O artista que usa os títulos de suas músicas para driblar o Spotify e o Apple Music
O “vandalismo” do músico expõe uma brecha das plataformas – e é utilizado como forma de protesto contra a indústria musical e os algoritmos de recomendação.
Você já usou comando de voz para procurar por músicas? Se sim, pode ser que você tenha pedido alguma coisa como “música tranquila” ou “minhas músicas curtidas” ao seu aplicativo ou ao seu assistente virtual.
Quando isso acontece, o algoritmo entende que você está pedindo por uma categoria de músicas, e não por uma canção específica. E aí te apresenta uma playlist daquele tema.
Um artista descobriu uma brecha nessa lógica: se já existir uma canção com o termo pesquisado, o aplicativo escolhe a faixa, e não a playlist. Sob o pseudônimo de Catbreath? (sim, com a interrogação), ele publica dezenas de músicas autorais no Spotify e no Apple Music utilizando nomes criados para enganar o algoritmo.
Catbreath? (“bafo de gato” em inglês) tem 16 mil ouvintes mensais no Spotify, e seus maiores sucessos são as músicas “my liked songs”, “college radio hits”, “shuffle my liked songs”, “gym bangers” e “short sad songs”. Em tradução literal, os títulos significam, repectivamente: “minhas músicas curtidas”, “hits de rádio universitária”, “toque minhas músicas curtidas no aleatório”, “sucessos de academia”, “músicas tristes e curtas”.
Ninguém sabe a identidade de Catbreath?, mas ele (ou ela, é claro, mas trataremos no masculino por padrão da língua portuguesa) concedeu uma entrevista ao portal Hearing Things, em que explicou sua motivação para o que a publicação chamou de “vandalismo” nas plataformas.
Integrante de uma banda de punk rock há mais de dez anos, Catbreath? nunca teve nenhum sucesso. Hoje em dia, ele ganha cerca de U$150 (cerca de R$ 865) por mês nas plataformas. “É um trocado, definitivamente não dá para pagar as contas. Mas é mais do que ganho com qualquer outra coisa que já coloquei na internet.”, conta.
O artista recebe muitos emails agressivos de usuários que reclamam da desonestidade de seus títulos. Ele afirma que, além do público, colegas artistas também costumam reagir mal quando descobrem a estratégia para o pequeno sucesso nas plataformas.
“Um dos meus amigos disse: ‘Quem quer escrever uma música sobre o pai morto e chamá-la de Chill Hits [Hits tranquilos]?’. As pessoas levam sua arte muito a sério. Mas aqui está uma maneira de burlar o sistema com o qual todos nós temos lidado a vida inteira,” conta Catbreath?.
A sua prática começou por acaso. Em um dos seus álbuns, apenas uma música tinha mais de meia dúzia de reproduções. A canção chamada “car jams” (um trocadilho com música e trânsito, e um nome comum para playlists para ouvir no carro), por sua vez, acumulava mais de 500 reproduções.
Na época, ele não conhecia ninguém que fizesse isso, embora note que hoje já existam perfis que utilizam a mesma estratégia, mas com conteúdo criado por inteligência artificial. Mas Catbreath? afirma que não é territorialista com o seu método.
“Na verdade, tento implorar para que as pessoas façam isso. O streaming é uma bagunça. 90% do dinheiro do streaming vai para 1% dos artistas”, diz. “Com essas músicas, provavelmente estou obtendo uma certa quantidade de reproduções que, de outra forma, iriam para os mega artistas: The Weeknd, Taylor Swift e tudo o mais. Então, se as pessoas podem fazer isso, por que não tirar [o dinheiro] do topo?”
O “vandalismo” de Catbreath? é uma mistura de política, inovação e ironia. Uma linha de seus lançamentos, por exemplo, são as músicas com títulos cristãos e mensagens irônicas. Há uma chamada “Christian music” (música cristã) cuja letra defende o aborto como uma política de saúde pública.
“Gosto de zoar com os cristãos porque fui criado em uma casa fortemente católica, então há uma certa animosidade. Fiz ‘Country Songs About Jesus’ [‘Músicas country sobre Jesus’], e é só barulho por dois minutos. Não é nem um agradável ruído branco. É apenas uma barulheira.”
A estratégia de Catbreath? serve de alerta pois é a mesma por trás de mecanismos que favorecem a disseminação de golpes, sites falsos e desinformação. Todos, afinal, exploram brechas dos algoritmos. Deixamos as plataformas cada vez mais escolherem por nós. Será que essa é a melhor decisão?