Neurônios serão usados para criar biocomputadores
Grupo de cientistas pretende transformar células cerebrais em um hardware biológico capaz de tarefas computacionais avançadas.
Em outubro, cientistas da startup de biotecnologia Cortical Labs mostraram que uma cultura de células cerebrais pode aprender a jogar Pong – um videogame simples e parecido com uma partida de tênis. O jogador era o DishBrain (“prato de cérebro”, em inglês), um sistema formado por redes neurais conectadas a microeletrodos que podem estimulá-las ou ler sua atividade.
O resultado do experimento foi “algo que se assemelha à inteligência”, segundo os cientistas envolvidos, que defendem que o prato de neurônios pode funcionar como um modelo vivo e simplificado do cérebro, que serviria para estudar como o órgão funciona. (Saiba mais nesta matéria da Super.)
O prato de neurônios é, como o nome sugere, uma cultura celular plana e unidimensional. Do que seria capaz, então, uma cultura celular com estrutura tridimensional e densidade até mil vezes maior de neurônios?
Ela daria um bom computador, defendem alguns pesquisadores.
É o caso de uma equipe multidisciplinar formada por cientistas da Johns Hopkins University (Estados Unidos) e de outras instituições. Na última segunda (27), eles publicaram um estudo na revista Frontiers in Science no qual descrevem seus planos de transformar estes grupos 3D de células cerebrais humanas em um hardware biológico capaz de tarefas computacionais avançadas.
Os pesquisadores chamam tais culturas celulares cultivadas em laboratório de “organoides cerebrais”, e o campo de “inteligência organoide”. Os organoides não são cérebros em tamanho reduzido, mas uma boa imitação do órgão – melhores que o sistema que aprendeu a jogar Pong, por exemplo. Eles compartilham aspectos-chave da função e estrutura cerebrais, essenciais para funções cognitivas como aprendizado e memória.
E aí estaria o potencial dos organoides. “Embora os computadores baseados em silício sejam certamente melhores com os números, os cérebros são melhores no aprendizado”, disse o professor Thomas Hartung, da Universidade Johns Hopkins, em comunicado. Eles também têm uma capacidade incrível de armazenar informações e são mais eficientes em termos energéticos, defendem os pesquisadores – por isso usar os organoides para construir biocomputadores seria uma boa ideia.
Para isso, o primeiro passo seria construir organoides maiores. Atualmente, um sistema do gênero contém 50 mil células; seria preciso aumentar esse número para 10 milhões. Usá-los em computadores também demandaria tecnologias que se comunicassem com os organoides, enviando e recebendo informações, mas também criando redes complexas de organoides que poderiam processar mais dados e suportar cálculos robustos.
A equipe afirmou que está desenvolvendo dispositivos do tipo, adaptando ferramentas da bioengenharia e do machine learning. Uma das tecnologias é “uma concha flexível densamente coberta por pequenos eletrodos que podem captar sinais do organoide e transmitir sinais para ele”, explicou Hartung.
A inteligência organoide também poderia ajudar os cientistas a estudar aspectos cognitivos das condições neurológicas. Seria possível, por exemplo, comparar organoides derivados de células cerebrais de pessoas saudáveis e derivados de pacientes com Alzheimer para investigar a formação de memória e tentar reparar déficits relativos a ela.
E quão longe isso tudo está da realidade? Os cientistas da Cortical Labs estão replicando o experimento do Pong com organoides cerebrais. “Isso já cumpre a definição básica de inteligência organoide”, afirma Hartung. “A partir daqui, é apenas uma questão de construir a comunidade, as ferramentas e as tecnologias para realizar seu potencial total.”