Arquitetas da natureza: Cada espécie de abelha constrói favo em formato único
Os ninhos podem ter forma de cacho, ser horizontais ou espirais. Um novo estudo mostrou o que motiva esses padrões.
Por Ricardo Caliari Oliveira, pesquisador da Universidade Autônoma de Barcelona.
As abelhas sociais, que vivem em colônias, constroem seus ninhos a partir de uma mistura de resinas de plantas e cera produzidas por elas mesmas. Esses ninhos armazenam alimento e abrigam a próxima geração de abelhas.
Geralmente, cada espécie constrói seu ninho utilizando uma arquitetura única. Pense, por exemplo, nos favos de mel que consumimos. Essa estrutura com células hexagonais é produzida pela abelha melífera. Salvo algumas variações acidentais, a estrutura se mantém mais ou menos igual em todas as colônias da mesma espécie.
As abelhas sem ferrão brasileiras vão além. Existem espécies que produzem belíssimos favos em cachos, horizontais e paralelos, estruturas helicoidais (em espiral), dentre outras. A maioria delas emprega uma única arquitetura, mas algumas espécies de abelhas sem ferrão, como a Scaptotrigona depilis, apresentam variação entre dois estilos de construção bastante distintos: em paralelo e helicoidal.
Por que existem esses dois estilos arquitetônicos? Será que existe algum mecanismo genético responsável por indicar às abelhas como elas devem construir seus ninhos? Ou talvez alguma característica do ambiente, como altas temperaturas, as faria optar por um ou outro estilo?
Nosso estudo realizado na Embrapa Meio Ambiente em Jaguariúna, São Paulo, reuniu um grupo de pesquisadores da Bélgica, Espanha e Brasil para desvendar esse mistério da natureza.
Após realizar uma série de experimentos, vimos que abelhas transferidas de um tipo de ninho para outro adaptavam rapidamente seu estilo de construção. Isso exclui a possibilidade de um mecanismo genético ou experiência prévia. Também excluímos fatores ambientais, como temperatura, posição dos ninhos e época do ano.
Em vez disso, o que os resultados demonstram é que as abelhas utilizam a estrutura do favo existente para orientar a construção subsequente. Isso significa que o próprio favo funciona como um guia, transmitindo as tradições de construção de ninhos através das gerações de abelhas. Este é um processo natural de coordenação indireta chamado estigmergia, que pode gerar estruturas complexas a partir de regras simples. Ou seja, as abelhas não precisam de um diagrama para projetar seus ninhos.
A estigmergia é amplamente encontrada na natureza, de bactérias a humanos, mas é mais bem estudada nos chamados insetos sociais: abelhas, formigas, vespas e cupins. Os cupinzeiros, por exemplo, são construídos a partir de regras bastante simples como pequenas variações de umidade, geometria da superfície ou deposição de feromônios por companheiros de ninho, resultando em impressionantes obras de engenharia. As trilhas que formigas utilizam para buscar alimentos para a colônia são também um exemplo de estigmergia, formando uma rede complexa a partir de um mecanismo relativamente simples de deposição de feromônios.
Confirmamos essa hipótese induzindo artificialmente a mudança no tipo de construção. Transformamos um favo que era originalmente paralelo em helicoidal – e as abelhas prontamente mudaram o estilo de construção. Por fim, confirmamos que os ninhos helicoidais são mais raros na natureza, assim como a taxa com que as abelhas mudam sua arquitetura de um estilo para outro.
Esses resultados nos levam a pensar em novas perguntas: qual fator impulsiona a mudança entre estilos? As abelhas realmente aprendem diferentes estilos umas com as outras, ou utilizam regras simples de construção pré-programadas? Estas são excelentes perguntas para o futuro.
De toda forma, o estudo fornece um forte argumento para o papel da estigmergia na transmissão indireta de padrões de arquitetura de ninhos, mostrando que mesmo espécies com capacidades cognitivas mais simples, como abelhas sem ferrão, mantêm tradições comportamentais persistentes.
Enquanto nos maravilhamos com as estruturas intricadas das abelhas, não podemos deixar de imaginar o que os grandes arquitetos como Victor Horta, Antoni Gaudí e Oscar Niemeyer pensariam diante da engenhosidade dessas pequenas artesãs. O que é certo é que elas nos deixam em contínuo espanto, inspirando um olhar mais de perto, nos convidando a pensar mais profundamente e apreciar a arte que nos rodeia nos lugares mais inesperados.