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Supercargueiros no ar

Bombardeiros de pouco sucesso durante a Segunda Guerra Mundial, os aviões combinados ressurgiram como transportadores de cargas pesadas e podem inaugurar a era dos aviões espaciais.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h32 - Publicado em 31 jul 1991, 22h00

Um grande hidroavião, de estranha aparência, decolou das águas de uma baia irlandesa no dia 21 de julho de 1938. Dois aviões, na verdade, ambos quadrimotores, compunham um só. O menor, batizado como Short S.20 Mercury, estava instalado nas costas do avião-mãe, Short S.21 Maia, que percorreu um bom trecho brincando sobre as ondas, inclinado pelo peso de sua carga alada e do combustível necessário para elevar a dupla à altura de 6 000 metros O engenho completo tinha o nome de Short-Mayo Composite, uma combinação idealizada pelo major Robert Mayo, engenheiro da companhia aérea britânica Imperial Airways.

Com essa experiência tentava-se proporcionar a um hidroavião autonomia suficiente para tarefas de porte naquela época, como cruzar o Atlântico. Também se pretendia encurtar o tempo gasto nas numerosas escalas que os aviões da companhia eram obrigados a fazer quando precisavam cumprir longas rotas para chegar aos distantes pontos do então extenso Império Britânico. O objetivo principal era levar mais carga, cada vez mais longe, num mesmo aparelho. Usando o avião-mãe como propulsor na decolagem, o pequeno só começava a gastar combustível quando chegava à velocidade de cruzeiro, ganhando assim mais autonomia e potencial de carga útil.

Boa idéia na época, os aviões combinados acabaram atravessando décadas sem encontrar espaço no transporte de carga da aviação civil — ao governo britânico não pareceu grande vantagem transportar separadamente passageiros e cartas, as únicas cargas de então. Restritos a experiências no campo militar por muitos anos, as duplas voadoras ressurgem na virada deste século como um novo salto na aviação, quando os combinados poderão se tornar lançadores de ônibus espaciais ou de aviões em vôo semi-orbital, capazes de cumprir o trajeto Europa — Austrália em pouco mais de uma hora.

Pouco tempo antes daquele vôo iniciado na Irlanda e terminado com sucesso vinte horas depois no Canadá, os engenheiros e aviadores militares soviéticos já vinham desenvolvendo o conceito do caça parasita. Os estrategistas da época tinham um grande problema: os aviões bombardeiros polimotores, pelo grande tamanho e pouca velocidade que podiam atingir, eram alvo fácil para os inimigos. No entanto, se seu tamanho fosse reduzido a ponto de proporcionar aumento de velocidade, a carga de bombas diminuía tanto que deixava de ter valor estratégico. Uma solução óbvia seria escoltar o bombardeiro com uma frota de caças monomotores, mas estes tinham menor autonomia de vôo e não poderiam protegê-lo por toda a missão.

Para tentar sair desse beco, os soviéticos resolveram instalar os caças sob as asas dos bombardeiros, e somente ante a presença do inimigo os pequenos protetores se desprenderiam para dar combate. Diferentes soluções foram testadas, uma delas resultando em algo parecido com um vôo em formação ou um circo voador: dois caças biplanos I-5 sobre as asas do avião mãe, dois monoplanos I-16 sob elas e um monoplano I-Z suspenso por um trapézio. Na prática, ainda que os caças tenham se desprendido e voltado à mãe como previsto, tantos parasitas sobre o teórico, beneficiário ocasionavam uma redução tão drástica de carga ofensiva que anulava outra vantagem. Em plena Segunda Guerra Mundial, pensou-se em empregar esse método para aumentar o alcance dos bombardeiros.

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Em agosto de 1941, dois I-16 SPB destruíram uma ponte depois de serem transportados a suas proximidades debaixo das asas de um Antonov An-6. Os alemães também tentaram se valer das combinações voadoras e inventaram o Mistel: um caça monomotor, um Messerschmitt Me 109 ou um Focke Wulf 190, sobre um bombardeiro bimotor, normalmente um Junkers Ju 88. O bombardeiro não levava tripulação, somente explosivos. O piloto do caça apontava o avião-bomba para o alvo, soltava e depois voltava à base.Nunca se obtiveram resultados brilhantes com essa tática. “Colocar um avião em cima do outro, equilibrá-lo, amarrá-lo e depois soltá-lo é uma operação muito delicada”, analisa o engenheiro Guido Pessotti, diretor técnico da Embraer. “São necessários tantos cuidados e tantas pessoas que o custo operacional fica altíssimo, praticamente inviável”, avalia. Apesar de tamanha complicação, era comum a imagem de aviões experimentais carregados pelas mães até alturas ideais para os vôos de teste. Quando chegaram os anos 70, os aviões combinados embarcaram para outras rotas. Investiu-se neles não mais como bombas voadoras, mas como supercargueiros.

Foram os americanos que resgataram o projeto de transportar cargas pesadas nas costas dos aviões — se não cabem no porão, vão no bagageiro. O primeiro vôo, realizado em agosto de 1977, na Califórnia, foi de um Boeing 747-100 modificado, que decolou com uma carga preciosa: o Enterprise, primeiro ônibus espacial americano. Sobre o Boeing foram instalados suportes dotados de eixos explosivos, capazes de prender e depois soltar em vôo o Enterprise. Até hoje, o Boeing 747 é o transportador oficial dos ônibus espaciais dentro dos Estados Unidos entre fábricas, pistas de pouso e base de lançamento.Ao regressar de seu último vôo, o ônibus Columbia desceu na base aérea de Edwards, na Califórnia. Dali foi levado ao Centro Espacial Kennedy, na Flórida, do outro lado do país, e depois voltou à Califórnia para passar por inspeções e modificações na fábrica. Todas essas viagens foram feitas nas costas de um Boeing. Essa dupla voadora não é exatamente um avião combinado, mas descende evidentemente dele. Na Europa, a fábrica de aviões Airbus também utiliza esse método, transportando grandes componentes de aviões entre suas várias oficinas sobre outros modificados, conhecidos como Super Guppy.

Há a proposta de empregar um Airbus AE 10 como meio de transporte do futuro ônibus espacial Hermès, a ser construído pela Agência Espacial Européia.Os autênticos aviões combinados, porém, não acabaram nas experiências malsucedidas da Segunda Guerra. Pelo contrário, essa idéia volta agora com força como solução ao problema da colocação em órbita de grandes cargas espaciais. Uma das propostas mais interessantes é o avião espacial. Ele partiria convencionalmente das pistas terrestres, chegaria ao espaço acelerando progressivamente até a velocidade capaz de fazê-lo ingressar em vôo orbital (27 000 quilômetros por hora), realizaria sua missão e regressaria por meios próprios à Terra, pousando como um avião comum na mesma pista de onde partiu ou em qualquer outra.É um método muito parecido com o dos ônibus espaciais, com a diferença de que o avião não é acelerado acima da atmosfera por propulsores que depois despencam, mas é carregado por outro avião.

A idéia não é nova, pois já em 1942 o engenheiro alemão Eugene Sänger projetava o bombardeiro Sänger, uma espécie de foguete a ser lançado de um monotrilho e acelerado até 1700 metros de altitude. Somente nesse momento seus motores seriam ligados, iniciando então o Sänger uma trajetória balística capaz de levá-lo a cruzar o Atlântico e bombardear a América, seu objetivo final. Esse avião nunca foi além da prancheta, mas o projeto ainda vive.Um pool de empresas alemãs está encarregado hoje de colocar em prática o Sänger, com a substituição do monotrilho por um avião como acelerador. Nos estudos sobre o avião-foguete Hotol (abreviação em inglês de decolagem e pouso horizontais), projetado há alguns anos pela inglesa British Aerospace, já se cogita de abandonar a idéia original de um avião único para transformá-lo em um combinado.

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Para que um avião sozinho atravesse a atmosfera e continue acelerando até entrar em órbita, é preciso um motor misto de turbina, que só funciona na presença de ar, e propulsores de foguetes, movidos a hidrogênio e oxigênio líquidos.Mais simples seria, segundo a também inglesa Teledyne Brown Engineering, acelerar a primeira fase do vôo do Hotol com um Airbus 310, um Boeing 747 ou mesmo com o gigantesco soviético Antonov An-225, o maior cargueiro do mundo em atividade. Apresentado publicamente em junho de 1989, em Paris, carregando nas costas o ônibus espacial soviético Buran, o Antonov causou impacto tão grande que passou a fazer parte de projetos ocidentais. Foi a partir desse vôo que a Teledyne começou a pensar no avião soviético como lançador do Hotol.

Os soviéticos têm algumas propostas de utilizar o Antonov An-225 como avião-mãe para cargueiros com destino ao espaço. Sobre ele poderia ser colocado o Buram ou outro lançador mais simples, além de um grande tanque de combustível, o que resultaria num combinado de três etapas. Outra tripla sugestão é colocar sobre ele o Sänger inteiro (o avião-mãe e o pequeno). Por fim, o Antonov poderia carregar também o Hotol, neste caso um vôo de apenas duas etapas. Contudo, nem só para entregar encomendas no espaço serviriam os combinados voadores supersônicos.

Quando o Hotol nasceu, havia como desdobramento do projeto a intenção de criar um avião de passageiros que fizesse a rota Europa — Austrália em uma hora, trajeto que hoje um viajante percorre, com todas as escalas necessárias, em cerca de 25 horas.

Como ainda não se resolveu a questão tecnológica da propulsão de um Hotol voando sozinho, os aviões combinados passaram a ser a alternativa mais imediata para que a idéia se concretize. Em vez de voar ao redor da Terra, os aviões partem em direção ao espaço e o que vai em cima, depois de suficientemente acelerado, desprende-se para um vôo semi-orbital, ficando pouco tempo em órbita e descendo em seguida. Com esses aviões, as distâncias entre os dois lados do mundo ficariam muito menores.

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