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Via Láctea: Fábrica de Estrelas

A Via Láctea abriga 250 bilhões de astros como o Sol. Nossa galáxia pode explicar alguns enigmas cósmicos, como a natureza da chamada ¿matéria escura¿. É possível que seu núcleo seja um buraco negro.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h35 - Publicado em 30 abr 1989, 22h00

Martha San Juan França

No árido deserto do Novo México, nos Estados Unidos, 27 radiotelescópios alinhados na forma de Y observam atentamente o céu. O conjunto forma o VLA (Very Large Array, traduzido habitualmente por Arranjo de Muito Longa Base), uma espécie de antena gigante capaz de detectar emissões de ondas eletromagnéticas das mais distantes galáxias. Há seis anos, um grupo de astrônomo do Instituto de Tecnologia da Califórnia (CalTech) apontou o VLA na direção da constelação de Sagitário, onde fica o núcleo da Via Láctea. Quando os computadores combinaram os sinais recebidos em cada uma das 27 antenas, estava pronta a primeira imagem da extraordinária fonte de energia ali existente – algo como 10 milhões de sóis.

“Supõe-se pelo tamanho e pela forma dessa fonte de energia que no coração da Via Láctea existe um buraco negro”, concluiu o astrônomo Kwok Yung Lo, da equipe do CalTech, referindo-se aos estranhos corpos, cuja existência ainda não foi comprovada, que exerceriam tamanha atração gravitacional sobre tudo que está a sua volta que nem a luz escaparia.

Pesquisas como a de Lo e seus colegas mostram que as respostas a algumas indagações importantes sobre a origem e a evolução do Universo – por exemplo, se o Cosmo está mesmo se expandindo – podem ser encontradas aqui mesmo na nossa galáxia, que abriga o Sol e o seu séquito de planetas, entre os quais a Terra. Deixada de lado durante algum tempo em favor de galáxias mais distantes, nestes últimos anos a Via Láctea “voltou ao centro das atenções”, como afirma a astrônoma Sandra dos Anjos, da Universidade de São Paulo. Equipados com novos telescópios e sensores eletrônicos, os cientistas tentam construir uma imagem mais completa da Galáxia, o que antes não era possível por que suas nuvens de gás e poeira prejudicavam a observação. A nova imagem mostra que a Via Láctea, como as outras centenas de bilhões de galáxias que se calcula haver no Universo conhecido, é uma fábrica que transforma matéria gasosa em estrelas. Ela se condensou na mesma época que suas irmãs, até 10 bilhões de anos atrás, a partir de uma nuvem primordial de gás em movimento, composta na maior parte de hidrogênio, com alguma porcentagem de hélio.

Essa colossal nuvem começou a se contrair pela ação da força gravitacional até ficar com uma aparência que pode ser comparada à de dois ovos fritos colados entre si pelas claras. A região interna, densa e concentrada, onde se supõe existir o buraco negro, gira mais rapidamente em redor de si mesma, como se fosse um corpo sólido. Já no disco em volta do núcleo, as nuvens de gás giram mais devagar. É o mesmo princípio, em escala descomunal, que permitiu a criação de um sistema planetário ao redor do Sol (SUPERINTERESSANTE nº11, ano 2). Em torno desse conjunto, distribuídos numa imensa esfera chamada halo, estão os aglomerados globulares, formados por centenas de milhares de estrelas.

Desde Nicolau Copérnico ( 1473-1543) se sabe que a Terra não é o centro do sistema solar. Mas por muito tempo ainda se acreditou que o Sol estivesse no centro da Via Láctea. Em 1917, o astrônomo americano Harlow Shapley (1885-1972), considerado um dos fundadores da Cosmologia moderna, acabou com essa idéia. Ao medir as distâncias da Terra de alguns aglomerados globulares que giram perto do centro da Galáxia. Shapley pôs o sistema solar no seu devido lugar: nos subúrbios do disco da Via Láctea, longe do centro cerca de 30 mil anos-luz ou inimagináveis 285 quatrilhões de quilômetros. A Via Láctea, ela própria, faz parte do que se chama Grupo Local, uma família de umas vinte galáxias por assim dizer vizinhas, entre as quais as conhecidas Andrômeda e as Nuvens de Magalhães, onde foi avistada há dois anos a supernova 1987 A. O Grupo Local parece dirigir-se para uma superconcentração de galáxias que se imagina também estar sendo atraída por um aglomerado ainda maior e mais distante (SUPERINTERESSANTE nº9, ano 2).

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No interior da Via Láctea, há cerca de 10 bilhões de anos, começaram a aparecer os primeiros embriões de estrelas formados pela condenação de hidrogênio. No núcleo desses embriões, reações termonucleares transformaram o hidrogênio em outros elementos químicos: primeiro, hélio e depois carbono, que, por sua vez, provocou novas reações. Quando isso ocorreu, nasceram as primeiras estrelas e uma descomunal quantidade de energia foi liberada para o espaço sob a forma de luz e outras radiações eletromagnéticas. Dependendo de sua massa, depois de alguns bilhões de anos, muitas daquelas estrelas explodiram, expelindo o seu conteúdo para as nuvens de gás. Essas nuvens gigantescas são as incubadeiras de outras estrelas da Galáxia. Chamam-se nebulosas porque, vistas da Terra, parecem manchas esbranquiçadas, pois o seu interior é iluminado por uma infinidade de estrelas recém-nascidas.

Parte da matéria-prima que compôs o Sol e os planetas , bem como a combinação de átomos que tornou possível a vida na Terra, foi gerada no forno das primeiras gerações de estrelas da galáxia. “Somos todos feitos de pedacinhos de estrelas”, ousa o astrônomo Roberto Boczko, da Universidade de São Paulo. Ele explica que o espaço entre as estrelas é povoado por um arsenal de moléculas, formadas por átomos expelidos pelas próprias estrelas.

Depois de bilhões de anos, as moléculas se organizaram de forma cada vez mais complexa. Já foram identificadas cerca de cem moléculas diferentes, algumas simples, como carbono, oxigênio e nitrogênio, outras mais complexas, como o cianopentacetileno. “Cada tipo de molécula tem uma assinatura – uma freqüência única de rádio”, atesta o astrônomo Eugênio Scalise, do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), que há cinco anos pesquisa a existência de moléculas de água nas proximidades de estrelas muito jovens.

Quem olha para o céu numa noite límpida e sem luar percebe a Via Láctea como uma brilhante faixa leitosa. Daí o nome: aos antigos romanos parecia um caminho de leite. Se fosse possível retratá-la de cima, a Via Láctea pareceria uma imensa espiral girando como um cata-vento em torno do núcleo. Os braços dos cata-vento indicam concentrações de matéria e são formados por estrelas e nebulosas. Esses braços são interrompidos por nuvens de poeira. O espaço em volta, embora pareça vazio, possui hidrogênio e outros gases, de forma rarefeita. O caminho de leite dos romanos é a Via Láctea como que vista de perfil. A quantidade de estrelas que ela parece abrigar depende de onde se encontra e para onde olha o observador – fora da faixa branca os espaços são pouco povoados. Na faixa, se vêem tantas estrelas que parecem formar uma única massa luminosa.

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Com diâmetro de 100 mil anos-luz, que corresponde à metade da distância da Terra à Grande Nuvem de Magalhães, a Via Láctea tem cerca de 250 bilhões de estrelas (todas as 6 mil estrelas que se avistam a olho nu da Terra estão na Via Láctea). Mas uma boa parte da massa da Galáxia não se encontra nas estrelas, no gás ou nas moléculas interestelares até agora observadas. Ela pertence a alguma coisa que os astrônomos designam por matéria escura, por enquanto invisível, que ocupa um gordo naco de espaço, provavelmente na periferia do disco galáctico. “Não podemos ver a matéria escura, mas sabemos que existe pela influência gravitacional que exerce sobre os demais componentes observáveis da Galáxia”, explica Roberto Boczko. Em outras palavras, a Via Láctea não teria exatamente a forma que aparenta se não houvesse essa misteriosa matéria escura à sua volta.

“O cálculo da massa do Universo, que é um dos parâmetros usados para medir a sua evolução, deverá levar em conta a matéria escura”, esclarece Boczko. “Com esse dado será possível dizer se o Universo está mesmo em expansão, com as galáxias se afastando umas das outras como pontos na superfície de um balão de borracha que se enche.” Em teoria, a matéria escura pode ser qualquer coisa, de prótons a planetas. Alguns astrônomos acreditam que se trata de corpos conhecidos, como estrelas anãs pouco luminosas ou asteróides pequenos demais para serem visíveis.

Outros acham que a matéria escura é constituída de partículas subatômicas ainda desconhecidas. Seja qual for a verdade, sua eventual descoberta nesta ou em outras galáxias será com certeza um extraordinário avanço científico, comparável por exemplo à captação em 1965 da radiação de fundo remanescente do Big Bang, a explosão que deu origem à expansão do Universo. Se a Terra ficasse no núcleo da Via Láctea, as noites seriam muitíssimo mais estreladas. Enquanto a vizinha mais próxima do Sol, Alfa, da constelação de Centauro, está a 4 anos-luz de distância, o intervalo entre as estrelas do núcleo da Via Láctea é bem menor, quase igual ao dos planetas em relação ao Sol.

A distância entre a Terra e o Sol, por exemplo, é de 8 minutos-luz. Acredita-se que as estrelas do núcleo estão sendo atraídas para um ponto central, onde se supõe existir o buraco negro, revelado nas imagens captadas pelo VLA sob a orientação dos astrônomos do CalTech. Ultimamente, imagens ainda melhores do caroço da Via Láctea mostram que ali existe um aglomerado de fontes de calor. Pode ser que a massa combinada daqueles astros seja responsável pela atração exercida pelo núcleo – como se ali existisse não um, mas vários pequenos buracos negros. Para o astrônomo americano George Rieke, da Universidade do Arizona, “há evidências muito fortes de que as galáxias vizinhas, como Andrômeda, têm grandes buracos negros no centro”. Mas ele adverte: “Isso não significa que a Via Láctea tenha que seguir a mesma regra”. Uma das teorias correntes sobre os buracos negros afirma que eles seriam os motores que fornecem aos quasares a sua extraordinária capacidade de radiação.

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As emissões dos quasares, cujo nome significa fonte de rádio quase-estelar (do inglês quasi-stellar radio source), são captadas de galáxias distantes bilhões de anos-luz da Terra (SUPERINTERESSANTE nº4, ano 2). São testemunhas dos primeiros tempos do Universo, ou seja, o jardim de infância das galáxias atuais. Alguns astrônomos acreditam que à medida que os quasares se apagam as galáxias amadurecem e herdam os buracos negros em seu núcleo. Segundo o astrônomo inglês Donald Lynden-Bell, da Universidade de Cambridge, e um dos mais respeitados estudiosos da Via Láctea, “os núcleos das galáxias são os cemitérios dos quasares que vemos brilhando na aurora do Universo”.

Há menos de dez anos, os astrônomos descobriram que as nuvens de gás quente em volta do núcleo da Via Láctea formam um arco agitado por enormes raios, resultado da ação de poderosas forças magnéticas. O espetáculo deve ser impressionante: esses raios, uma espécie de relâmpagos cósmicos, se estendem às vezes por centenas de anos-luz de distância. “Ao que parece, as nuvens de gás quente devem conduzir eletricidade, fornecendo o alimento necessário a esses relâmpagos”, especula um dos seus descobridores, o americano Marc Morris, da Universidade da Califórnia. Esta, porém, não é a única manifestação de atividade magnética no núcleo da Via Láctea. Astrônomos japoneses captaram as emissões de ondas gigantes de matéria rarefeita que se elevam várias centenas de anos-luz acima do plano da Galáxia e podem ser comparadas aos turbilhões de plasma que agitam a superfície solar.

Como em tantos outros campos da ciência, o que já se aprendeu sobre a Via Láctea rivaliza com o que ainda se ignora a seu respeito. Pode ser que nos próximos anos se saiba explicar alguns grandes mistérios, como a natureza da matéria escura e a constituição do núcleo galáctico – que, em última análise, estão ligados à origem e evolução do Universo. Como reconhece o astrônomo Marc Morris, “quanto mais se aprende sobre a Via Láctea mais complicada ela fica. Mas também se pode dizer que fica mais interessante:”.

Para saber mais:

Novas descobertas sobre o nascimento das galáxias

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(SUPER número 4, ano 5)

AS IRMÃS DO L

Quando uma nuvem de gás nos braços em espiral da Via Láctea se contrai devido à própria gravidade, começam a ocorrer as reações termonucleares que fazem nascer as estrelas. Algumas, como as supergigantes vermelhas, são milhares de vezes mais brilhantes que o Sol; outras, como as anãs brancas, emitem uma luz tão fraca que equivale a 1 milionésimo da luminosidade solar. Essa espantosa diversidade tem uma explicação simples: trata-se apenas de uma questão de massa e idade. As estrelas mais pesadas produzem mais energia, sendo portanto mais brilhantes e quentes que as de massa menor. O Sol, por outro lado, deve esgotar seu combustível em 5 bilhões de anos. Então terá o tamanho de uma gigante vermelha, para depois murchar e virar uma anã branca. Sua massa será igual à que tem hoje, comprimida, numa esfera do tamanho da Terra.

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Se a maioria da estrelas morre pacificamente de velhice, algumas, sobretudo as de maior massa, têm um final violento. Quando a estrela chega ao fim de sua fase de super-gigante vermelha as reações nucleares próximas ao núcleo ficam tão fortes que tudo explode e a matéria que compõe o astro é projetada em fragmentos no espaço: é a supernova. Nessa explosão colossal, a supernova brilha brevemente como 1 bilhão de sóis. Depois da explosão, seu núcleo se contrai até que ela se transforme numa estrela de nêutrons ou pulsar. Ao girar feito um turbilhão, a estrela de nêutrons emite radiações rigorosamente regulares, como os lampejos de um farol.

Teoricamente, o centro de uma estrela se transformará numa anã branca ou num pulsar, conforme a sua massa. Mas, caso essa massa seja excepcionalmente grande, quando a estrela se contrair nada conseguirá impedir o seu colapso; e quanto maior o núcleo, e ao mesmo tempo mais concentrado, maior será também a força gravitacional. A estrela transforma-se então num buraco negro.

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