Tubarão branco: O monstro corre perigo de desaparecer
O maior predador do planeta está correndo o risco de desaparecer e os cientistas estão tentando protegê-lo da extinção.
Vanessa de Sá, Jennifer Skipp
Maior predador do planeta, o tubarão branco é uma tremenda máquina de matar, com um peso de quase duas toneladas e até oito metros de comprimento. Equipado com dentes superafiados e centenas de sensores elétricos espalhados pela parte frontal do corpo, o bicho é um exterminador. Mas está ameaçado de extinção. Os cientistas enfrentam o desafio de tentar protegê-lo para não deixar desaparecer uma espécie que tem mais de 60 milhões de anos e é o ápice da cadeia alimentar dos oceanos.
Por Vanessa de Sá, com Jennifer Skipp
De todos os animais do planeta, nenhum é mais perigoso e temível que o tubarão branco. “Ele é impressionante, o maior predador dos oceanos”, diz o biólogo Leonard Compagno, do Museu da África do Sul. “Tem dimensão equivalente à da orca, mas tem dentes mais afiados e está mais bem armado do que ela. Portanto, é melhor predador”. Foi por causa do medo que ele provoca no homem que passou a ser apelidado de A Grande Morte Branca, desde o final do século passado, apesar de só ser branco na parte de baixo do corpo. O dorso é cinza. O pavor é compreensível e justificado. “O branco é muito individualista e instável, mudando de comportamento a toda hora. E alguns indivíduos podem se tornar muito agressivos” diz o biólogo Craig Ferreira, do Instituto de Pesquisa do Tubarão Branco, na Cidade do Cabo, África do Sul.
Uma das suas armas mais poderosas são centenas de sensores elétricos dispostos na parte frontal do corpo, com os quais capta até as batidas cardíacas de um outro animal à distância. Então, pelo ritmo das pulsações, ele avalia se a vítima potencial está assustada ou tensa, situação em que pode ser dominada mais facilmente. O bote também é uma cena única. A Grande Morte é capaz de projetar a boca para fora da face, aumentando o o tamanho da mordida para perto de um metro e meio, quase o suficiente para engolir um homem em pé.
Apesar de seu tamanho, força e ferocidade, o monstro está ameçado. No ano passado, uma das mais importantes organizações ambientalistas do mundo, a União Internacional pela Conservação da Natureza, sediada em Londres, colocou o branco no livro vermelho de espécies em risco de extinção. Por telefone, a arqueóloga marinha Marie Levine, do Instituto de Pesquisas sobre Tubarões da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, explicou à SUPER que a medida foi tomada por três motivos. Primeiro, o branco é naturalmente raro. Além disso, gera apenas um ou dois filhotes por vez. Tem uma das mais baixas taxas de procriação entre os peixes. Por último, é perseguido tanto por aqueles que se orgulham de enfrentar um animal perigoso, como por aqueles que o temem.
Por isso, muitos cientistas acreditam que a espécie pode desaparecer. “Há uns cinco anos era comum encontrar fêmeas em idade de procriar, com mais de cinco metros de comprimento”, afirma Craig Ferreira. “Hoje, a média de tamanho não chega a 4 metros. As fêmeas adultas são raras.” Mergulhadores e pescadores concordam. “Eles dizem que há dez anos um barco costumava puxar nas redes cinco tubarões brancos, entre grandes e pequenos, na costa oeste dos Estados Unidos”, conta Marie Levine. “Agora, nem os pequenos aparecem”.
A despeito de toda a sua ferocidade, o tubarão branco precisa ser protegido. A ciência ainda sabe muito pouco sobre esse formidável organismo, tão bem adaptado que quase não se alterou nos últimos 60 milhões de anos. Os pesquisadores ficam especialmente impressionados com o seu sexto sentido, a chamada eletrorrecepção, por meio da qual detecta minúsculos campos elétricos gerados pelo organismo dos outros animais. Esses campos são milhares de vezes menores do que os que são produzidos quando se liga um ferro de passar à tomada de 110 volts. Mesmo assim, o branco é capaz de senti-los a dezenas de metros.
E a eletrorrecepção é apenas um dos seus muitos órgãos sensoriais. Eles são tão sofisticados que os cientistas costumam comparar o tubarão a um computador aquático. É que seu cérebro, embora relativamente pequeno, possui ramificações que se estendem por todo o corpo, controlando a parafernália de sentidos
Outra razão para se estudar o branco é a sua importância como principal predador dos oceanos. Como o ápice da cadeia alimentar, ele, de uma maneira ou de outra, influencia todos os níveis inferiores. Antes de mais nada, controla a população de focas e leões marinhos, suas presas favoritas. Se ele desaparecer, as populações desses animais tendem a crescer e a consumir mais peixes. Logo, o número de peixes tende a cair. A reação em cadeia, pelo menos em princípio, pode chegar às algas do plâncton, minúsculos organismos que, em quantidade imensa, produzem a maior parte do oxigênio da atmosfera. Os desequilíbrios decorrentes daí são imprevisíveis. “Sem o branco, os oceanos estarão doentes”, afirma Marie Levine.
O problema é que, além da perseguição, há razões naturais para que ele seja um bicho raro. Uma das estratégias mais impressionantes que usa para manter o status de ápice da cadeia alimentar é aquilo que os cientistas chamam de canibalismo intra-uterino. Os embriões começam a competir já dentro do útero, comendo seus irmãos ali mesmo. Esse comportamento faz com que nasçam poucos filhotes, mas fortes e grandes o suficiente para reprimir a tentativa de outros animais de predá-los.
Essa escassez programada de tuba-
rões brancos é reforçada pelo fato de que esse tipo de peixe, dotado de esqueleto cartilaginoso, têm um modo de reprodução, a chamada estratégia k, que os torna pouco férteis. Os espermatozóides do macho têm que ser introduzidos no corpo da fêmea e poucos óvulos são fecundados. Na maior parte dos peixes, tanto os machos como as fêmeas expelem as células sexuais para o mar. Com a mistura, muitos óvulos são fecundados. Os espermatozóides de tubarão, comparativamente, produzem muito menos embriões.
Um peixe de águas tropicais, segundo se imaginava há algum tempo, o tubarão branco mostrou que gosta mesmo é do frio. Os cientistas têm verificado nos últimos anos que ele circula principalmente em regiões próximas das correntes frias e temperadas do planeta. A partir daí, nada para as áreas de procriação das focas e leões marinhos, que se situam em águas rasas, perto das praias de clima temperado e semitropical. São os campos de caça do branco, e quase tudo o que se sabe sobre suas andanças pelo mundo veio das observações nesses lugares.
O resto do oceano continua sendo uma incógnita. Ninguém sabe, por exemplo, onde o branco se acasala e quais são os seus hábitos de procriação. Também não se conhecem muito bem as suas relações com outros moradores do mar. Uma questão curiosa, a esse respeito, é a ausência do bicho nas águas ao sul do Brasil e na Patagônia, onde existem correntes frias e grandes concentrações de focas e leões marinhos. Talvez seja por respeito a outro grande predador, a baleia orca, muito comum nessa última região. Se ficar confirmada, essa hipótese significa que os dois gigantes fazem uma divisão de território. “Orcas e tubarões brancos disputam os mesmos alimentos”, diz o biólogo brasileiro Otto Gadig. “Não é conveniente para nenhum dos dois circular nos mesmos ambientes”.
Devido a essas lacunas no conhecimento, a meta prioritária dos cientistas é seguir os passos do branco até onde for possível. Para isso, precisam prender em cada tubarão uma etiqueta de identificação. É uma tarefa perigosa, mas existe quem se arrisque. Tendo muitíssima coragem, dá até para mergulhar com o monstro sem proteção nenhuma. Claro, não é assim que ele vai ser estudado: para prender as etiquetas com arame em uma de suas barbatanas, os cientistas ataem o bicho com uma isca e, quando ele salta, colocam a etiqueta usando uma pequena lança. “Mas eu conheço diversos mergulhares que encontraram o branco e nada aconteceu”, diz o especialista Leonard Compagno.
“É verdade”, confirma Craig Ferrreira. Ele conta que, no ano passado, uma das grades de aço se soltou por estar com defeito, e um macho de 3,5 metros entrou na jaula. Ficou cerca de 1 minuto. Por sorte, o mergulhador manteve a calma e escapou ileso. Fatos assim são as primeiras pistas concretas a respeito do comportamento do bicho e mostram que nem todos os indivíduos da espécie são automaticamente violentos, como se pensava. Os mais ferozes não esperam 1 segundo para saltar sobre uma isca. A maioria demora vários minutos, às vezes até 2 horas, antes de tomar uma decisão. “O teste com a isca, aliás, é uma das técnicas que usamos para saber se podemos descer sem gaiola”, revela Ferreira.
Ele tinha 24 metros de comprimento, apenas 6 metros a menos que o maior animal de todos os tempos, a grande baleia azul. Seus dentes, com 15 centímetros de comprimento, provavelmente poderiam mastigar um carro inteiro. Nome científico, Carcharodon megalodon. Época em que viveu: até 50 milhões de anos atrás. Foi contemporâneo, portanto, dos primeiros tubarões brancos, que deveriam parecer anões perto desse tio descomunal.
O carcarodonte representa o auge da evolução dos tubarões em termos de tamanho. Mas ele está quase tão longe quanto o branco da origem de sua família, cuja raiz tem cerca de 400 milhões de anos. Nessa época, somente os insetos andavam ou voavam sobre a terra firme, pois os continentes ainda não haviam sido ocupados por nenhum vertebrado, nenhum animal dotado de ossos. Os únicos vertebrados existentes eram os peixes, e, mesmo assim, representavam uma expe-
riência relativamente recente da natureza. Haviam surgido pouco mais de 100 milhões de anos antes. Entre eles, por volta de 400 milhões de anos atrás, surgiu uma categoria nova, que trazia como marca registrada uma modificação curiosa no esqueleto: em vez de ossos dentro do corpo, tinham cartilagens resistentes e flexíveis.
O tronco dos peixes cartilaginosos produziu três grandes ramos. O mais primitivo reunia os chamados peixes holocéfalos, cujos descendentes, as quimeras, ainda nadam pelos mares (veja o infográfico acima). O segundo ramo foi o das raias, o mais numeroso de todos. Atualmente, há quase 400 espécies de raias de água salgada e doce. Finalmente, apareceram os tubarões, o ramo mais moderno dos peixes de cartilagem. A partir daí, eles evoluíram lentamente, modificando muito pouca coisa em seus modelos originais.
As espécies atuais surgiram há 130 milhões de anos, quando os dinossauros já entravam em declínio. Os cientistas acreditam que tenha sido nesse período que os tubarões conseguiram o status de maiores predadores dos mares. O motivo é que se nota, ao longo de sua evolução, uma tendência ao crescimento. Em conseqüência, cada vez menos animais eram capazes de caçar tubarões para comer, e eles galgaram degraus na cadeia alimentar. O carcarodonte, e o branco posteriormente, seriam resultado dessa tendência ao gigantismo. Ambos são classificados num gênero que já teve mais três espécies, hoje extintas. Se o branco desaparecer, sua linhagem acabará. Assim como o precioso patrimônio genético que essa linhagem representa.
Para saber mais:
A vida na pista de alta velocidade
(SUPER número 2,ano 8)
A vítima que virou amigo
O mergulhador australiano Rodney Fox, hoje com 56 anos, tem uma trajetória peculiar. Em 1970, depois de ser atacado por um tubarão branco e sofrer perfurações no pulmão e dilacerações em vários outros órgãos, ele foi convidado para uma expedição de revanche. Não apenas aceitou, matando vários animais, como em seguida participou de um filme que os tratava como monstros que não mereciam contemplação. O nome do filme copiava o antigo e tenebroso apelido do tubarão: A Grande Morte Branca. Mas, daí para a frente, depois de observá-lo muitas vezes no mar, Fox ficou fascinado pela beleza e pelo poder do grande predador. Percebeu, também, o quanto ele era importante para o equilíbrio ecológico de seu ambiente. Hoje, o ex-esportista encabeça um movimento pela proteção do tubarão branco e organiza a maior parte das expedições australianas (cerca de cinco por ano) com o objetivo de admirá-lo no mar. Foi Fox, também, que desenvolveu as gaiolas de aço usadas nessas expedições e pelos cientistas em suas pesquisas.
Na bagagem dos expedicionários não pode faltar uma boa dose de paciência e sorte. Mas não é só de sorte que vivem os loucos que saem em busca do branco. É preciso método e dinheiro: no sistema desenvolvido por Fox e seu filho, o tubarão é atraído por iscas lançadas ao mar durante dez dias ininterruptos. A quantidade de isca chega a exigir 1 500 quilos de peixe, sangue e óleo de atum. Este ano, o cinegrafista Lawrence Wahba tornou-se o primeiro brasileiro a filmar o tubarão branco. Foi em março, numa expedição a bordo do barco de Fox, o Falie, com um único objetivo: ver de perto o maior predador dos mares.