Big Brother da dengue
Sistema que usa celulares e armadilhas com GPS para ajudar a mapear focos da doença já foi testado em mais de 50 cidades no Brasil
Melissa Schröder
No ano 2000, o Brasil teve uma grande epidemia de dengue, com mais de 170 mil casos. Entre eles, o de um garoto de 12 anos que morava em Belo Horizonte. O menino pegou dengue hemorrágica, forma mais grave da doença, e foi parar no hospital – onde passou cinco dias sangrando, vomitando e correndo risco de morte. Ele se curou e teve alta. Mas, para seu pai, o biólogo Álvaro Eiras, da UFMG, a história não acabou ali. “Eu senti na pele. Imaginei como é o sentimento de algum pai que tenha perdido seu único filho por causa da doença”. E Eiras jurou inventar um sistema para enfrentar o Aedes aegypti, transmissor da dengue.
Primeiro veio a armadilha. Ela parece um balde e é colocada no jardim ou em partes da casa onde o mosquito costuma ficar. Dentro, tem uma pastilha que emite um odor sintético – é uma imitação do cheiro de gramíneas, plantas que atraem o Aedes. As fêmeas do mosquito vão até a armadilha para colocar seus ovos – e, quando fazem isso, ficam com as patas grudadas e não conseguem mais sair. A armadilha também tem uma camada de inseticida, que mata os ovos do mosquito. Álvaro percebeu que sua invenção era eficaz, e a batizou de MosquiTRAP – armadilha para mosquitos, em inglês. Era a única no mundo desenvolvida especialmente para pegar o Aedes aegypti.
A segunda ideia surgiu entre 2002 e 2003, quando Álvaro estava num show de blues em um bar em Santos, São Paulo. Ele reparou que a garçonete anotava os pedidos dos clientes usando um palmtop, que enviava as informações em tempo real para a cozinha. Por que não usar isso contra o mosquito? Nascia o sistema de Monitoramento Inteligente da Dengue (MI-Dengue). A tecnologia foi aperfeiçoada durante dois anos até ficar pronta. Sua estreia foi na cidade de Congonhas, a 70 km de Belo Horizonte. Mais de cem armadilhas equipadas com GPS foram espalhadas por casas, parques e prédios. O GPS serve para que os agentes de saúde pública encontrem as armadilhas – e também para criar um mapa da dengue. Uma vez por semana, agentes munidos de smartphones visitaram as armadilhas de Congonhas para contar quantos mosquitos elas tinham capturado. Os números foram enviados via celular a um sistema central, onde um software computou tudo e produziu um mapa mostrando as áreas com maior e menor incidência de Aedes. Em seguida, os mosquitos foram recolhidos e submetidos a testes em laboratório para saber se estavam ou não infectados com o vírus causador da dengue. Todas essas informações foram colocadas num grande banco de dados – que funciona como uma espécie de Big Brother da dengue, permitindo acompanhar toda a movimentação da doença. “O sistema mostra onde estão os mosquitos infectados, então os agentes de saúde vão até lá e aplicam inseticidas naquela região”, explica Eiras. Além de permitir uma resposta mais rápida e precisa, isso evita o uso excessivo de veneno. “Os agentes vão exatamente onde o problema está, não precisam ficar aplicando inseticida onde não tem mosquito infectado”. Segundo seu criador, o sistema é relativamente barato. “Custa menos de R$ 1 por ano por habitante. Menos do que um litro de leite”, diz.
O MI-Dengue, cujo desenvolvimento consumiu R$ 4 milhões de recursos públicos, já foi instalado em mais de 50 cidades do País. No início de 2013, um estudo publicado no jornal científico Infection Emerging Diseases estimou seus resultados. Segundo a pesquisa, a tecnologia teria evitado 27 mil casos de dengue de 2009 a 2011 em 21 cidades de Minas Gerais. Ela também já foi usada em Portugal, Singapura, Austrália e Colômbia e chamou a atenção de Bill Gates, criador da Microsoft, que em 2006 entregou um prêmio de Inovação Tecnológica em Benefício da Humanidade para Eiras, numa cerimônia realizada no Vale do Silício. Nesse mesmo ano, Gates se afastou da Microsoft para financiar pesquisas na área de saúde – entre elas, o desenvolvimento de um sistema que usa raios laser para matar mosquitos.
A dengue é uma doença global, que infecta de 50 a 100 milhões de pessoas por ano, segundo dados da Organização Mundial da Saúde. Existem cientistas tentando criar vacinas – mas, mesmo se derem certo, elas devem demorar pelo menos cinco anos para chegar à população. Além disso, é pouco provável que o Aedes aegypti seja erradicado (pois ele existe em enorme quantidade na natureza). O mosquito vai continuar existindo – e poderá criar novos problemas. “Mesmo que se encontre uma vacina para a dengue, outras doenças podem aparecer tendo o mesmo inseto como transmissor”, diz Eiras. O único jeito de lidar com a ameaça é mantê-la sob vigilância.
Sistema mistura química e eletrônica para mapear a doença
1. As fêmeas do Aedes aegypti são atraídas por um odor sintético para a MosquiTRAP. Lá dentro, acabam presas em um cartão adesivo e morrem.
2. Um agente de saúde conta os mosquitos presos e envia o número via celular. Depois, coleta os insetos e envia para um laboratório.
3. O laboratório detecta a presença ou não do vírus da dengue nos mosquitos coletados. Essa informação também é inserida no sistema.
4. Um software analisa os números e produz mapas da dengue – que mostram onde a doença precisa ser combatida.