Este é o animal mais antigo conhecido: 558 milhões de anos
Revelado hoje, o fóssil é relíquia de uma virada crucial na história da vida: o aparecimento dos primeiros seres vivos com mais de uma célula
A Terra tem 4,5 bilhões de anos de idade, mas um número grande desses, com 9 zeros, não diz muita coisa se não formos capazes de imaginá-lo. Para superar essa barreira, avancemos aos poucos, usando uma analogia. Há 4,5 bilhões de segundos, Dom Pedro II era o Imperador do Brasil, e a escravidão ainda levaria longos 14 anos até ser abolida. Estávamos em 1874.
Se a Terra tivesse 4,5 bilhões de segundos de idade (quer dizer, se ela tivesse nascido em 1874), ela teria 144 anos. A espécie humana, com seus humildes 300 mil anos, existiria há 3 dias e meio. Nada, essencialmente.
Para ser justo, não é só o Homo sapiens que durou um piscar de olhos: os animais como um todo surgiram faz pouquíssimo tempo. Até o aniversário de 127 anos da Terra (note que ela já era extremamente idosa nessa época), todos os seres vivos ainda eram unicelulares e microscópicos. Às vezes eles formavam colônias razoavelmente cooperativas, mas parava por aí. O jogo só virou na explosão do Cambriano, há 541 milhões de anos — meros 17 anos atrás, na nossa conveniente escala baseada em segundos.
A explosão do Cambriano é o nome dado pelos geólogos ao momento em que animais grandes e complexos surgem repentinamente no registro fóssil. Foi um capítulo de evolução acelerada na história natural, em que formas de vida grandes e cheias de truques — como lesmas, caramujos e insetos — pipocaram após bilhões de anos de tédio microscópico e sexo nada entusiasmado entre bactérias.
Se a explosão do Cambriano foi tão lendária quanto a apresentação dos Rolling Stones em Copacabana, em 2006, o bichinho oval que está na foto ali em cima seria equivalente ao show de abertura dos Titãs. Ele foi uma prévia, um aperitivo do que a vida multicelular se tornaria. O Dickinsonia, como foi batizado, é o fóssil animal mais antigo já encontrado: viveu há 558 milhões de anos, 17 milhões de anos antes do marco zero.
Ele foi encontrado pelo estudante de doutorado russo Ilya Bobrovskiy em uma encosta íngreme às margens do Mar Branco — o nome da porção de água absurdamente gelada que separa o norte da Finlândia da Rússia. A análise de pequenos fragmentos de matéria orgânica presentes tanto no fóssil em si quanto na rocha ao seu redor (fragmentos esses cuja preservação é rara) permitiram estabelecer sem sombra de dúvida que o dito cujo era um animal, e não alguma outra forma de vida pré-histórica. A análise foi publicada hoje.
O Dickinsonia é parte de um grupo de organismos multicelulares pré-cambrianos (isto é, anteriores à explosão do Cambriano) chamados “biota ediacarana”. Esses carinhas eram um mistério para a ciência, pois embora seus fósseis sempre tenham indicado que eles foram mais do que simples colônias de bactérias, não dava para saber o que, exatamente, eles foram. Eles estavam em um limbo de classificação. A descoberta de Bobrovskiy resolveu esse dilema: agora sabemos, sem sombra de dúvida, que os ediacaranos foram animais. Os animais antes dos animais; os animais mais antigos de que se tem notícia.
Os tais fragmentos orgânicos mencionados anteriormente são algo banal: colesterol. Colesterol com uma composição química tal que só pode ser encontrada em animais. Um ediacarano mais magrinho talvez não tivesse conseguido contar essa história. “Esse é exatamente o tipo de gordura que entregou que o Dickinsonia era, na verdade, um animal”, afirmou ao The Guardian Jochen Brocks da Universidade Nacional da Austrália, um dos que trabalharam na análise. Um brinde aos ediacaranos acima do peso.