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Cientistas estão envenenando crocodilos australianos para salvar a espécie

Nova técnica impede que crocodilos-de-água-doce comam sapos-cururus, espécie invasora e tóxica, evitando assim a extinção dos répteis.

Por Manuela Mourão
Atualizado em 23 ago 2024, 10h08 - Publicado em 18 ago 2024, 12h00

Pesquisadores da Universidade Macquarie, na Austrália, estão testando um novo – e inusitado – método para proteger os crocodilos-de-água-doce do país: intoxica-los. A técnica quer proteger os répteis de um inimigo igualmente inusitado, os sapos-cururus, espécie nativa da América do Sul que ameaça o ecossistema australiano.

O projeto, em resumo, quer impedir que os predadores comam os anfíbios, que são venenosos. Em um estudo publicado na revista Proceedings of the Royal Society B, a equipe descreve a técnica utilizada para diminuir o número de mortes dos crocodilos.

A estratégia se baseia em um conceito da ecologia comportamental conhecido como aversão condicionada ao sabor (CTA, na sigla em inglês). Essa abordagem usa substâncias químicas que causam náusea e mau estar para ensinar os crocodilos a associarem os sapos-cururus a uma experiência desagradável de intoxicação alimentar, levando-os a evitar o consumo desses anfíbios venenosos no futuro.

Os crocodilos são mais do que apenas assustadores predadores australianos. Por estarem no topo da cadeia alimentar, eles desempenham um papel crucial na manutenção do equilíbrio ecológico, regulando as populações de outras espécies aquáticas.

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Além disso, a perda desses animais não afeta apenas o ecossistema, mas também a identidade cultural das comunidades locais, visto que os crocodilos são profundamente enraizados na cultura dos povos indígenas australianos.

A projeto é liderado por Georgia Ward-Fear, da Escola de Ciências Naturais da Universidade Macquarie, em colaboração com Rick Shine, especialista em ecologia comportamental. Eles documentaram o sucesso desse método inovador ao lado de guardas indígenas da etnia Bunuba, incluindo o coordenador Paul Bin Busu e os guardas Kristen Andrews e Karl Bin Busu, além do auxílio do Departamento de Biodiversidade, Conservação e Atrações (DBCA).

O problema dos sapos

Introduzidos na Austrália em 1930, os sapos-cururus são originalmente da América do Sul, mas foram exportados com o objetivo de serem usados como controle de pragas em plantações de cana-de-açúcar. No entanto, a introdução destes anfíbios teve consequências devastadoras para a fauna local. 

Sem predadores naturais na Oceania, os sapos se multiplicaram rapidamente, se espalhando pelo país e ameaçando várias espécies nativas, incluindo lagartos, cobras e os próprios crocodilos-de-água-doce. 

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Altamente venenosos, os sapos-cururu possuem glândulas que liberam uma toxina mortal quando ameaçados, e essa substância é capaz de matar um animal que tente se alimentar deles. Para as espécies nativas da Austrália, que não evoluíram juntos com esses anfíbios e não possuem nenhuma resistência, o veneno é extremamente perigoso. O impacto da invasão é sentido amplamente nos ecossistemas australianos, já que a perda de predadores do topo da pirâmide desestabiliza cadeias alimentares inteiras. 

O novo estudo ocorreu principalmente entre maio e outubro, durante a estação de seca na região tropical norte da Austrália. Esse período é especialmente crítico para os crocodilos porque os sistemas fluviais, que normalmente oferecem uma abundância de presas, se reduzem a uma série de poças isoladas.

Com menos alimento disponível, os crocodilos ficam mais propensos a consumir qualquer coisa que encontrem, aumentando o risco de entrarem em contato com os sapos-cururus, que utilizam esses corpos d’água para se reidratar.

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“Algumas populações de crocodilos-de-água-doce já tiveram um declínio de mais de 70% desde que os sapos-cururu chegaram na área”, afirma Ward-Fear.

A solução

Entre 2019 e 2022, a equipe de pesquisa trabalhou para implementar a técnica de aversão condicionada ao sabor na região dos desfiladeiros de Kimberley, um local remoto no noroeste da Austrália.

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A estratégia envolveu a coleta de centenas de sapos-cururus pelos guardas Bunuba e pelo DBCA, que removeram as partes venenosas e injetaram os sapos com químicos fortes o suficiente para causar náuseas nos crocodilos, mas não o suficiente para matá-los. Estações de iscas foram montadas ao longo das margens dos rios, oferecendo os sapos modificados para os bichos, bem como frango.

Os resultados começaram a aparecer rapidamente. “Nos primeiros dias, notamos que os crocodilos estavam consumindo os sapos, mas depois eles começaram a evitar as iscas de sapo e preferir as de frango”, relata Paul Bin Busu. Esse comportamento sugeriu que os crocodilos estavam aprendendo a associar o consumo dos sapos à sensação de náusea, demonstrando a eficácia da técnica de CTA.

A equipe de pesquisa utilizou uma combinação de observações noturnas, conhecidas como “spotlight”, e câmeras de vigilância para monitorar as populações de crocodilo e os sapos nas áreas de estudo. Os dados coletados mostraram que, nas regiões onde a técnica de aversão condicionada ao sabor foi aplicada, as taxas de mortalidade dos crocodilos foram drasticamente reduzidas em comparação com os locais que não tinham iscas.

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“Em áreas onde os sapos-cururus estavam invadindo pela primeira vez, conseguimos evitar completamente as mortes de crocodilos”, explica Ward-Fear. “Nas regiões onde os sapos já estavam presentes há alguns anos, conseguimos reduzir as mortes em 95%, e os efeitos se mantiveram pelos anos seguintes.” Os números demonstram que a abordagem pode ser uma solução não só em áreas recém invadidas, mas também onde os sapos já estão inseridos.

“Esses resultados são emocionantes porque fornecem às autoridades ferramentas que podem ser usadas tanto para combater invasão quanto para se defender dela”, afirma Sara McAllister, do DBCA.

O sucesso dessa técnica também abre portas para sua aplicação em outras regiões e com outras espécies. A equipe de Ward-Fear e Shine já utilizou uma abordagem semelhante para proteger lagartos monitores da ameaça dos sapos-cururus, com resultados igualmente promissores.

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