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Savanização de florestas no Brasil impactará centenas de espécies de animais

Processo obriga mamíferos "especialistas", que vivem em ambientes de mata fechada, a disputar espaço e alimento com espécies típicas do cerrado.

Por Guilherme Eler
Atualizado em 4 nov 2020, 11h37 - Publicado em 30 out 2020, 21h28

O aumento das temperaturas, o desmatamento e as queimadas ilegais servem como motor para um processo conhecido como savanização. Nesse cenário, espécies de plantas e animais típicas de ambientes mais secos começam a avançar sobre áreas de floresta degradadas, onde antes existia mata tropical fechada.

No Brasil, “savana” tem outro nome: cerrado, bioma de clima seco, vegetação mais baixa e mais esparsa. A savanização, portanto, faz com que áreas de cerrado que fazem fronteira com florestas mudem de cara, assumindo características que não deveriam estar ali.

“Já existe uma tendência de ‘savanização’ da vegetação da Amazônia, com árvores de floresta sendo substituídas por árvores que tolerem seca, altas temperaturas e fogo”, explicou em entrevista à SUPER Lilian Sales, bióloga e pesquisadora da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Um novo estudo, chefiado por Sales em parceria com cientistas brasileiros, mostrou que essas mudanças não se restringem à flora. Para além da vegetação, a savanização de florestas brasileiras pode impactar, já nos próximos anos, a distribuição de animais acostumados a florestas fechadas.

“O que nós mostramos é que uma parte da fauna do cerrado, que geralmente tolera ambientes mais abertos e secos, poderá invadir regiões de floresta degradada e ‘savanizada’. Esses animais vindos do cerrado vão competir com a fauna da floresta pelos já escassos recursos”, explica.

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De acordo com o estudo, publicado na revista científica Global Change Biology, a lista de animais que deve sofrer reduções na distribuição inclui primatas da Amazônia e Mata Atlântica, além de esquilos e roedores que dependem de árvores ou ambientes mais fechados.

“Essas espécies necessitam das árvores para se deslocar (no caso de primatas que raramente descem ao chão, por exemplo) ou se alimentam de frutos que são mais abundantes em florestas – ou, ainda, necessitam de abrigos nas árvores”, diz Mathias Pires, biólogo da Unicamp e co-autor do estudo. “Assim, se a floresta é reduzida, eles também têm sua distribuição reduzida”.

Para a pesquisa, o grupo selecionou 349 espécies de mamíferos da América do Sul, que têm informações como habitat e comportamento bastante conhecidas pela ciência. Sabendo a localidade onde uma espécie de roedor, por exemplo, costuma viver, cientistas sabem dizer que características climáticas do ambiente – como temperatura e regime de chuvas, por exemplo – são suas preferidas.

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O passo seguinte é usar esses dados para criar “mapas de adequabilidade ambiental”. Em resumo, o que esses mapas fazem é projetar se um habitat terá ou não os traços ideais para uma espécie nos próximos anos, baseado em como o clima daquela região estará no futuro. Assim, dá para saber se um animal será forçado a procurar um novo local para viver, expandindo sua distribuição para áreas onde ele não costumava dar as caras.

A partir disso, pesquisadores descobriram que a distribuição de espécies relacionadas à savana aumentará entre 11% a 30% até o final do século 21. Isso significa que bichos do cerrado devem aparecer com mais frequência em biomas como a floresta amazônica e a Mata Atlântica – e populações de animais de florestas passarão a ocupar áreas menores. No artigo científico, o grupo destaca que 219 animais especialistas devem ter sua distribuição reduzida.

“Mais importante do que pensar em reverter o processo de savanização é atuar sobre suas causas principais, com ações para mitigação das mudanças climáticas, uso de técnicas agrícolas que não incluam o fogo e supressão do desmatamento”, diz Sales.

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