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Detector de ondas gravitacionais dribla Princípio da Incerteza quântico

Uma nova tecnologia de supressão de ruído em escala subatômica aumentará em 60% o poder de detecção de colisões entre buracos negros pelo observatório Ligo.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
25 out 2023, 17h55

O observatório astronômico LIGO, que detecta colisões cataclísmicas entre corpos celestes massivos como buracos negros e estrelas de nêutrons, é uma engenhoca muito sensível: percebe distorções no tecido do espaço-tempo que são dez mil trilhões de vezes menores que um fio de cabelo.

Essa resolução soa positivamente ridícula para um mero mortal. Mas acredite, há espaço para melhorar. E a notícia é justamente que melhorou. Um grupo de físicos do próprio Ligo, do MIT, do Instituto de Tecnologia da Califórnia e de outras instituições americanas cabeçudas deu um jeito de tornar o observatório ainda mais sensível.

O novo método de medição, explicado neste artigo científico, dribla a incerteza inerente às equações da mecânica quântica, que regem o mundo microscópico e abre as portas para observar eventos astronômicos cataclísmicos ainda mais tênues e distantes do que já possível hoje. Estima-se que 60% mais colisões serão detectadas de agora em diante.

Esse é o resumo da notícia. Mas, sendo justo, essa versão resumida não permite entender grande coisa. Vamos entender o que física quântica, lasers e buracos negros têm a ver, uma coisa de cada vez.

O que é o Ligo?

 

Ligo é a sigla em inglês para Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro Laser. Para entender ondas gravitacionais, é preciso primeiro compreender de fato o que é a gravidade. Para isso, vou preguiçosamente citar eu mesmo em um texto mais antigo da Super:

Se você deitar em uma cama coberta de bolinhas de gude, todas vão rolar na sua direção. Afinal, quanto mais pesado é um objeto, mais o colchão afunda. O Universo é como um colchão, só que feito de um tecido diferente: três dimensões de espaço e uma de tempo. E o Sol é você: algo tão massivo que afunda bem esse tecido. É por isso que as bolinhas de gude – como a Terra ou Júpiter – ficam presas em volta dele.

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Ondas gravitacionais, por sua vez, ocorrem quando um fenômeno cósmico é tão violento que faz a superfície do colchão subir e descer periodicamente, como o mar.

É exatamente o que uma colisão de estrelas de nêutrons provoca. Elas nascem quando uma estrela até 30 vezes maior que o Sol morre e ejeta suas camadas externas. Aí o núcleo – a única coisa que sobra – é compactado até ficar com uns 30 quilômetros de diâmetro.

Um pedaço de estrela de nêutrons do tamanho de uma caixa de fósforos pesa 2,1 · 1013 kg – o mesmo que 4 bilhões de elefantes africanos. Ou seja: quando duas dessas trombam, o negócio fica feio.

Essas oscilações no próprio tecido do Universo se propagam por longas distâncias, mas perdem energia com o passar do tempo. Afinal, quanto mais longe você está do palco, mais baixo é o som.

As colisões que o Ligo costuma detectar ocorreram a bilhões de anos-luz da Terra, e suas oscilações já estão imperceptíveis quando nos alcançam, na casa dos trilionésimos de metro que mencionamos lá atrás (ainda bem: daria um friozinho na barriga ter seu corpo esticado e puxado pelo fenômeno).

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Imperceptíveis para um ser humano, claro. O Ligo consegue. O observatório, na verdade, são dois observatórios, localizados em extremidades opostas do território dos EUA (essa redundância é importante para evitar falsos positivos: se um caminhão na estrada gera uma detecção em um dos Ligos, o outro avisa que não é nada).

Cada um deles consiste em dois raios laser de 4 km de comprimento, posicionados na forma da letra “L”. Vista de cima, a infraestrutura é impressionante:

LIGO_Hanford_aerial_05
(Ligo Laboratory/Domínio Público)

Esses equipamentos com dois braços se chamam interferômetros, existem em vários tamanhos e são usados pelos físicos há mais de cem anos, em várias aplicações. O Ligo (e sua contraparte europeia, o Virgo) são os maiores e mais sensíveis interferômetros já construídos.

No prédio azul e branco, há uma série de engenhocas high tech responsáveis por gerar um raio laser e então dividi-lo ao meio usando um espelho especial. Metade da luz vai para cada um dos braços. No final dos braços, há espelhos que a refletem de volta para a origem.

O comprimento dos braços e os demais parâmetros do sistema são calculados de modo que, quando os dois raios voltam e se reencontram no prédio, eles se cancelem. Os picos nas ondas eletromagnéticas de um laser se encontram com vales nas ondas do outro laser, e o resultado é a escuridão.

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Quando uma onda gravitacional está passando pela Terra, ela distorce o espaço-tempo. Como já dissemos, não é algo perceptível pelos sentidos humanos. Mas é suficiente para alterar o comprimento dos braços do Ligo em alguns trilionésimos de metro, o que faz com que os lasers voltem ao detector fora de fase um com o outro.

Nessa situação, eles não se cancelam e bingo: faz-se a luz. O GIF abaixo, feito pela Nasa, ilustra bem os parágrafos acima.

Detector de ondas gravitacionais dribla Princípio da Incerteza quântico

A espuma quântica

 

Algumas oscilações que os astrônomos gostariam que o Ligo detectasse são tão minúsculas que possuem dimensões subatômicas. E o mundo, na escala subatômica, é regido pelas equações da mecânica quântica, sempre sujeitas ao Princípio da Incerteza de Heisenberg.

A versão atual da mecânica quântica, a chamada teoria quântica de campos (ou só QFT), parte da seguinte premissa: o Universo é permeado por campos quânticos. Você conhece um deles, bem famoso: o campo eletromagnético. É o campo em que “trafegam” as ondas eletromagnéticas, ou seja, a luz.

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Cada partícula que você conhece e não conhece – como os elétrons e os quarks que compõem nossos átomos – na verdade não é uma unidade puntiforme de matéria, e sim um pico de energia em seu campo correspondente, uma coisa insubstancial que permeia todo o Universo.

Soa como uma ideia esotérica, mas ela foi posta a prova com sucesso. Uma consequência necessária da existência desses campos é que, de tempo em tempo, mesmo no vácuo absoluto do espaço, um pico de energia aleatório  precisa gerar espontaneamente pares de partículas. É o Princípio da Incerteza em ação.

Esses pares de fato estão pipocando o tempo todo Universo afora, inclusive embaixo do seu nariz. E geram uma espécie de espuma quântica, um plano de fundo borbulhante para a realidade, que só é perceptível em escala subatômica. Essa essa selvageria microscópica é que interfere nas medições do Ligo abaixo de um certo comprimento.

Como deixar o Ligo mais preciso

 

O novo método usado pelo LIGO para domar a espuma quântica se chama quantum squeezing e não tem uma tradução consagrada em português, mas vamos nos virar com o já usado “compressão de ruído quântico”.

O pessoal do MIT, ao anunciar a novidade para a imprensa, usou uma metáfora bacana para explicar a compressão: aqueles balões compridos que você usa para fazer bichinhos em festas infantis.

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Detector de ondas gravitacionais dribla Princípio da Incerteza quântico

Quando você torce o balão em uma região, você está controlando com grande precisão o que acontece com a borracha naquele local exato. Por outro lado, o ar que costumava ocupar aquele pedaço é empurrado para os lados e infla, de maneira caótica, as outras regiões do balão.

O Princípio da Incerteza de Heisenberg funciona de maneira parecida. Você pode obter um altíssimo grau de precisão ao medir um aspecto de uma partícula de luz (por exemplo, sua frequência), mas ao fazê-lo, você vai sacrificar a qualidade de outra medição (por exemplo, sua potência).

Da inauguração do Ligo em 2002 até hoje, os pesquisadores estavam acostumados a suprimir o ruído quântico em uma medida que beneficiava a detecção de ondas gravitacionais de um certo comprimento. Mas isso acontecia em detrimento de ondas gravitacionais de outras dimensões, que sofriam muito mais com o ruído quântico.

A nova tecnologia permite suprimir o ruído quântico sob encomenda: os pesquisadores poderão alternar o tipo de onda que será beneficiada ou não durante as observações, o que permitirá captar um espectro muito mais amplo de ondas no cômputo final.

“Antes, nós tínhamos que escolher onde queríamos que o Ligo fossem mais preciso”, explicou o físico Rana Adhikari em um comunicado à imprensa. “Agora, nós temos o passarinho na mão e os dois voando também. Nós sabíamos há algum tempo resolver as equações que fazem isso funcionar, mas não estava claro que dava para fazer na prática até agora. Parece ficção científica.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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