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Entenda de uma vez: El Niño, La Niña e como eles mexem com o Brasil

O ventos no Equador sopram para o oeste graças ao efeito Coriolis. Se eles enfraquecem (ou se invertem) no Pacífico, temos El Niño. E uma primavera tórrida.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 23 nov 2023, 15h53 - Publicado em 27 set 2023, 15h03

A onda de calor que acometeu metade do país em setembro arrefeceu graças a uma porçãozinha de ar polar que chegou à região Sul nesta quarta (26). Valeu, Antártida. Mas a memória de cozinhar vivo em plena primavera não vai embora tão cedo.

Até os maiores fãs de praia admitem que os 40 ºC com ar seco dos últimos dias foram algo insalubre e as temperaturas mais amenas que devem nos agraciar até o domingo (1) são só um oásis em ano de El Niño, o fenômeno climático cíclico que, quando dá as caras, torna o aquecimento global ainda mais fogoso para os brasileiros.

Sendo assim, este texto é para você que está jogando “El Niño” no Google em outubro ou novembro de 2023 enquanto chupa gelo em Cuiabá para sobreviver à próxima onda de calor, que quase inevitavelmente virá (o aviso é do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe, então pode confiar: vamos virar churrasco).

O que é o El Niño?

Era uma vez a Terra. Na altura do Equador – a linha imaginária que divide o planeta entre os hemisférios Norte e Sul –, o vento venta (rs) predominantemente no sentido leste-oeste.

Pensando em termos de Brasil, se você soltar um balão de hélio em Belém, a tendência é que ele vá parar em Manaus em vez de flutuar para o Atlântico. 

Esses são os ventos alísios, ou trade winds “ventos do comércio”, em inglês, porque um fenômeno climático tão previsível era uma mão na roda para navios à vela que levavam mercadorias, muito antes da invenção de barcos a vapor.

(Em 1970, um norueguês com certo pendor à insensatez chamado Thor Heyerdahl queria provar que os egípcios teriam sido capazes de cruzar o Atlântico e chegar às Américas ainda na Antiguidade, de carona nos alísios. Ele subiu em uma canoa feita da mesma matéria-prima usada em papiros, e completou o trajeto em 57 dias.)

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Por que venta para oeste, e não para o leste? Tem a ver com a rotação da Terra. Vamos deixar a explicação difícil para o fim do texto, porque ela envolve termos cabeludos como “zona de convergência intertropical”. Fique com o leste-oeste em mente, por ora.

Normalmente, os ventos alísios fazem com que a água do Oceano Pacífico, na altura do Equador, flua da América do Sul em direção à Ásia. Não toda a água, claro: a água quentinha da superfície, que está exposta ao Sol e ao vento. A água lá do fundão, fria e escura, fica no lugar.

Conforme a água quente vai embora, a água fria pode subir para a superfície. Isso significa que as praias do Peru, do Equador e do norte do Chile ficam mais frias. Enquanto isso, o litoral asiático esquenta. Pense nesse como o estado “neutro” do Pacífico.

Volta e meia, os ventos alísios do Pacífico saem da neutralidade e enfraquem. Trata-se de um acontecimento assaz aleatório ocorre em intervalos de três a cinco anos, aproximadamente, e os meteorologistas não são capazes de prevê-lo com grande exatidão. Quando esse fenômeno resolve dar as caras, a água quente fica aqui no litoral sul-americano, mesmo.

Essa mudança é mais perceptível no finalzinho do ano e os pescadores e marujos hispânicos, católicos que eram, batizaram os anos de águas quentes de El Niño. Uma referência ao aniversário do niño mais famoso que existe, o niño Jesus, em 25 de dezembro. Esses Natais calientes rolaram 26 vezes desde 1900.

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O meninão climático gera uma reação em cadeia: chove mais no sul dos EUA, a Austrália esquenta (mais) e a Sibéria esfria (mais). Para boa parte do Brasil, você acaba de descobrir do jeito mais difícil, a coisa segue os passos australianos e o inverno esquenta um bocado. No Norte e no Nordeste, o verão fica mais seco, na região Sul e em São Paulo, a precipitação aumenta. 

Reação em cadeia global

Eis algo para se manter em mente sobre fenômenos climáticos: eles mexem com o planeta como um todo e desequilibram as coisas de maneiras diferentes em cada canto. Não é porque nevou em Santa Catarina que o aquecimento global é uma mentira. Trata-se de um aumento médio na teperatura da Terra.

Essa é uma moral da história importante para entender as mudanças climáticas sem cair em negacionismo de Whats. E o próprio El Niño nos dá uma boa história para ilustrar essa moral, porque sua descoberta foi a montagem de uma quebra-cabeça por pesquisadores e cidadãos comuns em várias partes do globo.

O primeiro registro escrito de uma chuva anormal em ano de El Niño é de 1525 e veio das mãos do colonizador espanhol Francisco Pizarro, responsável pelo genocídio dos incas. Corais de 13 mil anos têm assinaturas químicas que indicam temperatura anormal no oeste do Pacífico.

Em 1888, Charles Todd, um pesquisador britânico que trabalhava com a instalação de cabos submarinos de telégrafo por todo o Império Britânico, notou que os anos de seca na Austrália e na Índia tendiam a ser os mesmos, e supôs que isso não era coincidência.

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Quando outro britânico, Gilbert Walker, juntou os pontos e descreveu o fenômeno em sua completude pela primeira vez, em 1924, ele o batizou de Oscilação Sul, e fez suas observações do lado asiático do mapa, onde estavam as colônias britânicas.

Hoje, sabendo que o El Niño na costa americana e a Oscilação Sul na Ásia são faces da mesma moeda, os meteorologistas se referem ao fenômeno como El Niño-Oscilação Sul, um nome comprido que se costuma encurtar com o acrônimo ENSO em inglês.

La Niña, “a menina”, é simplesmente a fase oposta do fenômeno: quando os alísios ficam especialmente fortes, a água no litoral sul-americano fica especialmente fria e o Brasil tem um verão mais frio. As chuvas ficam violentas no Sudeste Asiático, e o inverno australiano esquenta.

Afinal, por que o vento no Equador é leste-oeste?

Imagine duas crianças em um carrossel uma em um pônei próximo do centro, outra na borda. A que está próxima ao centro gira mais devagar, pois percorre um círculo de perímetro menor. Já a da borda gira mais rápido, pois faz a curva por fora.

A Terra é uma bola – é sempre bom reforçar, há muitos esquecidos por aí.

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Isso significa que o planeta, assim como o carrossel, é mais largo na altura de Belém (na linha do Equador) do que de São Paulo (no Trópico de Capricórnio). Sendo assim, o pessoal em Belém precisa girar mais rápido para completar uma volta. Mas precisamente, 70 km/h mais rápido. 

Legal, salve essa informação no seu HD. Agora vamos para o próximo passo da explicação.

A Terra gira no sentido oeste-leste. Vide o fato de que o Sol nasce primeiro no Japão, e que você vê o dito-cujo nascer no leste. Note que esse é o sentido oposto dos ventos alísios (leste-oeste), e isso não é coincidência. Uma coisa tem tudo a ver com a outra.

Imagine que você é uma massa de ar vinda de São Paulo (onde a Terra gira a 1530 km/h) e chegando a Belém (onde a Terra gira mais rápido, a 1600 km/h).  A Terra está girando embaixo de você cada vez mais rápido conforme você se aproxima do Equador.

Não tem jeito: você acaba ficando para trás, sendo arrastado no sentido oposto à rotação da Terra. Para oeste. E é por isso que o vento, nos arredores do Equador, sempre sopra para o oeste. O ar não está conseguindo acompanhar a superfície do planeta.

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Esse é o efeito Coriolis.

Trata-se de um fenômeno simétrico: tanto o ar que vem do norte como do sul vão sendo forçados para a direção oeste conforme se aproximam da região mais quente do planeta. O lugar em que as duas massas de ar se encontram é a tal zona de interconvergência tropical.

 

 

 

 

 

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