Os choques de Stanley Milgram
Todo mundo é capaz de torturar e matar alguém? Um psicólogo americano acreditava que sim. O mais impressionante: ele conseguiu provar.
Ás vezes, um experimento psicológico não assusta somente por sua falta de ética. Em alguns casos, o mais desesperador é o que ele revela sobre a própria psique humana – coisas que não gostaríamos de acreditar que fazem parte de nós mesmos. Em 1960, o tenente-coronel da SS Adolf Eichmann, um dos organizadores do Holocausto durante o Terceiro Reich, foi capturado na Argentina pelo Mossad, serviço secreto israelense, e levado ao tribunal no ano seguinte em Jerusalém. O julgamento foi amplamente divulgado pela imprensa mundial, e trouxe novamente à tona uma das questões mais misteriosas – e sinistras – em torno do nazismo.
Como alguns psicopatas genocidas conseguiram influenciar um grande número de colaboradores a prosseguir com as atrocidades cometidas nos territórios ocupados pelos alemães? É impensável achar que todos os envolvidos nos crimes nazistas eram psicopatas insensíveis. E ainda assim os campos de concentração e as câmaras de gás, controladas por enormes contingentes, funcionavam como relógios suíços. Que fenômeno social bizarro foi esse? Poderia fazer algum sentido o argumento de tantos acusados por crimes de guerra, inclusive Eichmann, de que eles estavam “só cumprindo ordens”? Motivado pelo zum-zum-zum em torno do julgamento, Stanley Milgram, um psicólogo da Universidade Yale, nos Estados Unidos, decidiu pôr à prova a conversinha do “estava só cumprindo ordens”.
Em julho de 1961, ele começou um experimento no mínimo perturbador. Cada rodada do teste envolvia três participantes, o pesquisador, um voluntário e um ator – que apenas fingia ser um voluntário. Sob o pretexto de realizar um experimento sobre memória, Milgram ofereceu pagar US$ 4 por hora a quem concordasse participar.
O experimentador então reunia os dois voluntários e dizia que iria sortear quem ia servir como professor e quem ia participar como aluno. Dava então um cartão a cada um deles. Embora todos os cartões trouxessem o título “professor”, o ator sempre declarava ter tirado “aluno”, de forma que a função de professor sempre ficava com o voluntário de verdade. Então o pesquisador explicava aos dois o modelo do experimento. Professor e aluno ficariam em duas cabines fechadas, uma do lado da outra, e de início o professor leria ao aluno uma lista completa de pares de palavras.
Então, testaria o aprendizado e a memória, falando uma palavra e oferecendo uma lista de quatro possíveis complementos para formar o par. Cabia então ao aluno pressionar um de quatro botões em sua cabine para indicar a resposta certa. Caso acertasse, o professor passaria à palavra seguinte. Se errasse, ele apertaria um botão que daria um choque elétrico no aluno.
O choque inicial era de 15 volts, e o professor era submetido a ele só para que se demonstrasse que tipo de desconforto seria submetido ao aluno. E então ele era informado que cada choque subsequente teria um incremento de mais 15 volts. O ator, passando-se pelo aluno, informava casualmente o voluntário professor de que tinha problemas cardíacos, mas o experimentador garantia que ele não sofreria qualquer mal. E assim os dois se separavam e o procedimento começava. A cada resposta errada, o voluntário apertava um botão para aplicar o choque no que ele pensava ser outro voluntário. Mas na verdade o ator não estava levando nenhuma descarga elétrica.
O botão do choque estava meramente ligado a uma fita magnética gravada que rodava e produzia os “Bzzzz” e os gritos que emulavam o sofrimento do aluno. Após algumas descargas, o ator começava a fingir desespero, socava a parede que separava as duas cabines, lembrava seu problema cardíaco e pedia que o experimento fosse interrompido. Por fim, o aluno parava de fazer qualquer ruído. Milgram queria ver até onde o voluntário de verdade iria com aquela sessão de tortura em seu colega.
Quando começavam as pancadas na parede, normalmente, a maioria dos participantes pedia para parar, e aí entrava em cena o papel do experimentador. Na primeira interpelação, ele respondia apenas “por favor, continue”. Na segunda, “o experimento exige que você continue”. Na terceira, “é absolutamente essencial que você continue”. E na quarta, “você não tem escolha, precisa prosseguir”. Se, depois dessas quatro falas, o voluntário ainda assim quisesse parar, o experimento era interrompido. Caso isso não acontecesse, o teste terminava com três descargas sucessivas do choque máximo, 450 volts.
Milgram estava curioso não só pelo resultado do experimento, mas pela expectativa que outros pudessem ter dele. Perguntou então a vários colegas de universidade quantos voluntários, de uma amostra de cem, chegariam a aplicar a voltagem máxima. A resposta variou entre zero e 3. O psicólogo também consultou 40 psiquiatras, e eles avaliaram que apenas 4% dos voluntários passariam da barreira dos 300 volts.
Mas os resultados mostraram um quadro bem diferente. De 40 voluntários participantes da primeira bateria de experimentos, 26 deles – ou seja, 65%, dois terços do total – chegaram ao choque de 450 volts. É verdade que muitos protestaram até chegar lá, e todos questionaram o método do experimento durante sua realização. Mas ainda assim executaram.
Em 1974, Milgram escreveu: “Os aspectos legais e filosóficos da obediência são de enorme importância, mas eles dizem muito pouco sobre como a maioria das pessoas se comporta em situações concretas. Eu elaborei um experimento simples na Universidade Yale para testar quanta dor um cidadão comum infligiria a outra pessoa simplesmente porque fora ordenado por um cientista experimental. Autoridade estrita foi imposta contra os mais fortes imperativos morais dos voluntários contra ferir outros, e, com os ouvidos dos voluntários vibrando com os gritos das vítimas, a autoridade venceu na maior parte das vezes.
A disposição de adultos de ir até quase qualquer extremo sob o comando de uma autoridade constitui a descoberta principal do estudo, e o fato que mais urgentemente pede uma explicação. Pessoas comuns, simplesmente fazendo seu trabalho, e sem qualquer hostilidade particular, podem se tornar agentes de um processo destrutivo terrível.
Mais ainda, mesmo quando os efeitos destrutivos de seu trabalho se tornam patentemente claros, e elas são solicitadas a realizar ações incompatíveis com os padrões fundamentais da moralidade, relativamente poucas pessoas têm os recursos necessários para resistir à autoridade”. O experimento, sem dúvida, põe à vista o lado mais sombrio da natureza humana. A capacidade para obedecer em geral prevalece sobre a capacidade para se insurgir contra a injustiça.