Silvio Santos foi a inspiração para o Dr. Abobrinha, o vilão de “Castelo-Rá-Tim-Bum”
A disputa judicial entre o apresentador e a trupe do Teatro Oficina por um terreno no Bixiga, em São Paulo, é o pano de fundo da criação do personagem
Os fãs de Castelo Rá-Tim-Bum, o clássico da TV Cultura exibido originalmente nos anos 1990 (e reprisado desde então), certamente se lembram de Doutor Abobrinha. O vilão da trama é um corretor imobiliário obcecado em comprar o castelo e construir, em seu lugar, um prédio de cem andares.
O que pouca gente sabe, porém, é a inspiração inusitada por trás do personagem: ninguém mais ninguém menos do que o apresentador Silvio Santos, que morreu no último sábado (17) aos 93 anos.
Na vida real, Silvio passou décadas em disputa por um terreno vizinho ao Teatro Oficina, no bairro Bixiga, em São Paulo. O diretor José Celso Martinez Corrêa (Zé Celso), criador do teatro, se opunha aos planos de Silvio para o terreno de 11 mil metros quadrados: construir um shopping ou três torres residenciais.
A trupe de teatro sempre defendeu que as construções atrapalhariam o projeto original do teatro, que foi projetado por Lina Bo Bardi e Edson Elito e tem uma grande parede de vidro com vista para o bairro.
Zé Celso lutou para que o terreno fosse transformado em um parque com teatro de arena, mas morreu em 2023, aos 86 anos, sem ver o caso resolvido.
Certo, mas o que isso tem a ver com o Castelo Rá-Tim-Bum?
“Será meu, meu, meu!”
Essa história é contada no livro Raios e trovões, em que o jornalista Bruno Capelas conta bastidores da produção do Castelo – um dos programs infanto-juvenis mais importantes da TV brasileira.
O ator que interpretou Doutor Abobrinha, Pascoal da Conceição, fazia parte da trupe do Teatro Oficina e era amigo de Zé Celso. Embora não tenha criado a história do personagem do zero, quando descobriu que Abobrinha era um corretor interessado em comprar um castelo, Conceição deu a ele traços de seu adversário na vida real, Silvio Santos.
“Disseram que ele era um cara que queria derrubar o Castelo para fazer um estacionamento e um prédio de cem andares. A-há! Essa história eu já conhecia”, conta Conceição no livro.
Foi daí que vieram trejeitos efusivos do Dr. Abobrinha, como o tradicional bordão “Um dia esse castelo vai ser meu, meu, meu!”, que ele soltava ao fim de cada plano frustrado.
Entretanto, a inspiração não foi intencional, pelo menos de início. No livro, Conceição conta ainda: “Só percebi que tinha feito o Dr. Abobrinha inspirado no Silvio Santos anos depois, quando o Zé Celso me disse. Se você quer entender seu inimigo, tem de amá-lo primeiro.”
Mesmo anos depois do fim do programa, Conceição ainda se caracteriza de Doutor Abobrinha para participar de protestos contra a especulação imobiliária e em defesa do Plano Diretor da cidade. O seu personagem virou um ícone reconhecível por toda uma geração.
Mesmo após a morte de Zé Celso e de Silvio, a disputa continua. O terreno foi comprado recentemente pela prefeitura por R milhões e deve virar um parque, mas os vereadores da capital paulista disputam qual vai ser o nome.
Agora, a Câmara Municipal carrega o legado da disputa: existem pelo menos três propostas de diferentes nomes, duas homenageando Zé Celso e uma homenageando Silvio.