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A saga da(s) Voyager

Elas foram projetadas para durar cinco anos. Mas seguem funcionando, e viajando, há quase meio século – já estão no espaço interestelar, a mais de 20 bilhões de km da Terra. São a criação humana a ir mais longe no Universo, e levam consigo um tesouro: um disco apresentando nossa espécie a civilizações alienígenas.

Por Bruno Garattoni Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
17 nov 2025, 12h00

 

C

“Cientificamente, é uma grande perda. Emocionalmente, eu acho, talvez seja ainda maior”, declarou a cientista Suzanne Dodd, da Nasa, ao New York Times. Dodd se referia à Voyager 1, que parecia estar morrendo: em 14 de novembro de 2023, a sonda começara a enviar para a Terra um sinal truncado, sem qualquer dado discernível. Os engenheiros da Nasa vinham trabalhando no problema havia quatro meses – e Dodd, a diretora da missão, já estava perdendo as esperanças.

A Voyager 1 e sua irmã gêmea, a Voyager 2, foram lançadas ao espaço em 1977 com a missão de visitar Júpiter, Saturno, Urano e Netuno, numa jornada prevista para durar aproximadamente cinco anos. Mas já estavam há quase cinco décadas viajando pelo espaço. Elas haviam se tornado os dois primeiros, e até hoje únicos, objetos criados pela humanidade a alcançar o espaço interestelar, nas fronteiras do Sistema Solar.

Quando a Voyager 1 bugou, ela estava a 24 bilhões de quilômetros da Terra – uma distância que beira o incompreensível, tão longa que os sinais de rádio enviados pela sonda, mesmo se propagando na velocidade da luz, demoravam 23 horas para chegar à Terra (os comandos enviados daqui pela Nasa, outras 23). Se a história dela terminasse ali, já estaria de bom tamanho.

Mas não terminou. Quando tudo parecia perdido, e Dodd (que chefia a missão desde 2010) já refletia com melancolia sobre o fim da Voyager 1, os engenheiros da Nasa conseguiram identificar o problema: um chip de memória do Flight Data Subsystem (FDS), um dos três computadores da sonda, havia pifado.

As Voyager têm uma quantidade minúscula de memória: 68 kilobytes, ou 0,068 megabyte. Isso se deve às limitações tecnológicas da época em que foram construídas. Mas essas restrições também acabaram jogando a favor: como os chips de memória tinham capacidade muito baixa, e nenhum deles era suficiente para armazenar sozinho os 68 kB, a Voyager 1 recebeu vários.

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Os engenheiros da Nasa pensaram o seguinte: ok, vamos transferir o software afetado para outro chip, que ainda esteja bom. Só que aí apareceu um novo obstáculo. O Flight Data Subsystem não cabia nos espaços livres disponíveis na memória da sonda.

Num esforço de engenharia, o software foi reescrito do zero, agora seguindo uma lógica modular: ele passou a ser formado por vários pedaços independentes, que poderiam se encaixar nos setores de memória disponíveis. A atualização foi transmitida da Terra e, dois dias depois, veio a resposta: a Voyager 1 voltara a funcionar normalmente. Ela estava salva.

Infográfico, em fundo verde, da sonda espacial Voyager.
(NASA/Montagem sobre reprodução)

Em março deste ano, a Nasa fez outro reparo mirabolante: conseguiu consertar os propulsores principais da Voyager 1, que haviam parado de funcionar em 2004. Eles operam com hidrazina, um líquido que é vaporizado em quantidades minúsculas – ao ser expelido, gera empuxo suficiente para manobrar a sonda e mantê-la com as antenas apontadas para a Terra. Para que a hidrazina não congele em contato com o frio do espaço, os propulsores têm aquecedores internos, mas dois deles falharam e o líquido congelou.

Então surgiu um plano arriscado para tentar consertá-los. A Nasa iria usar propulsores auxiliares para rotacionar a Voyager 1, deixando-a propositalmente desalinhada com suas “estrelas-guia”, astros cujas posições a sonda usa para se orientar. O sistema operacional da Voyager tem um mecanismo que tenta corrigir isso, disparando automaticamente os propulsores principais (justamente os que estavam inoperantes) para recolocá-la na posição correta. Só que os propulsores entupidos poderiam explodir, colocando a sonda em risco.

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Os cientistas enviaram os comandos e esperaram, apreensivos. Dois dias depois, as respostas começaram a chegar. A sonda informou que havia executado a ordem, e isso havia disparado a correção automática. Vinte minutos depois, a temperatura dos propulsores entupidos aumentou muito – algo bom, pois significava que eles haviam voltado a funcionar. “Foi mais uma salvação milagrosa da Voyager”, disse Todd Barber, engenheiro de propulsão da Nasa.

A gêmea Voyager 2 também teve um momento recente de vida ou morte. Em julho de 2023, a Nasa enviou um comando alterando a orientação da sonda, para que a antena principal dela ficasse perfeitamente apontada para a Terra. Só que esse comando continha um errinho, de 2 graus, no ângulo da antena. Foi o suficiente para deixar a Voyager 2, que naquele momento estava a 19,9 bilhões de quilômetros daqui, apontada para Júpiter.

O sinal da sonda passou a chegar à Terra fraco e corrompido, impossível de ler; muito provavelmente, os comandos da Nasa também não alcançariam a outra ponta. Então a agência apelou para um último recurso. Acionou um transmissor que mantém em Canberra, na Austrália – ele alcança 100 mil watts e é o mais forte dos três que formam a Deep Space Network, a rede de antenas que é usada na comunicação com as sondas e também tem antenas na Califórnia e em Madri.

O sinal foi enviado na potência máxima, no que a Nasa classificou como um “grito interestelar”. Quase dois dias mais tarde, veio o alívio: a Voyager 2 respondeu, confirmando e obedecendo a ordem.

A Voyager 2 foi ao espaço em 20 de agosto de 1977, duas semanas antes da Voyager 1. É que ela foi enviada para fazer uma trajetória mais longa que a irmã (que a ultrapassou, tomando a frente, já em dezembro daquele ano).

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Imagem, em fundo verde, com a linha do tempo da sonda espacial Voyager.
(Arte/Superinteressante)

A Nasa escolheu 1977 porque os planetas que as sondas iriam visitar estavam num alinhamento que só ocorre a cada 175 anos. O primeiro foi Júpiter, que a Voyager 1 alcançou em janeiro de 1979: ela passou a 349 mil quilômetros do planeta (aproximadamente a mesma distância da Terra à Lua).

Em seguida, em novembro de 1980, ela passou por Saturno, onde fotografou Titã, a maior lua do planeta. A Voyager 2 também começou visitando Júpiter, em julho de 1979, e depois Saturno, em 1981, mas foi a mais dois planetas: Urano, em janeiro de 1986, e Netuno (agosto de 1989).

As imagens capturadas pelas sondas revolucionaram o estudo desses planetas, permitindo que os cientistas estudassem em detalhes a atmosfera e o relevo de cada um – as Voyager descobriram, por exemplo, que há vulcões ativos em Io, uma das luas de Júpiter (planeta em que elas também detectaram relâmpagos, um fenômeno até então considerado exclusivo da Terra).

Mas talvez seu feito mais impressionante tenha sido outro. Em 14 de fevereiro de 1990, a Voyager 1 apontou suas duas câmeras para a Terra, que capturou como um minúsculo pontinho azul. Essa imagem, batizada de Pale Blue Dot (“pálido ponto azul”), até hoje é a foto mais distante já tirada da Terra – e ilustra, com força extraordinária, nossa pequenez ante a vastidão do Universo.

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Em agosto de 2012, a Voyager 1 se tornou o primeiro objeto humano a deixar a heliosfera (região preenchida pelo “vento solar”, um fluxo de partículas eletricamente carregadas que é emitido pelo Sol) e entrar no espaço interestelar – coisa que a Voyager 2 fez em novembro de 2018. Não é, ao contrário do que às vezes se lê por aí, a mesma coisa que deixar o Sistema Solar.

Isso só ocorrerá quando as sondas atravessarem a chamada Nuvem de Oort, um agrupamento de “planetesimais” (pequenos corpos rochosos ou de gelo, com no máximo 100 km de diâmetro) que representa a fronteira final. A Voyager 1 está se deslocando a 60 mil km/h (a irmã, a 55 mil km/h), mas ainda deve levar 300 anos para alcançar essa nuvem – e até 30 mil para cruzá-la toda.

Ambas vão parar de transmitir bem antes disso. Na verdade, elas já estão meio perto do fim.

Imagem da sonda espacial Voyager sendo preparada por cientistas.
(NASA/Divulgação)

A bateria e o disco
As sondas Voyager são alimentadas por geradores termoelétricos com radioisótopos, também conhecidos como “baterias nucleares”. Trata-se de cilindros preenchidos com esferas de plutônio-238, um elemento que emite radiação e calor. Esse calor entra em contato com uma placa fria, dentro do gerador, e algo interessante acontece: gera-se uma corrente elétrica.

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É o efeito Seebeck, descoberto em 1822 pelo físico alemão Thomas Johann Seebeck. As Voyager usam essa tecnologia (também adotada em outros veículos da Nasa, como os rovers marcianos Perseverance e Curiosity) para alimentar seus transmissores e demais circuitos. O problema é que, conforme o plutônio vai “decaindo” (sua radioatividade decresce naturalmente), ele passa a gerar menos calor – e a bateria nuclear perde a capacidade de gerar energia.

Hoje, os geradores presentes nas Voyager estão operando a aproximadamente 225 watts cada um, menos da metade dos 470 W que forneciam quando as sondas eram novas. Ao longo dos anos, a Nasa foi desativando vários sistemas das sondas para economizar energia e tentar prolongar a vida útil delas. As câmeras da Voyager 1 foram desligadas em fevereiro de 1990, logo depois que ela capturou a famosa foto da Terra (na Voyager 2, a Nasa desconectou as câmeras em dezembro de 1989).

Os espectrômetros, que captam ondas infravermelhas e ultravioleta, também já pararam – o último deles foi desligado em 2016. O magnetômetro e o analisador de plasma (que medem os campos magnéticos dos planetas e o vento solar), por outro lado, continuam operando.

A Voyager 2 já entrou na reserva de energia, o finzinho da bateria nuclear, e a Voyager 1 deve fazer isso em 2026. A Nasa estima que, na melhor das hipóteses, as sondas terão energia suficiente para continuar operando, e se comunicando com a Terra, até 2036.

Daí para a frente, será apenas silêncio. As Voyager estarão completamente sozinhas. Mas ainda levarão consigo algo muito precioso: o Golden Record. Cada sonda transporta dentro de si uma cópia desse disco, que foi idealizado pela Nasa junto com o astrônomo americano Carl Sagan.

O disco de ouro (material escolhido por ser altamente resistente à corrosão) é uma espécie de cartão de visitas da humanidade, contendo informações sobre a nossa espécie, para o caso de um encontro das Voyager com alguma civilização extraterrestre.

Infográfico, em fundo verde, do disco de ouro que viajou no cosmos com a sonda espacial Voyager.

A capa do Golden Record, também feita de ouro, traz instruções tentando ensinar aliens a tocar o disco [veja no infográfico acima]. Ele parece um LP comum, de música. Mas, se executado corretamente, gera um sinal elétrico cuja decodificação exibe fotos, além de áudio.

São 116 imagens mostrando o dia a dia humano (uma mulher num supermercado, pessoas tomando sorvete, comendo panquecas e bebendo água), artefatos tecnológicos (a antena do radiotelescópio de Arecibo, em Porto Rico) e feitos científicos – uma página do Principia Mathematica, livro de 1687 em que Isaac Newton descreve a lei da gravitação universal.

Também há diagramas mostrando nossa posição no Universo, desenhos de animais e trechos de áudio, como risadas e saudações, além de 27 músicas. São composições folclóricas, trechos de sinfonias (Bach, Beethoven, Mozart) e o hit Johnny B. Goode – uma das canções fundadoras do rock and roll, lançada em 1958 pelo americano Chuck Berry.

Sabe-se lá como extraterrestres interpretariam tudo isso. Talvez achassem que o tal Johnny, caipira de Louisiana citado na música, fosse nosso líder supremo – e sua guitarra, que ele levava num saco, um invencível instrumento de guerra.

A seleção do que iria entrar no Golden Record não foi estritamente científica; também teve certo teor de improvisação. Talvez porque, no fundo, as autoridades dos EUA não acreditassem que o disco realmente pudesse chegar a alguma civilização alienígena – nem que as Voyager pudessem ir tão longe.

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