Questão de pele
A ultra-sensível membrana que reveste o corpo dos animais tem múltiplas funções: escudo, filtro, pulmão, equipamento de camuflagem e sedução.
Thereza Venturoli
Ela é a embalagem ideal. As mil e uma utilidades da pele incluem ar-condicionado, proteção anti-radiação, defesa contra inimigos, sedução, alarme e detector de calor. Mas não há loja, nem entre as melhores do ramo, que tenha em estoque pacote tão funcional e completo quanto o revestimento do corpo dos animais, entre eles, o homem. Uma cobertura que se amolda às necessidades de cada freguês. Veja nesta reportagem como a pele muda de aspecto e de função de animal para animal. No homem, a malha com espessura entre 0,4 e 2 milímetros é o principal órgão do tato e proteção contra agentes externos, de microorganismos a radiação nociva. Em alguns pássaros, ela é acessório de sedução. Nos tatus, couraça de defesa. Nos sapos, instrumento de sopro. Em alguns peixes, meio de comunicação. Até pernas ela dá a quem não as tem, como as cobras e as lagartixas.
Note que quando a gente faz um corte, a pele se retrai. É que os cerca de 2 metros quadrados que envolvem o corpo humano estão sempre distendidos. Mas podem se esticar muito mais, como na barriga de uma mulher grávida. Essa elasticidade, fundamental para a resistência, é dada pela malha de fibras elásticas e da proteína colágeno, existente na derme, a segunda camada da pele.
Em outros animais, como os répteis, a resistência está mais ligada à dureza da epiderme, que é a camada superficial. Eles produzem muita queratina – uma proteína que forma um escudo rígido e quase impermeável. Isso ajuda as espécies terrestres a manter a umidade do corpo. Mas tem lá suas desvantagens. Na cobra e no camaleão, o excesso de queratina não deixa a membrana crescer junto com o corpo. O jeito é trocar o guarda-roupa, de uma vez só (veja foto no alto da página).
O homem também troca de pele. Só que aos poucos. A cada mês, aproximadamente, ela é renovada. Nos humanos a queratina, com outras substâncias, veda o organismo à invasão de microorganismos.
A embalagem que envolve o homem também barra a radiação. A melanina – o pigmento que dá cor à pele – bloqueia a entrada dos raios ultavioleta emitidos pelo Sol, nocivos aos órgãos internos. Em outros animais, os pigmentos fazem mais do que isso. Tingem e estampam o corpo, como num disfarce. É o caso das zebras. As listras escuras não se confundem com o ambiente das savanas africanas que elas habitam. Mas, quando um bando é atacado por um leão, a dança das listras deixa o predador atordoado, sem distinguir onde acaba um corpo e começa outro.
Colorida ou sem cor, a pele participa ativamente da atração sexual. Tanto no sapo, que enche o saco vocal para “cantar” a fêmea, quanto na fragata, que infla uma pelanca vermelha do pescoço, para chamar a atenção da parceira (veja fotos acima). Como nessa ave marinha, a sua pele, leitor, também pode mudar de aparência, de uma hora para outra. Quem é que nunca ficou vermelho de acanhamento diante de um sedutor “olhar 43”? A diferença é que, no seu caso, provavelmente, você preferia não chamar a atenção dessa maneira.
O segredo da lagartixa doméstica, daquelas que sobem por paredes e janelas de vidro, está na ponta dos dedos. Como os demais lagartos da família dos geconídeos, elas não contam só com as garras. A ponta dilatada dos dedos tem a pele cheia de ranhuras, que funcionam como velcro nas superfícies ásperas e como ventosas nas superfícies lisas.
Na falta de pernas, as cobras pegam uma carona na pele. Cada escama do ventre está ligada a um par de costelas, que por sua vez está unido a uma vértebra. Quando elas ondulam o corpo de um lado para o outro, as costelas ativam as escamas, que funcionam então como minúsculas patas. A jibóia até dispensa os movimentos laterais. Ela apenas mexe as costelas para frente e para trás. Com isso, as escamas dão pequenos passos.
Os camaleões, como outros lagartos e serpentes, trocam de pele regularmente. É que a membrana protetora desses répteis não acompanha o crescimento do animal, como acontece no homem. Com o tempo, vai ficando justa demais. O organismo libera então um hormônio que forma novo revestimento, mais largo.
Marcas de mãe
A barriga de gravidez da fêmea do sapo Pipa, que habita rios e lagos da Amazônia, não é no ventre, mas nas costas. É ali que o macho deposita os ovos fertilizados. Só depois do desenvolvimento completo dos girinos é que eles saem da bolsa protetora, já como minissapos.
Escudo maleável
Os tatus, que habitam a América do Sul, têm o dorso e a parte superior da cabeça e das patas recobertos por uma camada de placas ósseas. Na carapaça, elas estão dispostas em forma de anéis, formando sulcos transversais, que deixam o animal com os movimentos livres e pronto para se encolher no caso de ataque por algum predador. Nas patas e na cabeça as lâminas dão a resistência necessária para escavar a terra.
Minúscula mas eficaz
Toda célula tem também a sua pele, a finíssima membrana plasmática, que é composta de proteínas e gorduras. Além de manter o conjunto das organelas unido, ela funciona também como uma peneira que seleciona as susbtâncias que podem entrar e sair. Nos vegetais, a membrana é revestida por uma parede de celulose. Na foto ao lado, de uma bactéria, que é unicelular, a pele é bem visível. É a faixa esbranquiçada, que circunda toda a borda.
Gogó musical
É privilégio masculino. Só os machos de sapos, rãs e pererecas possuem o saco vocal. Cheio de ar, o pescoço se infla, e o batráquio entoa então a melodia da sedução para as fêmeas. A pele, muito úmida, ajuda na respiração cutânea, que complementa a pulmonar. A troca de gases é feita através de minúsculos vasos sangüíneos.
Paixão indiscreta
Para a fragata, ave marinha natural da Ásia, Oceania e América, o pescoço é acessório fundamental para um namoro bem sucedido. Na época de acasalamento, o macho infla a dobra da pele vermelha no pescoço. Quanto menos discreto, melhor ele se dá na competição com outros pretendentes para atrair a atenção da fêmea.
Ilusão de ótica
Os peixes de coral, como o peixe-borboleta, da família dos caetodontídeos, carregam barras escuras que funcionam como as listras das zebras. Quando vistos em cardume, fica difícil para o predador identificar cada indivíduo. Eles são nadadores lentos, mas mudam de direção abruptamente, enfiando-se embaixo de pedras ou dentro de fendas nos recifes. Quem dá o tom à pele são células chamadas cromatóforos, que liberam as substâncias corantes.
Pirata dos haréns
Os lagartos Uta stansburiana, da América do Norte, usam curiosa estratégia de abordagem. Os machos de garganta laranja, têm um território grande, com muitas parceiras, mas difícil de defender. Os azuis cercam uma área pequena, para um só casal, de fácil proteção. E os amarelos são piratas: assaltam os haréns rivais. Quando uma variedade está crescendo demais, a estratégia do outro se torna mais eficaz. Assim, as três variedades conseguem manter o equilíbrio populacional.