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Cientistas criam DNA sintético com 4 novas letras

A expectativa é que o novo modelo ajude a mapear possíveis novas formas de vida, diferentes do que prevê o material genético tradicional.

Por Guilherme Eler
Atualizado em 27 fev 2019, 12h03 - Publicado em 26 fev 2019, 16h47

O DNA, receita de bolo que determina cada característica de um ser vivo, é formado por quatro moléculas chamadas bases nitrogenadas. Adenina, citosina, guanina, e timina – mais comumente referidas como A, T, C e G – são os tijolinhos mais elementares da vida. Quando combinados em posições específicas, eles dão origem a tijolos maiores, os aminoácidos. Longas cadeias de aminoácidos, por sua vez, formam diferentes proteínas. Estas, por fim, são estruturas-base essenciais a todos os seres vivos, e regulam cada um de seus aspectos vitais – desde o metabolismo e a aparência até características da personalidade, por exemplo.

Agora, um grupo de cientistas dos Estados Unidos foi capaz de dobrar o número de blocos fundamentais que existem no DNA – criando, pela primeira vez, um código genético com oito letras. Além das tradicionais A, T, C e G, o novo tipo conta também com outras quatro bases sintéticas, batizadas P, B, Z e S. De acordo com os pesquisadores, elas são capazes de guardar informação e passá-la à frente, assim como o esquema convencional de DNA faz.

O grupo que assina a descoberta já havia tido sucesso inserindo duas novas letras no DNA em 2011. No estudo mais recente, publicado na revista Science, os pesquisadores descrevem como conseguiram fazer com que as oito bases de DNA (4 naturais e 4 sintéticas) interagissem entre si. Assim como adenina se liga com timina e citosina a guanina, em um formato de dupla hélice, S se liga com B e P a Z.

As quatro bases criadas em laboratório têm o mesmo tamanho e formato que as originais e, independentemente da forma como são combinadas, conseguem manter a estrutura de dupla hélice tradicional. Isso foi comprovado a partir da técnica de difração de raios-X, que analisou o comportamento de três diferentes sequências de DNA “hachimoji”. A ideia de nome é fruto da combinação, em japonês, das palavras “oito” e “letras”.

Como explica a revista científica Nature neste artigo, a principal diferença entre as bases naturais e as sintéticas é que, enquanto as primeiras usam ligações de hidrogênio para se associar a uma outra, as feitas em laboratório se ligam a partir de moléculas hidrofóbicas – que têm aversão a água. Por causa dessa característica, elas conseguem se posicionar de forma intercalada às bases naturais. Quando são colocadas em sequência, no entanto, a estrutura do DNA se rompe.

De acordo com os pesquisadores, o modelo satisfaz a maioria requisitos essenciais para o funcionamento do código genético. Entre esses requisitos está a habilidade de armazenar informação e passá-la à frente, convertendo DNA em RNA, a molécula que regula a expressão dos genes. Esse processo é chave na tarefa de traduzir a receita de bolo contida no DNA para as células, produzindo as proteínas – as bases para a vida da forma como conhecemos.

A parte que falta, no entanto, é fundamental: conseguir que o DNA hachimoji performar dessa exata maneira no interior de um organismo vivo, e não somente dentro de um tubo de ensaio. Dessa forma, o DNA pode ser replicado e sobreviver a divisões celulares dentro de um organismo – o que garante que ele seja exatamente igual em qualquer célula do corpo.

A criação de uma forma alternativa e funcional de DNA é importante por questionar o modelo atual de material genético. Se é possível formar outra química da vida diferente da nossa, é provável que, em algum outro lugar do universo, alguma outra forma de vida obedeça lógica parecida. Ou seja, pode existir uma forma de vida que também seja baseada em DNA, nutrindo semelhanças com as formas de vida daqui da Terra – e alcançando sucesso ao colonizar dois mundos diferentes.

“A busca por outras formas de vida é uma meta da Nasa que vem cada vez mais orientando nossas missões planetárias. Esse novo trabalho irá nos ajudar a desenvolver os instrumentos e experimentos mais adequados para expandir os cenários que analisamos hoje”, disse Lori Glaze, diretor da Divisão de Ciências Planetárias da Nasa, em um comunicado. A Nasa foi uma das instituições que contribuíram para o financiamento da pesquisa. “Uma maneira de imaginar esses tipos de estruturas alienígenas é tentar recriar algo alien aqui mesmo na Terra”, completa a nota da Nasa.

Para que iniciativas do gênero tenham sucesso, é preciso, primeiro, que o novo modelo passe em testes feitos com culturas de células vivas, experimentos que os cientistas pretendem conduzir em breve. Com mais bloquinhos para construir o material genético dos seres vivos, pode ser possível criar novas proteínas, com propriedades diferentes das atuais. Que novas funções elas poderão permitir ao seres vivos e até onde podem modificar o que entendemos como “vida”, só novos estudos nesse campo poderão dizer.

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