5 pontos estranhos na chamada “crise dos OVNIs”
Nas últimas 72 horas, os EUA abateram três objetos voadores não identificados. Por que os americanos não divulgaram imagens das interceptações? E por que, ao contrário de OVNIs anteriores, esses foram tão fáceis de derrubar?
Nas últimas 72 horas, os EUA abateram três objetos voadores não identificados. Por que os americanos não divulgaram imagens das interceptações? E por que, ao contrário de OVNIs anteriores, esses foram tão fáceis de derrubar?
Tudo começou com um balão chinês, que atravessou o território dos EUA por vários dias até ser abatido em 4/fevereiro. Para os americanos, tratava-se de um objeto de espionagem; a China, que admitiu ser dona dele, disse que era apenas um balão meteorológico perdido. O assunto parecia superado até que, nos últimos dias, houve mais três aparições de objetos voadores não-identificados (OVNIs) sobre a América do Norte: um no Alasca, dia 10; outro no Canadá, dia 11; e um terceiro perto do Lago Huron, no nordeste dos EUA, ontem (dia 12).
Os três foram abatidos por caças americanos. A sequência de aparições, bastante intrigante, detonou uma série de especulações. Ontem, em entrevista coletiva, o general Glen VanHerck, da Aeronáutica dos EUA, disse que não podia descartar uma possível origem alienígena dos três objetos. “Estamos nos referindo a eles como ‘objetos’, e não como ‘balões’, por um motivo”, afirmou. Os americanos não divulgaram, até agora, imagens dos objetos – que certamente foram filmados pelas câmeras e sensores dos caças F-16 e F-22 usados nas interceptações.
No domingo, o jornal estatal chinês Global Times publicou um tuíte relatando o suposto avistamento de um objeto não-identificado em Rizhao, na costa leste do país, que estaria prestes a ser abatido. Porém, isso não foi confirmado. Hoje, o Global Times publicou uma reportagem afirmando que os EUA invadiram o espaço aéreo chinês, com balões de espionagem, mais de 10 vezes desde janeiro de 2022.
As tensões entre EUA e China, que já eram grandes por causa de Taiwan, subiram um degrau com a chamada “crise dos OVNIs”. Mas nela há várias pontas soltas, incluindo coisas que parecem não fazer sentido. Vamos a elas.
1. O que a China teria a ganhar com tantos balões?
O país já possui satélites de espionagem capazes de enxergar o território americano. Ok, ela está bem atrás dos EUA nos satélites de órbita baixa (LEO), que são os melhores para isso (porque orbitam mais perto da Terra, a 500 km em média, contra os 20 mil km dos satélites GPS e os 35 mil km dos satélites geoestacionários, que transmitem sinais de TV).
Enquanto a Starlink, americana, já opera mais de 3.000 satélites de órbita baixa, os chineses ainda estão começando: em maio de 2022, lançaram três satélites LEO, seguidos por mais nove em junho. Eram satélites civis, como os Starlink. Mas nada impede que sejam utilizados para espionagem (o que, naturalmente, também vale para os Starlink). A China também tem alguns satélites polares, que orbitam a 1.000 km – e conseguem enxergar qualquer objeto, em terra, que meça pelo menos 25 centímetros.
Em suma: o país está conseguindo avançar nos satélites de órbitas baixas. Em tese, não precisaria se expor ao risco geopolítico de enviar balões, lentos e facilmente detectáveis, para espionar o território americano. Se ela quiser tirar fotos, em alta resolução, pode fazer isso com seus satélites.
Talvez os balões sejam capazes de observações que os satélites não conseguem (como detecção de infravermelho e sinais eletromagnéticos, ou análises da composição da atmosfera, por exemplo). Mas a equação risco/benefício desse método de espionagem parece bem ruim.
2. Por que cada objeto tem um formato distinto – e diferente do primeiro balão?
Segundo Anita Anand, ministra de Defesa do Canadá, o objeto não-identificado abatido no céu do país tinha formato cilíndrico. Já o do Lago Huron, nos EUA, era octagonal, disse um oficial americano não-identificado à emissora CNN. (Os EUA não informaram o formato do objeto derrubado no Alasca, dizendo apenas que “não era uma aeronave propriamente dita”.)
Cilindro e octágono são formatos totalmente diferentes do balão chinês, uma bola de aproximadamente 30 metros de diâmetro. O objeto octagonal até pode ter algum parentesco com um balão -segundo o oficial ouvido pela CNN, havia cordas penduradas nele-, mas e o de formato cilíndrico? Por que a China enviaria objetos de espionagem tão diferentes, e todos ao mesmo tempo?
3. Por que os objetos foram tão fáceis de abater?
Em 2021, o Pentágono publicou um relatório sobre 144 avistamentos de objetos voadores não-identificados ao longo de 15 anos. Antes, em 2019, alguém vazou três vídeos, gravados por navios militares e caças americanos, que mostram objetos fazendo manobras estranhas, aparentemente impossíveis do ponto de vista aerodinâmico, e desaparecendo. Na época, os EUA confirmaram a autenticidade dos vídeos – leia mais sobre eles nesta reportagem da Super.
No Brasil, houve a chamada “noite dos discos voadores”, 19 de maio de 1986, quando caças da Aeronáutica perseguiram uma série de objetos não-identificados nos céus do País, mas não conseguiram acompanhar sua velocidade e trajetória. O episódio é descrito em documentos militares só revelados em 2013 – quando a Super foi ao Arquivo Nacional, em Brasília, e obteve 2.600 páginas de registros oficiais sobre aparições de OVNIs no Brasil entre 1952 e 2010 – incluindo a noite dos discos voadores.
O ponto é: OVNIs costumam ser muito difíceis de acompanhar, quanto mais abater. Mas os objetos dos últimos dias aparentemente não eram assim. O que foi derrubado no Alasca estava voando extremamente devagar, entre 20 e 40 milhas por hora (32 a 64 km/h). Dos três, ele é o que parece ter maior chance de realmente ser um balão.
4. Por que os EUA não mostram os destroços ou vídeo dos abatimentos?
O balão chinês abatido em 4 de fevereiro foi derrubado quando estava sobre o mar, na costa da Carolina do Sul. Os americanos dizem ter coletado os destroços, que foram enviados ao FBI. A agência divulgou uma suposta foto deles, cobertos por panos brancos (veja acima), e só. Não mostrou nada, nem entrou em detalhes.
Isso é estranho. Os EUA só teriam a ganhar, geopoliticamente, revelando provas de que aquilo realmente era um balão de espionagem chinês. Não haveria motivos para esconder os destroços – inclusive porque, na foto, agentes do FBI os manuseiam sem nenhum tipo de roupa de proteção (o que descarta a hipótese de se tratar de um objeto extraterrestre).
Com os outros dois objetos, é diferente. Se eles tiverem demonstrado características estranhas, como sustentação aerodinâmica ou capacidade de propulsão incomuns, os EUA poderiam optar por não divulgar as imagens, por várias razões: evitar tumulto na opinião pública (se os objetos forem de origem desconhecida), evitar que a China (caso seja ela a dona dos objetos) seja vista como detentora de tecnologias avançadas, ou impedir que outros países tenham acesso a informações úteis e que possam ser usadas para tentar copiar alguma tecnologia presente nos objetos.
Mas talvez eles tenham origens prosaicas. Mesmo o “cilindro” abatido no céu do Canadá pode ser apenas um reles dirigível. Isso torna o silêncio dos EUA especialmente intrigante.
5. Por que as aparições se concentram nos EUA? E por que justo agora?
Tanto o balão chinês quanto as três aparições dos últimos dias aconteceram em território americano, ou quase (a do Canadá foi no Yukon, estado que faz fronteira com o Alasca). O suposto OVNI visto na China tem cara de invenção, já que o próprio Global Times passou a ignorar o assunto (também houve um suposto avistamento no Uruguai, mas ele é menos crível, pois teria sido relatado por civis).
Ou seja: os incidentes estão concentrados nos EUA. Por que? Se existisse uma civilização alienígena, e ela enviasse sondas para a Terra, porque só daria atenção aos Estados Unidos?
Nas redes sociais, há quem acredite que o caso é uma manobra para tentar desviar a atenção da opinião pública do desastre ambiental de East Palestine, em Ohio, onde um trem cheio de produtos químicos descarrilhou (e as autoridades, algo estranhamente, decidiram queimar os produtos derramados).
Ou uma tentativa de abafar a repercussão da reportagem de Seymour Hersh, um dos jornalistas mais importantes dos EUA (ele revelou o massacre de My Lai, na Guerra do Vietnã, e as torturas na base militar de Abu Ghraib), acusando os Estados Unidos de terem explodido o gasoduto Nord Stream, que conecta a Rússia à Alemanha.
Bobagem. Os dois casos já estavam saindo do zeitgeist (os moradores de East Palestine estão voltando a suas casas, e a matéria de Hersh foi criticada por se basear em uma única fonte). Não faria sentido orquestrar, ou exagerar, uma série de avistamentos para encobri-los.
Há uma explicação mais plausível. Após o caso do balão chinês, o NORAD (North American Aerospace Defense Command), comando militar que vigia os céus americanos, aumentou a sensibilidade dos seus radares. Seria por isso, e não por razões anormais, que os EUA teriam passado a detectar muito mais objetos – revelando um fluxo de objetos de espionagem que talvez seja rotineiro entre as superpotências.
Mas talvez os objetos tenham outra origem, mais obscura. O mundo saberá nas próximas horas, dias, semanas, quando as autoridades americanas divulgarem informações a respeito. Ou, se a Casa Branca decidir não fazer isso, nunca.