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Em busca da cura

Hilary Koprowski, o médico que foi acusado de inventar o vírus da aids, agora quer usar transgênicos para acabar com ela

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h49 - Publicado em 31 mar 2004, 22h00

Cristiana Felippe

Em 1950, o médico polonês Hilary Koprowski deu pequenas gotas a 20 crianças americanas e fez delas as primeiras pessoas vacinadas contra o vírus da poliomielite, doença também chamada de paralisia infantil. Foi uma das grandes descobertas da medicina: o mal estava em seu auge e fazia anualmente centenas de milhares de vítimas em todos os continentes. Dois anos depois, o médico americano Jonas Salk fez os primeiros testes de outra vacina para a pólio que rapidamente recebeu aprovação do governo americano e começou a ser produzida em massa no mundo inteiro. Em 1957 – quando a descoberta de Koprowski fazia sete anos – o médico Albert Sabin criou a vacina oral que hoje é mais usada no combate à doença. O sucesso comercial da dupla Sabin-Salk foi tanto que, para todo o mundo, a criação da vacina se deve exclusivamente a eles.

Koprowski ficou fora das festas, mas não fora da ativa. A partir de 1957, utilizou sua descoberta para fazer campanhas de vacinação que imunizaram contra a pólio mais de 9 milhões de pessoas na Europa e na África. O trabalho deu origem a outra polêmica. Em 2000, o jornalista britânico Edward Hooper publicou o livro The River (“O Rio”, sem tradução para o português), em que defende a tese de que as campanhas de vacinação de Koprowski teriam dado origem ao vírus da aids. Hooper sugeria que as amostras de vacina, que utilizavam células de primatas para atenuar o vírus, haviam sido contaminadas com a versão do HIV que circula em chimpanzés. Esse processo teria gerado o primeiro contato do HIV com a população humana. O médico polonês conseguiu se desvencilhar das acusações, mas só depois de muito quebra-pau entre cientistas.

Hoje Koprowski desenvolve um outro ramo de pesquisa que promete trazer ainda mais polêmica à sua carreira. Ele quer criar vacinas para doenças como raiva e hepatite B baseadas em transgênicos. Autor de 850 trabalhos científicos, escritor de contos e pianista profissional apaixonado pela música brasileira, Koprowski esteve em São Paulo a convite do Instituto Pasteur, onde conversou com a Super sobre todas essas polêmicas.

Para o mundo todo, o crédito da vacina da pólio vai para Salk e Sabin. Como você lida com isso?

Mentira pura. A vacina contra a paralisia infantil foi criada por mim. Na realidade, ela deveria se chamar vacina Koprowski, mas o nome é muito comprido, não é? Eles preferiram dar o crédito para o Sabin, mas a descoberta não é dele. Essas coisas acontecem por brigas e vaidade no meio científico. A política interna nos Estados Unidos influenciou a fundação nacional da época a adotar a vacina feita pelo Sabin, porque ele era membro da Academia Científica Americana e eu era um estranho da indústria privada. Eles se tornaram figuras públicas, viajaram o mundo, encontraram reis e presidentes e eu simplesmente continuei meu trabalho. Aqui no Brasil, por exemplo, só se fala nele e se diz sempre “vacina Sabin”, mas fui eu que imunizei a primeira criança via oral contra paralisia. Sinto-me muito bem e orgulhoso de tê-la descoberto e estarmos próximos da erradicação. A doença só não foi extinta em lugares de difícil acesso da Índia, Paquistão e Nigéria.

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O jornalista Edward Hooper o acusou de ter criado acidentalmente o vírus da aids. Como você conseguiu se defender dessas afirmações?

É um assunto do passado e eu prefiro não falar mais nada a respeito. Na época, não tive que explicar nada, quem teve de dar explicações foi o jornalista Edward Hooper. Tudo foi esclarecido numa reunião pela Sociedade Real de Londres, na Inglaterra. Uma das provas a meu favor foi que não desenvolvi a vacina em células de chimpanzé, mas sim em outros primatas. Saí aliviado quando vi que aquela pressão e perda de tempo tinham acabado. Foi uma hipótese completamente sem fundamento, levantada por um jornalista sem ética nenhuma. Eu não ia perder tempo processando uma pessoa desse tipo, que ganhou muito dinheiro à custa de mentiras.

Suas mais novas pesquisas são sobre vacinas transgênicas em plantas. Como funciona esse método?

A escassez de recursos em muitos países impede a erradicação de doenças e, por isso, precisamos criar métodos mais simples, baratos e eficazes para atender toda a população. Um dos melhores métodos é criando vegetais transgênicos. Nós infectamos a planta com o vírus causador de determinada doença, para que ele seja replicado e dessa forma produza uma vacina natural na própria planta. Na Academia de Ciências da Polônia, voluntários que ingeriram alface com a vacina da hepatite B apresentaram anticorpos contra essa doença. O mesmo ocorreu com os voluntários que ingeriram folhas de espinafre modificadas contra a raiva, na Fundação dos Laboratórios de Biotecnologia, na Filadélfia, Estados Unidos. Esse método de vacinação tem a vantagem de não ser doloroso. No futuro, sem dúvida, será uma forma muito mais barata e eficaz de profilaxia, porque poderá imunizar mais pessoas e agir até em locais aonde só se chega de helicóptero. Estamos pesquisando também a eficácia desse método para outros tipos de hepatite, para varíola e até para o vírus HIV.

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A cura de doenças como a aids e o câncer pode estar nessas vacinas feitas com vegetais transgênicos?

Isso vai depender da estupidez humana. As vacinas feitas com plantas podem ser uma saída para a aids, mas demoraremos anos para conseguir avanços científicos se continuarem a existir os histéricos que dizem que os transgênicos são perigosos. Aqui na América, a perseguição contra a modificação genética não é tão grande, mas na Europa é uma loucura. É uma situação difícil de mudar, porque a ignorância não pode ser curada nem com plantas transgênicas. Há um grupo enorme de pessoas na Europa que condena os transgênicos sem motivo. Elas só são contra porque não têm nenhuma informação ou porque estão com medo da competição no mercado de alimentos. Já a cura do câncer ainda está um pouco distante. Não é uma infecção, algo estranho que entra no nosso organismo. É o tecido do nosso próprio corpo que se modifica.

Seria mais difícil descobrir a vacina contra a paralisia infantil hoje em dia?

Com certeza poderíamos ter até hoje a varíola, a raiva e a poliomielite se houvesse na época a burocracia de hoje. Os métodos daquele tempo seriam considerados perigosos ou ilegais, mas, se não tivessem sido usados, seria impossível sonhar com a erradicação. Hoje podemos constatar os bons resultados que conquistamos com as vacinas. Minha descoberta possibilitará, dentro de dois anos, a erradicação total da paralisia infantil no mundo.

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Além de pesquisador, o senhor é pianista profissional, compositor e escritor de contos de ficção. Como concilia as atividades científicas ao exercício da criatividade e da imaginação?

A criação é a mesma para a ciência, para a música e para a literatura. Você precisa estar inspirado para fazer boas experiências no laboratório com resultados satisfatórios e o mesmo ocorre com as outras atividades. É preciso gostar do seu trabalho. Toco piano desde os 5 anos e quando faço isso não penso em mais nada. A mesma criatividade que uso para as pesquisas que protegem os animais e os humanos contra doenças, utilizo para escrever contos e compor sonatas.

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Hilary Koprowski

• Tem 89 anos e trabalha na Universidade Thomas Jefferson, na Filadélfia, nos Estados Unidos

• Adora churrasco, feijão com arroz e os sucos naturais feitos com frutas brasileiras

• Fala seis línguas: polonês, inglês, português, italiano, francês e russo

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• Levanta-se diariamente às 5h30 da manhã para nadar e se exercitar

• Veio para o Brasil em 1939, quando os alemães invadiram a Polônia, e viveu aqui até 1944

• Seus dois filhos são físicos

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