deve abrir.

A lógica nebulosa também considera, além do “sim” e “não” da lógica tradicional, o “mais ou menos”. Graças a essa possibilidade, ela foi usada pelo pesquisador Ricardo Machado, da IBM, para desenvolver junto com o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) a função de interpretação de imagens de satélite do SPRING, um sistema para desenvolvimento de aplicações geográficas. Primeiro, um especialista analisou 17 000 segmentos de imagens e os classificou segundo conceitos da lógica nebulosa, dando valores entre 0 e 1. Isso foi necessário porque, numa imagem da Amazônia, os elementos não aparecem de maneira estanque. “Pela lógica tradicional, uma área ou é desmatada e tem valor 0, ou é floresta e tem valor 1”, compara Machado. “Mas como classificar uma área que foi desmatada e está brotando outra vez? Pela lógica nebulosa, a área pode ser 0,5 floresta e 0,5 desmatada.”

Feita a classificação, Machado optou pela técnica de redes neurais para criar a função de interpretação no SPRING, pois esta é a mais adequada para reconhecimento de padrões. A interpretação da imagem feita pelo especialista, que identificou áreas de floresta, cerrado, deflorestamento, água, nuvem e sombra foi “ensinada” à rede neural, que passou a reconhecer os padrões com o mesmo grau de acerto. A diferença de tempo gasto para fazer isso, porém, é brutal.

Para cobrir toda a área da Amazônia, são necessárias 227 imagens de satélite. Em algumas áreas, chega a haver milhares de pontos de desmatamento numa só imagem. “Normalmente, o especialista analisa a imagem, detecta os milhares de pontos e transfere-os manualmente sobre um mapa”, diz Ubirajara Moura de Freitas, gerente de programa de geoprocessamento do INPE. “Para transferir essa informação para um banco de dados, às vezes se gastam 500 horas numa só imagem, e às vezes o trabalho é tão complexo que nem se consegue digitalizar”, conta.

Com o SPRING fazendo automaticamente a interpretação, o tempo de trabalho humano cai para 50 horas. Melhor que isso, os dados já saem prontos para serem usados em programas de informação geográfica (conhecidos pela sigla em inglês GIS).

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Gênio cibernético

(SUPER número 6, ano 11)

O chip do futuro

(SUPER número 7, ano 11)

Nos sistemas especialistas, a distribuição do conhecimento por computador

Eles ajudam a fazer diagnósticos, manutenção e a vender seguros

Sistemas especialistas são usados principalmente em medicina, manutenção de equipamentos e automação de negócios. O conhecimento do especialista é passado para o computador e forma uma base de conhecimento, acessada pelo sistema baseado em regras, que funciona segundo a lógica do se…então: se um paciente tem febre, dor de garganta e coriza, então provavelmente está resfriado; se está resfriado, então toma tal medicamento. Nos negócios, usa-se sistema especialista na área de seguros. Num laptop, o corretor coloca no programa os dados do cliente e a proposta sai na hora, evitando a perda de tempo de consultas a superiores. Outro sistema, chamado baseado em casos, tem, em lugar da base de conhecimento e regras, uma base de casos, como se fosse a experiência que uma pessoa adquire ao longo de anos. No programa de manutenção de automóveis, o usuário escreve na tela em termos normais como “o motor falha na aceleração”. O programa procura casos parecidos no banco de casos e faz perguntas e sugestões. Ele diz “o motor engasga?”, “não dá partida?”, sugere procedimentos, e vai informando as possíveis causas dos problemas do carro.

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