Nobel de Física vai para cientistas pioneiros em IA e aprendizado de máquina
John J. Hopfield e Geoffrey E. Hinton foram laureados por criarem, ainda nos anos 1980, redes neurais que deram a base para as IAs atuais.
Até poucos anos atrás, inteligência artificial era coisa de filme. Algumas coisas que podiam ser chamadas de IA já existiam, mas não máquinas de processamento de linguagem como as que temos hoje. Desde 2022, modelos generativos como o ChatGPT popularizaram a tecnologia, trazendo para o campo da realidade aquilo que era só ficção.
Os novos modelos de IA generativa, também chamados de modelos de linguagem de grande escala, têm uma capacidade impressionante de comunicação. Os cientistas conseguiram aperfeiçoar a IA a esse ponto porque deixaram ela mais parecida com o cérebro humano, a partir de redes neurais artificiais usadas para classificar imagens ou gerar textos.
Pode ser que você tenha ouvido falar de redes neurais artificiais recentemente, ou só agora que está lendo essa notícia. Mas elas começaram a ser testadas na década de 1980, e dois pesquisadores que foram pioneiros nessa área receberam nesta terça-feira (08) o Prêmio Nobel de Física.
O americano John J. Hopfield, da Universidade de Princeton nos EUA, com 91 anos, e o britânico Geoffrey E. Hinton, da Universidade de Toronto, no Canadá, com 76 anos, foram laureados pelas suas “descobertas fundacionais e invenções que possibilitaram o aprendizado de máquina com redes neurais artificiais”, de acordo com a Academia Real Sueca de Ciências.
O ChatGPT, por exemplo, é uma rede neural artificial que “só existe graças aos precursores nas pesquisas de redes neurais artificiais, dentre eles os vencedores do Nobel Hinton e Hopfield”, explica para a Super Rodrigo Barros, professor da PUCRS, pesquisador apoiado pelo Instituto Serrapilheira e especialista em aprendizado de máquina.
Entenda as pesquisas
O cérebro humano funciona com redes neurais: séries de neurônios conectados, às vezes em diferentes regiões do cérebro, que têm uma ação conjunta. Para criar máquinas que se aproximam do pensamento humano, cientistas como Hopfield e Hinton começaram a simular a estrutura cerebral e o funcionamento dos neurônios em modelos de computação.
As redes neurais artificiais são compostas de nós, cada um com um valor. Eles são conectados entre si, e as conexões ficam mais fortes depois de treinamento, quando a rede reconhece quais nós ficam ativos juntos. É um sistema muito parecido com o do cérebro humano: quando aprendemos algo, as conexões entre os neurônios envolvidos ficam mais fortes.
John Hopfield inventou, em 1982, uma rede que armazena imagens e outros tipos de dados como padrões, de forma similar ao nosso cérebro. A rede neural era capaz de reconhecer imagens e encontrar as mais similares num banco de dados. Para criar essa rede neural precursora, ele usou conceitos de física baseados nas propriedades dos átomos.
Em um campo magnético, cada partícula tem uma orientação, o chamado spin do átomo. Hopfield se baseou na energia de um sistema de spin para criar sua rede artificial. Ela era treinada para reconhecer diferenças entre suas imagens salvas, que eram classificadas com valores baixos de energia.
Quando apresentada com uma versão danificada de uma imagem salva, a rede conseguia perceber as diferenças energéticas e encontrar o padrão mais similar no seu armazenamento.
Com base numa rede Hopfield, Hinton criou um novo modelo de rede neural: a máquina de Boltzmann, homenagem a Ludwig Boltzmann, o pai da mecânica estatística. Essas máquinas poderiam ser treinadas para reconhecer elementos específicos em um conjunto de dados. Elas podem ser usadas para classificar imagens ou mesmo criar novos exemplos de imagens parecidas, tudo usando fórmulas de física estatística.
Barros explica que Hinton e sua máquina foram responsáveis diretos pelo algoritmo de backpropagation, usado para treinar as redes neurais artificiais a fazer tarefas com base em exemplos.
A inspiração de conceitos da física para a criação dessas redes neurais artificiais, como explica Barros, “não constitui uma contribuição na área da física por si só”. Ellen Moons, do Comitê de Física do Nobel, disse que as redes são usadas em muitas áreas da física, como no desenvolvimento de materiais com propriedades específicas. Mas as redes podem ser usadas em qualquer área do conhecimento, não só na física.
A área mais beneficiada pelas redes neurais artificiais é, sem dúvida, a computação. Barros acha “extremamente interessante que este Prêmio Nobel em Física tenha sido dado para contribuições em computação”. Na opinião do pesquisador, o comitê quis reconhecer a importância da inteligência artificial na ciência, e usou a inspiração física para reconhecer o trabalho de Hopfield e Hinton.
Impacto no campo das IAs
Sem as descobertas de Hopfield e Hinton, seria impossível chegar aos sistemas de IA de hoje, com reconhecimento de imagens e usos na área da saúde, auxiliando em diagnósticos e interpretando exames de imagem.
Mas Hinton não está exatamente feliz com o uso de suas descobertas no campo da inteligência artificial. Em 2023, ele pediu demissão do Google para poder falar sobre os riscos existenciais da IA. Em entrevista coletiva por telefone para a Academia Real Sueca de Ciências, ele disse que a situação da IA pode ser semelhante à revolução industrial: as máquinas nos superaram na força física, e agora podem talvez superar na força intelectual.
Isso pode trazer consequências boas. Hinton pontua o atendimento médico mais eficiente e possíveis aumentos de produtividade. Mas ele reforça que é preciso se preocupar com “a ameaça de que essas coisas saiam do controle”.
Os laureados do Nobel ganham um prêmio de 11 milhões de coroas suecas (quase R$ 6 milhões). Como foram dois vencedores, Hopfield e Hinton vão dividir a quantia ao meio. Em 2023, a honraria foi entregue a três cientistas que estudam attosegundos, unidades de tempo equivalentes a um quintilhonésimo de segundo – ou seja, intervalos muito pequenos de tempo. Para entender essa área desconhecida da física, leia aqui.