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A máquina que pode salvar -ou destruir- a internet

Invenção revolucionária pode dar aos EUA o poder de ler todas as comunicações do planeta. Ou acabar com a espionagem de uma vez por todas

Por Pedro Burgos e Bruno Garattoni
Atualizado em 13 mar 2019, 18h53 - Publicado em 7 out 2014, 22h00

“Deus não joga dados com o Universo.” Foi assim, com uma mistura de insatisfação e desprezo, que Albert Einstein definiu a física quântica. Nesse ramo da física, que estuda as interações entre partículas muito pequenas, fenômenos aparentemente absurdos podem acontecer. Uma coisa pode se teletransportar imediatamente de um lugar para outro – ou estar em vários lugares ao mesmo tempo. Einstein não gostava muito da ideia. Mas a física quântica provou-se uma realidade. E, agora, existe uma máquina baseada nela. Um supercomputador. E ele pode mudar para sempre o destino da internet.

É um caixotão preto, que lembra um pouco o monolito negro do filme 2001. Foi criado por uma empresa canadense chamada D-Wave. Custa US$ 15 milhões. É grande, ocupa uma sala de 10 metros quadrados. E seu cérebro, o chip quântico, só funciona se for mantido a 273 graus negativos – a apenas 0,015 grau do chamado “zero absoluto”, menor temperatura que pode existir no Universo. Existem apenas três desses no mundo. Um fica na Lockheed Martin, empresa que fornece caças e armas de alta tecnologia para o Exército dos EUA. O outro foi comprado pelo Google. E, segundo o ex-analista Edward Snowden, que tem vazado segredos do governo americano, o terceiro está na National Security Agency, a NSA, superagência de espionagem dos EUA.

O computador quântico é cheio de problemas. Quando o Google testou pela primeira vez o seu, em janeiro de 2014, a máquina rodou muito devagar – em algumas tarefas, ela foi tão lenta quanto um notebook comum. Uma decepção. Mas o D-Wave é bom numa coisa: quebrar senhas e violar códigos. Nisso, ele é hiper-rápido. Pelo menos 35 mil vezes mais veloz do que os supercomputadores tradicionais. Tudo graças à física quântica.

Um computador tradicional é como se fosse uma cidade, cheia de trilhas microscópicas por onde circulam elétrons. O computador tem 1 a 3 bilhões de microcircuitos, os transistores, que agem como pequenos guardas de trânsito – fazendo os elétrons pararem ou irem de um lado para outro. É assim, manobrando elétrons de lá para cá, que o computador consegue contar números, fazer cálculos matemáticos – e rodar todos os programas que você usa. Mas, no computador quântico, a coisa é diferente. Em vez de chips de silício, ele tem bobinas magnéticas de nióbio, um metal supercondutor. Por causa da física quântica, os elétrons podem estar em vários pontos dessas bobinas ao mesmo tempo. Consequência: a máquina consegue calcular várias respostas ao mesmo tempo. E essa habilidade é perfeita para fazer espionagem na internet.

Suponha que você vá mandar um e-mail para outra pessoa. No meio de vocês, grampeando a rede, há um espião, que quer xeretar a sua comunicação. Só que você protegeu a mensagem com criptografia (um método de codificação de dados) e senha. Como o espião não sabe qual é a senha, apela para a força bruta. Coloca um batalhão de computadores tentando todas as senhas possíveis, até que, por tentativa e erro, ele acaba acertando. Só que demora à beça. Se você usar a criptografia mais avançada que existe, o espião poderá levar até 1 quatrilhão de anos, mais que a idade do Universo (13,8 bilhões de anos), para encontrar a senha e conseguir decodificar a mensagem.

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O computador quântico não fica experimentando várias senhas, uma depois da outra, como um computador normal. Tenta várias de uma vez só. Ou seja: em tese daria para descobrir a senha – e ler a mensagem – muito mais depressa.

O D-Wave ainda é meio primitivo, e frágil. Só a tarefa de mantê-lo a 273 graus negativos (essa temperatura baixíssima é necessária porque só nela ocorre o fenômeno da supercondutividade do nióbio, necessária para que o computador funcione) já dá o maior trabalho. Mas, como tudo no mundo da tecnologia, ele vai evoluir e terá versões cada vez mais potentes. No futuro, um arsenal de computadores quânticos talvez seja suficiente para decodificar e espionar qualquer coisa que passe pela internet. É por isso que a NSA comprou um. Ela quer ter acesso irrestrito a toda a informação do planeta.

Conforme essa tecnologia for se desenvolvendo, os governos de outros países também terão acesso à computação quântica – e poderão monitorar tudo o que acontece na internet, num cenário distópico que lembra o clássico 1984, do escritor inglês George Orwell. Se isso acontecer, será o fim da rede como a conhecemos hoje. O computador quântico é a ferramenta dos sonhos dos espiões. Mas também é seu pior pesadelo.

super.abril.com.br
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O GOOGLE CONTRA-ATACA

No mundo maluco da física quântica, existe um fenômeno que se chama emaranhamento. É um processo bem complexo e difícil de entender, mas, grosso modo, é o seguinte. Você aponta um raio laser para um cristal e atira. As partículas que formam a luz do laser, os fótons, vão atravessar esse cristal, aos pares (uma irá para a direita, outra para a esquerda). Só que, por motivos ainda não totalmente compreendidos pela ciência, esses fótons estarão emaranhados. É como se eles virassem irmãos gêmeos. Tudo o que você fizer com um dos fótons (como rotacioná-lo, por exemplo) será reproduzido imediatamente no outro, via teletransporte. Parece inacreditável, mas é real – o teletransporte já foi demonstrado em fótons que estavam a 140 km de distância um do outro.

E isso pode ser usado para enviar e receber informações. Suponha que você queira mandar um e-mail para um amigo. Em vez de transmiti-lo via internet, você usa um computador quântico, na sua casa, para converter a mensagem em fótons. Quando você fizer isso, os seus fótons vão modificar os fótons do seu amigo, no computador quântico da casa dele. O e-mail será reproduzido imediatamente, sem passar pela internet [veja no infográfico]. O melhor é que, se alguém tentar interceptar a mensagem, o emaranhamento será desfeito – e o e-mail, destruído. Ou seja: a comunicação quântica é à prova de espiões. É por isso que o Google comprou um D-Wave. Oficialmente, a empresa diz que está estudando a tecnologia quântica. Mas, no futuro, ela poderia ser usada para blindar o Gmail – e evitar que os espiões do governo americano violem as mensagens.

O computador quântico não serve apenas para fazer espionagem e se defender dela. Ele também serve para resolver problemas que envolvam uma quantidade muito grande de dados e possibilidades. E há muitas questões assim no nosso dia a dia. Por exemplo: temos certeza de que o planeta está esquentando. Mas ainda não sabemos exatamente quais serão as consequências do aquecimento global – nem a data das próximas ondas de calor intenso, como a do início de 2014. Temos algumas teorias sobre como criar melhores remédios contra o câncer – mas testar cada um leva muitos anos. Estamos carecas de saber que o trânsito nas grandes cidades é caótico e que precisamos de transporte público melhor, mas a busca por soluções acontece em grande parte na base da tentativa e erro. Seria bom se descobríssemos de antemão como a mudança de uma linha de ônibus, por exemplo, poderia mudar o fluxo de uma avenida. Os computadores quânticos podem resolver coisas como essas bem mais depressa, porque conseguem considerar vários cenários ao mesmo tempo.

Mas, para que essas coisas aconteçam, o computador da D-Wave precisará ser alimentado com softwares. Só que ainda não existem programas capazes de explorar todo o potencial dele. Ainda não existe um “Windows quântico”, por assim dizer. O físico Geordia Rose, um dos criadores da máquina, faz um paralelo com o início da computação pessoal, na década de 1980. “As pessoas estavam dispostas a comprar computadores, mas não estava muito claro para que eles serviam.” Rose diz que é cedo para se exigir muito – afinal, o D-Wave é o primeiro computador quântico a chegar ao mercado -, mas acredita que, se tudo der certo, essa tecnologia “pode mudar o curso da história humana.”

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Isso se ele for realmente quântico. Para muitos cientistas, a máquina é uma fraude. Não é possível comprovar se ela realmente é quântica – se você tentar observar ou medir o comportamento das partículas dentro do D-Wave, elas perdem o estado quântico. Ou seja, a mágica se desfaz. “A empresa fica falando de física quântica, e isso parece legal. Mas será que realmente vai trazer alguma vantagem em relação aos computadores clássicos?”, questiona Scott Aaronson, professor de computação do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). A D-Wave também tem sido muito criticada por não explicar exatamente, em detalhes, como o seu computador funciona.
Talvez o D-Wave seja só marketing. Talvez o futuro que ele promete nunca se realize. Ou talvez essa tecnologia, como tantas outras que um dia foram alvo de ceticismo e escárnio, realmente possa transformar a internet. E nem nos lembremos de como era a vida digital antes da computação quântica.

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