Em terra de homem, bactéria é rainha: conheça a nova árvore da vida
Grupo internacional de cientistas acrescentou mil novos microrganismos ao diagrama que mostra a evolução das espécies.
Desde que Darwin elaborou a Teoria da Evolução, cientistas têm tentado encontrar o modelo ideal para mostrar toda a história da evolução. A árvore da vida se tornou um dos desenhos mais simbólicos e interessantes para esse propósito: partindo de um tronco único, a origem da vida, surgem galhos cheios de ramificações, que mostram como as espécies se diversificaram ao longo do tempo.
O modelo mais exato de uma árvore genealógica da vida até hoje era o chamado “Hillis Plot”: um diagrama que mostra toda a evolução biológica desde o surgimento da vida, há 3,5 bilhões de anos. E vai dos primeiros seres unicelulares até os humanos, felinos, insetos, conchas e esponjas modernas que dividem o planeta com a gente – todos filhos de um ancestral comum, a primeira forma de vida da Terra.
A ciência já classificou 1,7 milhão de espécies, e imagina que existam mais ou menos 9 milhões no planeta – a imensa maioria espécies distintas de bactérias.
O Hillis Plot, porém, é só uma simplificação. Ele foi feito a partir da análise do material genético de 3 mil espécies, e desenhado de acordo com a semelhança genética entre eles. Essa árvore clássica, porém, subestimou o papel das bactérias no desenvolvimento evolutivo.
Agora, um grupo de mais de 15 cientistas de universidades dos EUA e do Japão apresentou uma nova versão da árvore da vida, bem diferente. Ela mostra que a história das bactérias ao longo da evolução é incrivelmente mais rica e complexa do que se imaginava.
Com isso, a árvore cresceu dramaticamente. Com o já conhecido narcisismo humano, versões passadas do diagrama tinham um grande foco no domínio dos eucariontes, o grupo que inclui o Homo sapiens. A nova árvore da vida nos força a uma posição de mais humildade: todos os eucariontes – animais, fungos e plantas – ficam espremidos em um pequeno galho, pois são caçulas da evolução com meros de 2 bilhões de idade, completamente ofuscados pelo imenso histórico evolucionário do grupo das bactérias, que remonta à própria origem da vida.
Para isso, os cientistas analisaram o genoma de mais de mil microrganismos jamais catalogados – em muitos casos, bactérias que vivem em ambientes remotos, como o sal do Deserto do Atacama e ecossistemas subterrâneos no Japão.
A grande árvore e suas ramificações
Na biologia, Charles Darwin usou o conceito de “árvore da vida” em seu livro A Origem das Espécies (1859): “A grande árvore da vida preenche as camadas da crosta terrestre com seus ramos mortos e quebrados enquanto que as suas magníficas ramificações, sempre vivas e renovadas incessantemente, cobrem a superfície”. Só a descrição da árvore nesse trecho já serve de metáfora para toda a teoria de Darwin. Os galhos mal adaptados se quebram e morrem e são substituídos por galhos novos, e melhor adaptados.
Alguns anos mais tarde, o biólogo Ernst Haeckel criou uma série de árvores da vida. Haeckel chegou a desenhar uma árvore mostrando a suposta linha de antepassados do homem, começando em espécies mais simples como bactérias, evoluindo para espécies progressivamente complexas, até chegar ao homo sapiens.
Essa visão linear e progressiva da evolução era comum nos séculos XIX e XX. As teorias da época partiam do princípio de que a seleção natural tornava as formas de vida cada vez mais complexas, até chegar às de hoje – tendo o Homo sapiens no papel de supra-sumo da evolução, musa definitiva da saga da vida. Nada mais equivocado. Hoje, as evidências apontam para uma evolução não-direcional: de acordo com as condições do ambiente, a seleção natural pode tanto favorecer um aumento quanto uma diminuição da complexidade dos organismos que ali vivem. Daí que as unhas dos tigres são máquinas de matar, e as nossas mal servem para roer; daí para as baleias conversarem com desenvoltura dentro d’água, o ambiente delas, e nós não travarmos grandes diálogos enquanto estamos com a cabeça submersa na pscina.
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Além disso, na época de Haeckel, a classificação dos seres vivos ainda dependia quase que exclusivamente da observação. Quanto mais parecida era a anatomia de duas espécies, mais próximas evolutivamente elas eram consideradas. A ordem evolutiva das espécies foi estabelecida literalmente “no olho”. É dessa época que vêm as primeiras classificações de gêneros, classes e reinos que aprendemos até hoje nas aulas de biologia.
Por tudo isso é que o DNA revolucionou as árvores da vida. Com o sequenciamento do genoma das espécies, passamos a ter uma base muito mais sólida para investigar as relação entre os seres vivos.
A primeira árvore universal
Foi nos anos 70 que foi desenhada a primeira árvore a apresentar o histórico evolutivo de todos os seres vivos. Os americanos Carl Woese e George E. Fox dividiram todas as formas de vida entre três grandes galhos partindo do tronco do primeiro antepassado comum: o domínio Bacteria, o Eukarya (em que estão incluídos os animais, as plantas e os fungos) e, por último, o domínio Archea, classificado pela primeira vez por Woese e Fox, composto por micróbios que vivem em ecossistemas extremos, muito quentes, ricos em ácido ou sem oxigênio.
A mais bonita
A década passada viu nascer a mais bonita das árvores da vida. Conhecida como “Hillis plot”, ela foi criada pelos pesquisadores David M. Hillis, Derrick Zwickl, and Robin Gutell, da Universidade do Texas. O desenho é resultado do estudo de amostras genéticas de 3 mil espécies – cerca de 0,18% do 1,7 milhão de espécies formalmente classificadas pela ciência. Desde que foi publicado, em 2003, o desenho já virou papel de parede, entalhe em tronco de árvore e até tatuagem.
Tatuagens circulares como o Hillis plot estão até na moda. Mas agora, com o modelo atualizado, é que os fãs da ciência vão se destacar de verdade – pelo menos aqueles que tiverem coragem de tatuar esse novo catavento evolutivo.
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