Entenda o que há por trás da “capa da invisibilidade” apresentada na China
A tal capa é, na verdade, um painel de pequenas lentes – que converge os raios de luz oriundos do objeto até ele desaparecer da perspectiva do observador.
Circula há alguns dias, na internet, o vídeo de uma suposta “capa da invisibilidade” projetada na China. Na apresentação, Junhao Chu, pesquisador da Academia Chinesa de Ciências, faz suas pernas sumirem magicamente detrás da engenhoca.
O vídeo que circula nas redes é uma versão editada da apresentação original, realizada em Pequim no evento “Super Science Night“, promovido pela BiliBili, a maior plataforma de vídeos no país. Tudo que aparece após a fala de Chu são vídeos que não tem nada a ver com o projeto chinês. O original, na íntegra, pode ser visto aqui.
Só dá para chamar esse gadget de “capa” em um sentido muito figurado: ele não tem nada de flexível, nem é feito de tecido. Trata-se, na verdade, de um painel de lentes lenticulares (já vamos explicar o que elas são).
Você jamais conseguiria vestir uma roupa que produz esse mesmo efeito. As lentes só funcionam quando há um ângulo específico entre o observador e o painel. Se ele fosse flexível e estivesse moldado aos contornos do seu corpo, haveria vários ângulos em jogo.
A ideia não é lá tão inovadora. Outros pesquisadores de vários países já criaram superfícies que, em maior ou menor grau, desviam a luz e escondem objetos de olhos e câmeras. O que existe é um aperfeiçoamento lento e constante dessas traquitanas.
“A invisibilidade da ficção científica se tornará realidade à medida que a tecnologia e os materiais da invisibilidade se desenvolverem”, afirma Chu ao jornal estatal China Daily. “Mais equipamentos invisíveis mudarão a nossa vida, como salas invisíveis que podem proporcionar maior privacidade e até aparelhos auditivos invisíveis”. A ver.
Como funciona a “capa”
Olhe para a sua janela. Se ela for completamente lisa, você vai conseguir ver a rua do lado de fora exatamente como ela é, sem nenhuma distorção. Mas vamos falar de algo mais idoso. Sabe aquelas janelas antigas, que têm várias ondinhas? Quando você tenta olhar através delas, é outra história: a imagem fica distorcida e, dependendo do vitrô em questão, beira o abstrato.
Esses vitrôs, comuns até hoje em cozinhas e lavanderias, funcionam como uma sequência de lentes convexas postas lado a lado. Existem dois tipos de lente: as convexas e as côncavas.
(Aqui vai uma técnica mnemônica para se lembrar qual é que é qual: se você fizer uma conchinha com a mão, a parte do verso lembra uma lente convexa – e a parte de dentro, que você usaria para cavar, uma lente côncava.)
Lentes convexas e côncavas têm outros nomes: lentes de borda fina e borda grossa, ou convergentes e divergentes, respectivamente. Dá para sacar a função de cada uma delas pelos nomes: as lentes divergentes divergem (ou espalham) os raios de luz. Essas são as convexas. Já as convergentes convergem (ou juntam) os raios. Essas são as côncavas.
Dependendo do tipo de lente – e da distância entre o observador e a lente – , ela pode deixar algo atrás dela maior ou menor. Se você tirar seus óculos e observá-los de longe, vai perceber isso – no caso dos míopes, a imagem dos objetos que estão atrás das lentes ficará menor, no caso dos hipermetropes, ficará maior.
O painel da invisibilidade chinês é como um vitrô. Uma grande lente formada por várias pequenas lentes convexas, convergentes. Veja a imagem abaixo.
Quando os raios de luz convergem, você vê os objetos menores (é que o acontece com os óculos de miopia no exemplo anterior). Se as lentes forem potentes o suficiente, os raios vão convergir até o objeto lá atrás se tornar tão pequeno que, na prática, ele se tornará invisível. E esse é o truque.
Por isso o painel esconde as pernas do pesquisador Chu, mas preserva o fundo.
Com um porém: conforme já mencionado, o que uma lente convexa vai fazer com a luz que chega aos seus olhos depende de sua distância para a lente. Pegue os óculos de miopia de alguém e faça o teste: conforme você altera a distância entre a lente, o objeto observado e sua cabeça, o tipo de distorção vai mudando. No caso da “capa”, isso diminuiria o grau de invisibilidade. Ou seja: ainda é cedo para pensar numa capa de invisibilidade estilo Harry Potter para o Halloween.