Clique e Assine SUPER por R$ 9,90/mês
Continua após publicidade

O TikTok e a guerra fria tech entre EUA e China

A tentativa de banir o app de vídeos curtos do território americano é mais um episódio da briga silenciosa entre as duas potências, e escancara uma preocupação urgente: a de regular a maneira como as redes sociais usam nossos dados privados.

Por Bruno Carbinatto
Atualizado em 12 abr 2024, 10h02 - Publicado em 12 abr 2024, 10h00

Nos EUA, poucas coisas unem democratas e republicanos. Mas os deputados dos dois partidos se juntaram, em março, para aprovar um projeto que pode banir do país o TikTok, a rede social de vídeos curtos que se tornou o app mais baixado do mundo em 2022.

A lei mal foi discutida pelos parlamentares – o pleito rolou uma semana depois de o projeto ser apresentado. Foram 352 votos a favor, vindos de ambos os lados do espectro ideológico americano, e apenas 65 contra. Uma lavada, se considerarmos quão impopular e polêmico o texto é na visão do público – só 31% dos americanos concordam com uma proibição total da rede social. (1)

Essa maratona política não é à toa. Os congressistas estão convencidos de que o TikTok é uma grave ameaça à segurança nacional dos EUA. Isso porque, sendo produto de uma empresa chinesa, o app poderia, em tese, estar espionando os usuários – coletando dados sobre os americanos que seriam utilizados pelo Partido Comunista Chinês, no argumento dos que apoiam o banimento. Mais: a rede social também pode ser uma poderosa ferramenta para o regime chinês espalhar desinformação e propaganda no Ocidente.

Se sancionada, a lei prevê que a ByteDance, a empresa chinesa por trás do aplicativo, teria seis meses para vender sua operação nos EUA para uma companhia americana. Se não o fizesse, Apple e Google seriam obrigadas a retirar o aplicativo de suas lojas, sob pena de multa. 

O projeto ainda precisa ser aprovado no Senado, onde tudo indica que sofrerá maior resistência. Mas Joe Biden já disse que, se o documento chegar à sua mesa, será sancionado. De qualquer forma, espera-se que a novela acabe no tribunal – o TikTok deve recorrer ao judiciário alegando que a lei é inconstitucional porque viola a liberdade de expressão dos americanos, um direito quase sagrado no país.

A saga não é de hoje. Ainda em 2020, o então presidente Donald Trump tentou proibir o aplicativo na base do decreto – que acabou anulado pelo Judiciário. E nem é exclusiva dos EUA. A União Europeia, a Austrália e o Reino Unido já têm normas que dizem que celulares oficiais de funcionários do governo não podem ter o TikTok instalado, citando justamente as preocupações com espionagem e privacidade de dados. Mas nenhum lugar tem um projeto tão radical quanto o dos EUA – um país que, em tese, é fã de pouca ou nenhuma interferência do Estado em empresas privadas. 

Continua após a publicidade

A história faz todo sentido, no entanto, se analisarmos pela ótica da geopolítica. Não é de hoje que os EUA e a China vivem uma guerra fria. Desde 2008 o país asiático vem tentando aumentar sua influência econômica, em especial entre os países em desenvolvimento, e desafia a hegemonia americana.

Nos últimos anos, a briga ficou mais high tech. Ambos países passaram a disputar mercados como carros elétricos, smartphones, 5G. A mais recente batalha é pelo mercado global de chips. Eles estão em tudo – celulares, carros, qualquer coisa smart na sua casa –, e o recente boom da inteligência artificial fez disparar a demanda por placas capazes de rodar o treinamento desses bots, um mercado que os EUA ainda dominam com folga por causa das GPUs projetadas pela Nvidia e fabricadas pela TSMC em Taiwan. 

Banir o TikTok é mais um episódio dessa novela – uma maneira de o Ocidente reforçar sua oposição ao avanço chinês – e menos um avanço regulatório real.

Continua após a publicidade

Solução errada, problema certo?

Não que tudo seja um mero capricho americano. Há preocupações legítimas no debate. A China, de fato, controla a internet local com mão de ferro e interfere nas empresas privadas. A maioria dos aplicativos usados aqui no Ocidente é bloqueada no país asiático – na verdade, nem o próprio TikTok é facilmente acessado por lá. 

A versão do app que conhecemos é específica para o mercado internacional; na China, a rede social de vídeos curtos se chama Douyin, e funciona como um aplicativo separado (criar uma conta no TikTok não é o mesmo que criar uma no Douyin, por exemplo).

Continua após a publicidade

Dito isso, não há provas de que o TikTok compartilhe os dados dos usuários americanos com o governo chinês. A empresa nega que isso aconteça, e ressalta que as informações são armazenadas nos EUA, com backup em Singapura. A empresa americana Oracle é a responsável por supervisionar o processo e garantir a segurança dos dados.

Mas há, sim, um fato inegável: o TikTok coleta muitos dados dos usuários. Idade, localização, dispositivo, histórico de buscas e até o que está no copia e cola do aparelho naquele momento. E nem sempre fica claro como e para quê a rede social usa tudo isso. Com o detalhe de que todos os usuários, em teoria, consentem com a coleta – está nos termos de uso, aqueles que ninguém lê. (O TikTok não está sozinho, claro: toda rede social faz isso. O problema é que ele é chinês, e a sua concorrência, não.)

Pegue o caso da Cambridge Analytica. Em 2016, essa empresa britânica coletou dados de mais de 87 milhões de usuários do Facebook e utilizou as informações para personalizar anúncios de campanhas políticas, incluindo a do então candidato Donald Trump – sem explicitar que esse seria um dos usos possíveis. Foi um grande escândalo, que forçou o Facebook a se desculpar publicamente e inspirou a União Europeia a aprovar a primeira lei de proteção de dados do mundo, que o Brasil copiou.

É por isso que parte dos congressistas americanos votou contra o projeto de lei que bane o TikTok. Esse grupo defende que é mais racional obrigar que todas redes sociais tenham políticas de privacidade de dados transparentes e rigorosas, garantindo assim que os dados dos usuários não sejam usados nem pelo Partido Comunista Chinês, nem por ninguém.

O problema é que isso exige a aprovação de um marco regulatório das redes sociais – palavrinhas que causam arrepios nos defensores da liberdade irrestrita americana. (Ainda que a população deseje exatamente isso: 72% dos americanos querem “mais regulamentação governamental” sobre o que as empresas podem fazer com os seus dados.) (2)

Continua após a publicidade

Ao tentar banir o TikTok, os EUA admitem o problema do crescente poder das redes sociais na geopolítica. Mas o país se furta de discutir uma solução racional e prefere uma medida que é mais um recado para a China do que uma tentativa real de resolver a questão. Nessa guerra fria digital, todos perdem.

Compartilhe essa matéria via:

Referências: (1) The Associated Press-NORC Center for Public Affairs Research; (2) Pew Research.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Oferta dia dos Pais

Receba a Revista impressa em casa todo mês pelo mesmo valor da assinatura digital. E ainda tenha acesso digital completo aos sites e apps de todas as marcas Abril.

OFERTA
DIA DOS PAIS

Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Super impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 9,90/mês

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 9,90/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.