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Cientistas descobrem “oxigênio escuro”, produzido no fundo do mar sem fotossíntese

Descoberta de rochas que produzem o gás pode ter implicações para o entendimento da história da Terra, na mineração marítima e nas mudanças climáticas.

Por Bela Lobato
Atualizado em 25 jul 2024, 15h00 - Publicado em 24 jul 2024, 16h51

Imagine ser um pesquisador e fazer uma descoberta tão absurda que te faz passar anos duvidando da calibragem dos equipamentos e da precisão das suas conclusões. Foi o que aconteceu com a equipe do professor Andrew Sweetman, que descobriu o “oxigênio escuro”, que é produzido por minerais no fundo do mar.

Já faz muito tempo que se sabe que 98% do oxigênio da atmosfera é produzido nos oceanos. Entretanto, a única forma conhecida era através da fotossíntese realizada por algas e fitoplânctons. Como a fotossíntese depende de luz, as explorações das profundezas do oceano mostravam que nas regiões mais escuras a concentração de oxigênio dissolvido na água caía bruscamente.

Mas não foi isso que Sweetman encontrou enquanto conduzia pesquisas no leito profundo próximo ao mar do México para avaliar as condições de mineração profunda. Seus achados foram publicados nesta segunda (22) na revista Nature Geoscience.

No experimento, ele desceu uma pequena caixa a 4 quilômetros de profundidade e coletou água, solo e microorganismos. Os cientistas monitoraram esse ambiente fechado, medindo conforme o oxigênio vai se esgotando ao ser consumido pelos microorganismos. 

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No entanto, Sweetman percebeu que, em vez de descer, a concentração de oxigênio subia em algumas caixas. A medição não parecia fazer nenhum sentido, já que não havia luz para a fotossíntese. 

Em entrevista à CNN, ele contou: “Eu basicamente disse aos meus alunos, apenas coloquem os sensores de volta na caixa. Vamos enviá-los de volta ao fabricante e testá-los porque eles estão nos dando apenas besteira”, disse Sweetman. “E todas as vezes o fabricante respondia: ‘Eles estão funcionando. Estão calibrados.’”

Foram dez anos recebendo esse tipo de resultado até perceber que sua equipe devia estar deixando passar algo muito importante. Outras medições e coletas comprovaram: o oxigênio estava sendo produzido pela corrente elétrica que passava entre pequenos nódulos polimetálicos, que Sweetman chamou de “bateria em pedra”.

Do tamanho de batatas, essas “pedras” levam milhões de anos para serem formadas e são compostas principalmente de óxidos de ferro e manganês. Mas as grandes mineradoras estão de olho nesses nódulos porque eles também podem conter metais mais preciosos, como lítio, cobalto e cobre, todos necessários para a fabricação de baterias para eletrônicos.

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Rocha com nódulos metálicos na superfície.
(Camille Bridgewater/Reprodução)

Sweetman estava em um hotel em São Paulo, assistindo um documentário sobre mineração no fundo do mar quando teve a sacada que matou a charada: “Havia alguém dizendo: ‘Isso é uma bateria em uma rocha’”, lembrou ele. “Ao ver isso, de repente pensei: será que pode ser eletroquímico? Essas coisas que eles querem minerar para fazer baterias, poderiam ser elas mesmas baterias?”, ele contou à CNN.

E é exatamente isso. Você já viu o que ocorre quando uma pilha cai na água salgada? Não tente em casa, nós te contamos: ela começa a borbulhar, porque a corrente elétrica separa o hidrogênio e o oxigênio. 

Em laboratório, Sweetman e sua equipe observaram que algo análogo ocorre entre os nódulos do fundo do mar. A composição heterogênea dos nódulos produz uma diferença de potencial elétrico que gera uma redistribuição de elétrons – ou seja, corrente elétrica. 

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A corrente produzida pelos nódulos era de 1,5V, semelhante a de uma pilha AA.

O que isso significa para a história da Terra

Se comprovada, a descoberta pode mudar a forma com que vemos a história da formação de vida na Terra.

“Na minha opinião, essa é uma das descobertas mais empolgantes da ciência oceânica nos últimos tempos. A descoberta da produção de oxigênio por um processo não fotossintético nos obriga a repensar como a evolução da vida complexa no planeta pode ter se originado”, diz Nicholas Owens, diretor da Associação Escocesa de Ciências Marinhas (SAMS), que estava envolvida no estudo, em nota oficial

“A visão convencional é de que o oxigênio foi produzido pela primeira vez há cerca de três bilhões de anos por micróbios antigos chamados cianobactérias e que, depois disso, houve um desenvolvimento gradual de vida complexa”, continua. “A possibilidade de ter havido uma fonte alternativa exige que repensemos radicalmente a questão.”  

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“Essa descoberta mostrou que talvez houvesse outra fonte de oxigênio há muito tempo e a vida que respira oxigênio poderia ter persistido antes do surgimento da fotossíntese – e se isso está acontecendo em nosso planeta, poderia estar acontecendo em outros planetas também”, afirma Sweetman em um vídeo da SAMS.

Mineração no fundo do mar

A motivação para o estudo da equipe de Sweetman era avaliar os possíveis impactos da mineração dos nódulos polimetálicos na região chamada Zona Clarion-Clipperton (ZCC) e que se estende por 4,5 milhões de quilômetros quadrados entre o Havaí e o México e não está sob jurisdição de nenhum país.

O Serviço Geológico dos EUA estima que existam 21,1 bilhões de toneladas de nódulos polimetálicos na ZCC, contendo mais metais essenciais do que as reservas terrestres mundiais combinadas. Segundo Franz Geiger, coautor do estudo, a região tem recursos suficientes para atender à demanda global de energia por décadas, assim como uma biodiversidade maior do que as mais diversas florestas tropicais.

De acordo com a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, quem regulamenta a exploração na área é a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos. Atualmente, 17 empresas internacionais têm autorização para mineração de nódulos polimetálicos na ZCC.

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Os achados sobre o oxigênio escuro reforçam as preocupações de especialistas sobre os riscos da mineração no fundo do mar. Críticos afirmam que o processo pode danificar irreversivelmente o ambiente subaquático que hoje está praticamente intocado. 

São muitos os impactos: o desequilíbrio causado para os organismos que vivem nos nódulos, a perturbação causada pelo ruído e pelos resíduos lançados pelos equipamentos de mineração. Também é possível que o processo desequilibre a forma como o carbono é naturalmente armazenado no oceano, contribuindo para a crise climática.

Agora, soma-se a essa lista a preocupação sobre o papel desses nódulos na produção de oxigênio para os ecossistemas marinhos.

Vários países, incluindo o Reino Unido e a França, expressaram cautela, apoiando uma moratória ou proibição da mineração em águas profundas para proteger os ecossistemas marinhos e conservar a biodiversidade. No início deste mês, o Havaí também proibiu a mineração em águas profundas em seu estado.

De acordo com Geiger, é preciso prestar atenção ao que ensinam as experiências passadas. “Em 2016 e 2017, biólogos marinhos visitaram locais que foram minerados na década de 1980 e descobriram que nem mesmo as bactérias haviam se recuperado nas áreas mineradas”, disse Geiger. “Nas regiões não mineradas, entretanto, a vida marinha floresceu. Ainda não se sabe por que essas ‘zonas mortas’ persistem por décadas. No entanto, isso coloca um grande asterisco nas estratégias de mineração do fundo do mar.”

Mais de 800 cientistas marinhos de 44 países assinaram uma petição destacando os riscos ambientais e pedindo uma pausa na atividade de mineração. Há também uma carta aberta, liderada por mais de cem organizações não governamentais mundiais, para que civis possam pressionar a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos a impedir a mineração no fundo do mar até que se tenham mais informações sobre os impactos ambientais da atividade.

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