Swift-Tuttle: alerta contra o cometa errante
Fragmentado pela força da luz e do vento solar, o cometa Swift-Tuttle se afasta da suposta rota de colisão com a Terra, daqui a 134 anos. Mas fará um vôo rasante que as gerações futuras poderão apreciar sem medo.
Flávio Dieguez
Durante a maior parte deste século, os astrônomos esforçaram-se para dissipar o temor que os cometas sempre inspiraram a grande parte das pessoas.
Este ano, pela primeira vez de maneira oficial, eles fizeram alarde sobre o risco de a Terra vir a ser pulverizada por um bólido do tamanho de uma montanha, viajando à velocidade descomunal de 213 000 quilômetros por hora. A força de tal choque liberaria, num único e flamejante golpe, 100 vezes mais energia que o total consumido por ano nos Estados Unidos. A destruição seria completa num raio de 250 quilômetros e a matéria lançada para o alto somaria centenas de milhões de toneladas. Ao cobrir toda a atmosfera do planeta nos anos seguintes, essa espessa capa bloquearia a luz solar, com enorme prejuízo para os seres vivos. “O Homo sapiens não sobreviveria”, opina o físico Johndale Solem, do Laboratório Nacional Los Alamos, no Novo México, Estados Unidos. Solem calcula que, para desviar à última hora um corpo do porte do Swift-Tuttle seria preciso detonar contra ele nada menos que 70 000 bombas atômicas como a que arrasou Hiroshima em 1945. Certamente, há meios mais simples de destruir um cometa ameaçador — se fosse possível descobrir a ameaça a tempo.Um pequeno aquecedor conectado ao Swift-Tuttle enquanto ele está perto da Terra poderia lentamente derreter o seu núcleo de gelo. Uma sonda lançada da Terra se encarregaria de depositar o aquecedor sobre ele. Mas as coisas não são tão simples. A ameaça do cometa esvaneceu-se sob o calor solar. Na caso de uma colisão real, a certeza poderá vir apenas quando for tarde demais para ações suaves.
De início, imaginava-se que a situação ficaria mais definida na passagem do Swift-Tuttle por Saturno, em 2 122, quatro anos antes de retornar à Terra. Nesse caso, a frota de armas salvadores deveria ter o porte estimado por Solem. Não seria ainda a última oportunidade de contra-atacar: outro lance poderia ser feito a quinze dias do suposto desastre, quando o cometa passasse à menor distância do Sol. Mas então a força teria que ser 100 vezes maior que a necessária anteriormente. Mas tais contas nada têm a ver com o pânico de outros tempos. Primeiro, porque tiveram a chancela de uma sóbria e veneranda instituição, fundada há 72 anos e hoje sediada na Inglaterra: a União Astronômica Internacional (IAU, na sigla inglesa). Depois, porque o perigo foi calculado com base em conhecimentos sólidos, ainda que de precisão limitada; o alerta certamente não teve origem em mero preconceito ou vaga suposição, como acontecia no Passado.
Ainda mais importante: há motivo de sobra para que cometas e outros pequenos corpos do sistema solar vejam seriamente estudados, o que não é tarefa simples. Nos últimos anos cresceu a consciência de que a queda de corpos pequenos sobre os planetas é muito comum. Anualmente, chegam ao solo cerca de 20 toneladas de matéria celeste, a maior parte meros grãos de areia. Mesmo meteoritos grandes como pedregulhos são inofensivos, embora possam esmagar um carro em vista de sua velocidade (como ocorreu nos Estados Unidos em 1938, informa a revista Newsweek). O bombardeio de corpos maiores também é considerável.Para dar um exemplo, até pouco tempo se imaginava que apenas 1 000 asteróides poderiam colidir com a Terra. Agora, se avalia que há mais de 4 000 deles com diâmetro superior a 1 quilômetro. Já se sabe que 150 cruzam a órbita da Terra, mas a cada mês se descobrem dois ou três outros, o maior deles com 8 quilômetros de diâmetro. Em 1989, um calhou de 800 metros de extensão errou a Terra por 1 milhão de quilômetros — um tiro de raspão, em escala astronômica. “Cedo ou tarde um deles vai acertar o alvo”, diz o astrônomo Donald Yeoman, do Laboratório de Jatopropulsão, nos Estados Unidos.Mas, em princípio, a caça a esses microplanetas nada tem a ver com ameaças de colisão: é ciência pura e simples. Eles contêm dados sobre a origem e a natureza do sistema solar — e são mal conhecidos. O cometa Swift-Tuttle ilustra bem esse fato. Sua passagem anterior ocorreu e esperava-se que voltassem em 1981 Mas apenas no último mês de setembro — com atraso de quase uma década — ele surgiu diante do binóculo de um astrônomo amador, o japonês Tsuruhiko Kiuchi No final do ano, o astro tornou-se visível a olho nu na direção da Grande Ursa, constelação do Hemisfério Norte.Pelo menos um astrônomo, o americano Brian Marsden, do Observatório Astrofísico Smithsonian, havia previsto o atraso do Swift-Tuttle. Não por acaso, portanto, foi ele o autor dos cálculos que corrigiram a órbita anterior do cometa, e da advertência da IAU sobre a possibilidade de choque. Em 7 de novembro, o astro passou pela Terra acerca de 110 milhões de quilômetros (quase o dobro da distância média de Marte). Mas as engrenagens da atração gravitacional o empurram para um trajeto diferente: depois de contornar o Sol, ele terá velocidade para se afastar, mas cada vez mais lentamente. Até fazer meia volta e de novo cair para o centro do sistema. Os cálculos mostram que ele deve passar dentro de uma pequena zona, na qual a Terra também estará. Não é possível prever uma trajetória exata Na estimativa inicial, as chances de colisão eram de uma para 10 000 (pode-se imaginar que, se o cometa passasse 10 000 vezes, acertaria apenas uma). Sem ser assustadora, tal possibilidade não era desprezível, admitiu o cético Alan Harris, planetologista do Laboratório de Jatopropulsão, Estados Unidos. “Há uma pequena chance de que esta coisa nos atinja, afirmou ele ao jornal New York Times. Mas, mesmo antes de os cálculos serem corrigidos, ele insistia na grande incerteza sobre a rota do cometa. Ela não depende apenas das forças gravitacionais do Sol e dos planetas relativamente mais próximos (o Swift-Tuttle viaja muito acima da órbita dos planetas mais distantes, como Netuno e Urano).A grande incerteza são os jatos de gás que o núcleo do cometa emite assim que deixa os confins gelados do espaço e começa a se aquecer. Se o gás sai para um lado, o cometa é empurrado na direção oposta — o mesmo princípio que rege os motores dos aviões a jato. Não há como saber de que maneira isso afetará a rota do cometa. Inclusive porque os jatos já fragmentaram seu núcleo, o que também afeta a órbita. Apesar de tudo, somando-se os prós e os contras, não foi absurda a idéia de divulgar um alerta. Quando mais não seja, por obediência ao lema de que não custa ter cuidado. Não é outro o tom das explicações de Marsden à imprensa. “Nossa mensagem é dirigida aos profissionais. A tarefa de salvar a Terra caberá aos nossos descendentes. A nossa é descobrir se existe realmente ameaça.”
Para saber mais:
O fascínio dos cometas
(SUPER número 9, ano 3)
Vizinhos problema
(SUPER número 3, ano 7)
Base militar no solo da Lua
Armada com canhões de raio laser, a Lua daria um excelente posto avançado de combate a corpos em rota de colisão com a Terra. Imaginam-se ainda projéteis de antimatéria, além de bombas nucleares de 100 megatons, alocados em foguetes em órbita. A idéia teria vindo de setores militares americanos em busca de um inimigo alternativo — eles admitem que a ex-União Soviética não justifica o mesmo nível de gastos militares de antes. Mas as armas continuariam úteis no céu. O astrônomo Brian Marsden, informa a revista inglesa New Scientist, chegou a ouvir tal proposta por telefone, e as idéias acima seriam parte de um relatório preparado em 1991 pela NASA, agência espacial americana, submetido ao Congresso em março de 1992. Tudo isso parece exagero inadmissível, especialmente porque as questões técnicas e políticas são complicadas. Em todo caso. afirma Newsweek, os astrônomos estão divididos. Afinal, eles estão convencidos de que um asteróide ou cometa pode colidir com a Terra. Mesmo corpos menores, como meteoritos, podem causar destruição limitada — como em estradas ou bairros — nada desprezível.