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A maior vantagem competitiva é a habilidade de aprender

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h37 - Publicado em 28 fev 2001, 22h00

Ana de Fátima Sousa

O sul-africano Seymour Papert é um dos maiores visionários do uso da tecnologia na educação. Em plena década de 1960, ele já dizia que toda criança deveria ter um computador em sala de aula. Na época, suas teorias pareciam ficção científica. Entre 1967 e 1968, desenvolveu uma linguagem de programação totalmente voltada para a educação, o Logo. Mas a comunidade pedagógica só passou a incorporar as idéias de Papert a partir de 1980, quando ele lançou o livro Mindstorms: Children, Computers and Powerful Ideas – no qual mostrava caminhos para utilização das máquinas no ensino. As escolas começaram a usar computadores. Ok. Mas isso não representou uma mudança na forma de educar. O computador servia apenas como suplemento para o papel tradicional de professores e alunos. Agora, Papert enxerga uma mudança drástica para breve e não serão as escolas que vão impulsionar as transformações… mas as crianças.

Papert é matemático, Ph.D, diretor do grupo de Epistemologia e Aprendizado do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e um dos fundadores do MIT Media Lab, onde continua pesquisando. Ele também trabalha em um programa de educação de jovens infratores em Maine, onde mora.

 

Super – Você é apontado como pioneiro na defesa da introdução dos computadores em salas de aula, como instrumentos para o processo de aprendizado. Mas suas idéias vão além da questão tecnológica. Quando você começou a perceber que algo estava errado com a educação tradicional?

Seymour Papert – Quando eu era criança, vários fatores me levaram a entender que alguma coisa estava muito errada:

1 – Minha primeira escola era pequena e bastante progressiva, dirigida por uma mulher de mente aberta, que pensava independentemente e estimulava as crianças a fazerem o mesmo.

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2 – Mais tarde, fui enviado a uma escola de linha formal britânica. Eu a odiei e me tornei um rebelde fervoroso.

3 – Estava crescendo na África do Sul e o quadro político me levou a um violento conflito com autoridades, inclusive com a escola. Assim como Paulo Freire, comecei a ver que a escola era antipolítica.

4 – Até mesmo quando eu estudava em uma escola elementar relativamente boa, conseguia perceber que estava aprendendo muito mais fora da escola do que dentro dela.

 

E qual foi sua primeira atitude para tentar mudar o sistema educacional?

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Decidi ter uma vida de rebelião construtiva.

 

Sua preocupação com as crianças cresceu quando trabalhou com Jean Piaget. Quanto tempo vocês trabalharam juntos? E qual a grande contribuição dele?

Trabalhamos em período integral por quatro anos. Mas, no total, foram dez anos. Piaget teve uma carreira extremamente longa e intensa. Sua primeira publicação científica foi aos 11 anos e seus últimos trabalhos estavam em andamento quando morreu, aos 84 anos. Ele criou vários novos campos da ciência, como a Teoria Cognitiva, a Epistemologia da Evolução e a Psicologia do Desenvolvimento e defendeu uma nova forma de pensar sobre as crianças, que forneceu a base teórica que impulsiona os movimentos por uma reforma educacional em nossos dias. Para ele, as crianças não são contêineres onde deve ser depositado o conhecimento, mas construtoras ativas de conhecimento, pequenos cientistas que estão sempre testando suas teorias sobre o mundo.

 

Quando aconteceu a criação da linguagem de programação Logo?

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Foi desenvolvida gradualmente entre 1967 e 1968. A idéia era dar à criança controle sobre a mais poderosa tecnologia disponível em nossos tempos. A linguagem foi desenvolvida para permitir que crianças programassem a máquina, em vez de serem programadas por ela.

 

O que os cidadãos do futuro precisam saber?

Como lidar com desafios. Precisam saber como enfrentar um problema inesperado para o qual não há uma explicação preestabelecida. Precisamos adquirir habilidades necessárias para participar da construção do novo ou então nos resignarmos a uma vida de dependência. A verdadeira habilidade competitiva é a habilidade de aprender. Não devemos aprender a dar respostas certas ou erradas, temos de aprender a solucionar problemas.

 

E por que ainda existe tanta resistência para adotar novas formas de ensino?

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Acho que antes as pessoas eram mais resistentes. Quando as tecnologias eram caras e distantes, qualquer proposta parecia muito radical. Atualmente, com fácil acesso, a necessidade de se preparar para um mundo cada vez mais informatizado estimula os cidadãos a buscarem o novo. Hoje, três milhões de crianças norte-americanas deixaram escolas tradicionais e seus pais buscam outras formas de ensino, muitas vezes em suas próprias casas.

 

Isso não parece ser o fim da escola?

Não. Mas é um forte indício de que a escola da forma que a conhecemos, e que nossos pais e avós conheceram, precisa mudar radicalmente.

 

Algumas correntes falam que o aluno poderá aprender de sua casa, em seu computador. Você acha que a escola do futuro será assim?

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Eu acredito que estamos assistindo à invenção de novas formas sociais para o aprendizado. É uma bobagem tentar antecipar a história.

 

E o currículo que as escolas têm hoje? O que tem de ser mudado para incorporar as necessidades da era da informação?

O currículo, no sentido de separar o que deve ser aprendido e em que idade deve ser aprendido, pertence a uma época pré-digital. Ele será substituído por um sistema no qual o conhecimento pode ser obtido quando necessário. Qualificações serão baseadas no que as pessoas tiverem feito, produzido. Muito do conteúdo do atual currículo é conhecimento de que ninguém precisa ou é necessário apenas para especialistas.

 

Esse é um dos aspectos que você critica na educação tradicional: a segregação das crianças por idade. Por quê? Qual seria a solução?

É um absurdo achar que só se deve aprender determinado conteúdo quando se tem sete anos e outro quando se tem oito. A idéia de um currículo linear lembra o sistema de produção em série industrial. Temos de aprender a perceber a necessidade de cada indivíduo. Ele é quem vai ditar o que precisa aprender, a que hora e com que intensidade.

 

Ou seja, devemos dar às crianças poder para controlar seu processo de aprendizado. Mas que poder é esse?

Devemos dar a chance de as crianças apontarem suas necessidades de aprendizado. Mas elas já estão fazendo isso. As crianças das novas gerações cada vez aprendem mais fora da escola. Nos Estados Unidos, 60% das crianças em idade escolar têm computador em casa. É verdade que nem todas usam o computador como uma ferramenta eficaz, mas algumas o fazem e têm ricas experiências de aprendizado. São elas que estão chegando à escola e questionando “por que não estamos fazendo aqui o que sabemos como fazer em casa”? Elas estão pressionando as escolas e os professores a mudar as coisas. Caso contrário, elas mesmas o farão.

 

Na década de 1960, quando você falou que toda criança deveria ter um computador na sala de aula parecia loucura porque computadores pessoais não eram comuns. Hoje, as escolas têm, no mínimo, um laboratório com computadores, mas seu uso ainda é de suporte para formas e currículos escolares tradicionais. Quanto tempo levará para que tenhamos métodos de ensino completamente novos?

Acredito que daqui a algo entre cinco e dez anos os educadores de todo o mundo aceitarão a idéia de que precisamos de transformações radicais.

 

De que formas os computadores e a internet devem ser usados para garantir um bom aprendizado?

De que formas o lápis pode ser usado? De tantas formas que não podemos fazer uma lista. Ele foi incorporado, tornou-se parte de tudo. Assim é com o computador e com a internet…

 

Em países como o Brasil, onde as escolas particulares – freqüentadas por crianças ricas – oferecem o que há de melhor no uso de tecnologias e as escolas públicas esperam do governo não só computadores mas equipamentos básicos, o abismo entre classes sociais não deve crescer ainda mais em termos de conhecimento e de oportunidades?

Governos devem encontrar formas de dar aos pobres pleno acesso ao conhecimento de primeira classe. Países ricos devem entender que, ajudando países mais pobres a fazer isso, não estarão fazendo caridade. O conhecimento é uma condição necessária para a estabilidade internacional, a proteção do meio ambiente e a paz.

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