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Arco-íris no zoológico

Joan Roughgarden, a bióloga transexual que estuda homossexualidade entre animais, diz que teoria de Charles Darwin não passa de podridão conceitual

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h51 - Publicado em 21 dez 2004, 22h00

Fábio Marton

A pesquisadora do departamento de Biologia da Universidade de Stanford, Estados Unidos, Joan Roughgarden, é certamente uma pessoa decidida. Enfrentando o preconceito, assumiu sua condição de transexual e agora quer mais: destruir os preconceitos da própria ciência.

Este ano lançou um livro atacando um dos maiores fundamentos do darwinismo clássico e da própria maneira como vemos a natureza. Seu Evo-lution’s Rainbow (“Evolução do Arco-Íris”, ainda não lançado no Brasil) afirma com todas as letras que a teoria da seleção sexual de Charles Darwin (1809-1882) é uma “podridão conceitual” e precisa ser abandonada. A teoria da seleção sexual é um segmento da teoria de evolução que explica como os machos e fêmeas de uma mesma espécie se relacionam. É aquela velha história das fêmeas “passivas” escolhendo os machos com “os melhores genes”, que as disputam com violência ou exibicionismo – touros ou pavões.

Para ela, a teoria traz uma visão deturpada pelo preconceito machista do século 19 e é cientificamente improvável. Segundo a autora, olhando mais de perto, muitas vezes os machos cooperam entre si e não há como explicar a homossexualidade entre animais e humanos usando a tese darwinista.

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Joan acusa a teoria clássica de Darwin de ser “contra a diversidade” e lança seu ataque embasada em cerca de 300 casos de sexualidade divergente entre os vertebrados, inclusive nossos parentes mais próximos, os grandes primatas. Macacas lésbicas, peixes que mudam de sexo, hienas fêmeas com falsos pênis que criam seus filhotes em conjunto – tudo isso, de acordo com Joan, não pode ser explicado pelo tradicional “fêmea passiva/macho ativo”.

O título do livro refere-se ao símbolo do movimento gay, com a palavra arco-íris empregada como sinônimo de diversidade, justamente o que ela diz estar sendo tolhido pelos pesquisadores. Joan falou com a Super por e-mail.

Até onde vai seu ataque a Darwin?

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Eu não estou atacando toda a teoria da evolução, mas apenas um componente chamado “seleção sexual”. Não há nada a melhorar na teoria de Darwin sobre a seleção natural e a ancestralidade comum dos animais – ainda que a herança tenha sido revista nos anos 20 com a genética mendeliana. Mas Darwin também apontou algumas características de sobrevivência específicas de um determinado contexto social. Ele desenvolveu sua teoria de seleção sexual para explicar essas características e imaginou que coisas como o rabo do pavão evoluíram para aumentar a chance de copulação. As fêmeas escolheriam os pavões com a melhor cauda, porque seria um sinal de seus melhores genes. Em vez disso, eu argumento que uma fêmea está muito mais preocupada com os benefícios que um macho pode fornecer para criar filhotes que os “bons genes” que um macho “atraente” possa ter. A “qualidade genética” de todos (ou quase todos) os machos é praticamente idêntica e a escolha do parceiro não tem a ver com essa suposta “superioridade genética”. Essas características servem mais para interações entre membros do mesmo sexo, como um ingresso de admissão dos machos na estrutura hierárquica da sociedade, e são praticamente irrelevantes nas relações entre macho e fêmea. Eu discordo que haja uma hierarquia genética entre os machos, assim a opção das fêmeas pelos “melhores genes” é um mito.

Por que as pesquisas sobre a homos-sexualidade entre os animais são insuficientes?

É difícil dizer por quê. Alguns cientistas duvidam dos próprios olhos, pensando que eles estejam vendo uma contradição da evolução. Eles, obviamente, estão testemunhando a contradição da teoria da seleção sexual, mas não a evolução como um todo. Outros ficam embaraçados com a idéia, são implicitamente homofóbicos, não aceitando que “seus” bichos sejam gays. Mas o motivo mais importante é que documentar a homossexualidade exige trabalho e estudos detalhados – é preciso identificar claramente machos e fêmeas, não dá para simplesmente anotar na pranchetinha: o de cima é macho, o de baixo é fêmea.

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Como seu livro foi recebido pelos outros cientistas? Você foi criticada por pesquisar em “causa própria”?

A reação a Evolution’s Rainbow foi aguda. Desde um sujeito tirando sarro de meu sobrenome (roughgarden significa “jardim rústico” em inglês) até uma sinopse extremamente positiva na revista American Scientist, comparando-me a Sócrates. Os que se sentiram ameaçados argumentaram que 300 espécies de vertebrados não são suficientes para tornar falsa a teoria da seleção sexual, mas ninguém disse quantas espécies seriam o bastante. Ninguém contestou meus argumentos. Eles enfiam a cabeça na terra, argumentam que estão certos e ponto. Isso não é nem um pouco científico, e estou muito desapontada. Quando declarei meu lado na disputa, muitos vieram para cima, dizendo que eu estava sendo tendenciosa. Mas eu pus os fatos na mesa, e o fato de eu própria ser gay não muda as evidências que levantei em meus estudos.

Como a homossexualidade pode ser uma característica evolucionariamente positiva na sociedade atual?

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Para pensar numa perspectiva evolucionária, é preciso bastante tempo. Vamos dizer, 100 gerações, 20 anos para cada. Então, daqui a 2 mil anos, pessoas com tendência homossexual poderiam participar de grupos familiares eficientes sobretudo no cuidado com crianças. Mesmo que não tenham filhos, tios gays também favorecem sua genética ao ajudar na criação de seus sobrinhos. Obviamente, gays e lésbicas também podem ter filhos, e sua união poderia ser favorável em organizações familiares que dedicam maior atenção às crianças. Daqui a 2 mil anos, quem sabe que estrutura familiar irá emergir?

A beleza humana também é uma característica de inclusão social?

Sim, o que é considerado ser bonito em um lugar e época se torna uma característica de inclusão social naquele momento. A decoração que homens e mulheres possuem serve tanto para a inclusão em grupos sociais – inclusive de um só sexo – quanto para a atração de parceiros. Não sei se isso é comparável à cauda do pavão, mas entre pessoas é sabido que mulheres e homens se vestem para atender as expectativas de outras pessoas do mesmo sexo. Nós só nos vestimos de forma “sexy” quando vamos para a balada.

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No fim do livro, você toca em outro ponto polêmico, atacando o “gene egoísta” e lançando o conceito do “gene genial”. O que é esse “novo” gene?

O “gene genial” é a antítese do “gene egoísta” (teoria elaborada pelo biólogo Richard Dawkins em 1976 pela qual os organismos seriam “máquinas de sobrevivência, veículos-robôs programados cegamente para preservar as moléculas egoístas conhecidas como genes”). Em vez de ver o corpo como uma composição de elementos competindo entre si pelos recursos (os tais “genes egoístas”), acredito que um organismo seja composto por peças que colaboram umas com as outras (os “genes geniais”), já que de outra forma o corpo morreria. É impressionante que um conceito estúpido como o “gene egoísta” tenha conseguido tantos adeptos.

Joan Roughgarden

• Tem 58 anos e nasceu em Patterson, Nova Jersey, como Jonathan Roughgarden

• Mora em São Francisco e leciona desde 1972 na Universidade de Stanford (Califórnia)

• Contando com Evolution’s Rainbow, tem seis livros e mais de 120 artigos publicados na área de evolução e ecologia

• Participou de sua primeira parada gay de São Francisco em 1997, um ano antes de sua cirurgia de mudança de sexo, em seu aniversário de 52 anos

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