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Como a vida de Nicolau Copérnico pode inspirar a sua

"O corpo maciço da Terra de fato encolhe à insignificância em comparação ao tamanho dos céus"

Por Salvador Nogueira
Atualizado em 18 fev 2020, 17h24 - Publicado em 7 abr 2017, 19h58

Há muitas qualidades admiráveis no pensador Copérnico, mas se existe uma que se sobressai e que vale a pena termos em mente para tudo que fazemos é a da busca incansável por uma satisfação estética.

Note que não estou falando de estética no sentido vulgar, da beleza física, da busca obsessiva por atender a certos padrões ditados pela moda (muitas vezes como imposição cultural) e que mudam de ano para ano com a mesma facilidade com que trocamos de blusa. Menciono aqui uma noção mais abrangente e sutil de estética, que sugere em essência que existe uma graça, uma qualidade inefável, que é inerente à natureza.

A teoria heliocêntrica de Copérnico tinha mais ou menos o mesmo nível de precisão que os mecanismos ptolomaicos para predizer os movimentos celestes. Aliás, algo que pouca gente sabe é que o polonês também lançou não de epiciclos – as órbitas que seguem órbitas – para tentar fazer tudo se encaixar. O uso copernicano do recurso foi mais parcimonioso, mas não necessariamente mais funcional – no fim das contas, o nível de precisão não era muito diferente.

Ainda assim, e a despeito de quaisquer dogmas que pudessem imperar na época, Copérnico enxergava um valor inerente à simplificação que seu modelo heliocêntrico oferecia. Por quê? Era o senso estético falando mais alto – a noção de que as coisas verdadeiras são, em algum nível apreciável racionalmente, mais bonitas que as falsas. Ao mostrar que o heliocentrismo era uma resposta ainda imperfeita, mas mais “bonita”, por assim dizer, para os movimentos celestes, Copérnico reconhecia a importância do cultivo da simplicidade e das respostas mais prováveis na ciência.

Sem dúvida, o astrônomo polonês só pôde cristalizar essa noção por sua formação multidisciplinar. A capacidade de intercalar interesses políticos, sociais, religiosos, científicos, filosóficos e artísticos numa visão humanista e integrada do cosmos foi o que impulsionou Copérnico a dar seu grande salto intelectual.

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E não podemos subestimar o efeito que sua ousadia teve sobre o futuro da ciência e da civilização, ainda que suas ações trepidantes diante de suas convicções expusessem toda a sua humanidade. A busca por um Universo elegante – essa noção implícita de uma estética cósmica – é uma que guia até hoje o avanço da física, diante da encruzilhada a que chegamos em meados do século 20.

A física moderna se assenta sobre dois pilares distintos: a teoria da relatividade geral, que descreve a ação da gravidade, perceptível apenas nas escalas cósmicas, e a mecânica quântica, que descreve o mundo das partículas, governado por um conjunto completamente diverso de leis. Há casos em que as duas teorias precisam trabalhar ao mesmo tempo – em fenômenos que vão desde o que acontece no interior de buracos negros até o que pode ter dado origem ao nosso próprio Universo –, e nesses casos descobrimos que os dois conjuntos de equações não dialogam entre si. É impossível aplicar as duas teorias simultaneamente! Se partirmos de uma premissa estética, não podemos aceitar essa situação. E os físicos de fato não aceitam. Eles buscam então uma teoria maior, que possa talvez abarcar os dois pilares ao mesmo tempo, e assim dissipar as contradições. É, ao fim, a mesma busca pela elegância nos alicerces do Universo que colocou Copérnico em sua jornada, 5 séculos atrás.

Se há algo a aprender com o velho astrônomo, é que a busca por verdades maiores, guiadas pela racionalidade, por uma ambição de simplicidade e por um respeito à estética, é uma empreitada inerentemente justificável. Mesmo que, no caminho, tenhamos de aceitar que o nosso próprio lugar no Universo é muito menor do que sugeririam outras visões mais reconfortantes. É o contraste entre a pequenez e a grandeza do homem: a pequenez diante de um cosmos muito mais vasto, em que o nosso planeta não é mais que um grão de areia, e a grandeza de saber que o intelecto humano pode abarcar e extrair uma medida de compreensão – e de apreciação – acerca do vastíssimo, quiçá do infinito.

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