Existem terremotos no Brasil. Saiba onde e por que eles acontecem
Dizer que o Brasil está livre de abalos sísmicos é mito. Conheça o histórico de terremotos no país.
Este é o décimo oitavo texto do blog Deriva Continental, escrito por Carlos César Uchôa de Lima e Aderson Farias do Nascimento
Ao contrário do que muita gente pensa, existem, sim, tremores de terra no Brasil. Até meados da década de 1970, os terremotos no Brasil eram comumente atribuídos à “acomodação de terra”, ou eram vistos como consequência de tremores em países vizinhos, como Peru e Argentina. Esses tipos de terremotos até acontecem, mas a maioria dos eventos sísmicos no Brasil está associada ao acúmulo de energia no interior da placa Sul Americana. Essa energia pode provocar a reativação de antigas falhas geológicas ou, mais raramente, formar novas falhas que dissipam a energia acumulada, provocando os terremotos.
Mas afinal, o que é uma falha geológica? Em geologia, “falha” é uma fratura na rocha, onde há um movimento relativo entre os blocos rochosos fraturados. O local onde há o rompimento do bloco e liberação de energia é o foco do terremoto. Se desenharmos uma linha vertical a partir do foco, o ponto que toca a superfície é denominado epicentro. A energia liberada gera ondas sísmicas que, quando atingem a superfície, provocam tremores de terra.
Um exemplo muito conhecido de falha geológica está em Salvador, na Bahia. Você provavelmente conhece o elevador Lacerda, que une as conhecidas cidade alta e cidade baixa. Mas você sabe o que explica esse desnível de relevo? Há aproximadamente 140 milhões de anos, quando a América do Sul começou a se separar da África, um bloco rochoso desceu em relação a outro, formando a Falha de Salvador. Isso aconteceu ao longo de milhões de anos.
Além de reativar falhas já existentes, já que elas constituem zonas de fraqueza das rochas, o acúmulo de energia provocado pela movimentação das placas tectônicas pode originar novas falhas, fazendo com que aconteçam terremotos – como é o caso da falha de Samambaia em João Câmara, no Rio Grande do Norte.
Medindo os terremotos
Há duas maneiras clássicas de medir o “tamanho” de um terremoto. Mas antes de explicá-las, é necessário distinguir os conceitos de magnitude e intensidade sísmica. Embora as duas informem a respeito do poder destrutivo de um terremoto, elas são coisas diferentes.
Magnitude sísmica é uma medida da energia desprendida por um terremoto. Portanto, é esperado que um terremoto, independente do local em que seja medido, possua aproximadamente a mesma magnitude.
O conceito de magnitude sísmica foi introduzido em 1935 por Charles Richter e Beno Gutenberg. Eles adaptaram o conceito de magnitude do brilho das estrelas aos terremotos, o que deu origem à famosa Escala Richter. A magnitude zero é definida com base em um terremoto que ocorreu na Califórnia, provocando uma amplitude sísmica de 1,0 mm, distando 100 km do epicentro. O intuito era evitar magnitudes negativas – mas com o desenvolvimento da instrumentação, os sensores ficaram cada vez mais sensíveis, sendo possível registrar terremotos muito pequenos que podem, sim, ter magnitude negativa. A escala Richter não possui limites inferiores, ou superiores.
A intensidade sísmica, por sua vez, mede os danos físicos ocasionados pelo terremoto. Ela é uma medida qualitativa baseada no efeito causado nas pessoas, estruturas e na paisagem (solo e rios, por exemplo). A escala utilizada é a de Mercalli modificada. Ao contrário da magnitude, ela pode apresentar valores diferentes em distintas localidades para o mesmo terremoto. Em registros históricos de terremotos, apenas a descrição dos seus efeitos está disponível e, portanto, a intensidade (e em vários casos, a localização) pode ser estimada.
Situações em que ocorrem os tremores de terra no Brasil
– Acomodação de terra: Esse tipo de ocorrência é mais comum em terrenos onde a água subterrânea atua em rochas que se dissolvem mais facilmente – por exemplo, os calcários. A passagem da água subterrânea cria espaços vazios nessas rochas, originando as cavernas. Com o passar do tempo, a tendência é que essa água se aprofunde no terreno, fazendo com que as cavernas (antes preenchidas por água) fiquem parcial ou totalmente vazias. Isso provoca o desabamento do teto da caverna e, consequentemente, o tremor na superfície do terreno. Em geral, esse tipo de tremor se limita a áreas menores e possuem baixa magnitude. Vale lembrar que a exploração exagerada de água subterrânea nessas áreas pode acelerar esse processo.
– Proximidade com os países andinos: Os tremores de terra desse tipo são mais comuns nos estados que fazem divisa com os demais países da América do Sul. Isso porque a borda oeste da América do Sul está bem próxima da zona de convergência entre a placa Sul Americana (onde está o Brasil) e a placa de Nazca, que está sob o oceano Pacífico.
A placa de Nazca, por ser composta por rochas mais densas, penetra sob a placa Sul Americana e, à medida que desce, pode acumular e liberar energia. O foco desses abalos pode variar de 0 a mais 700 km de profundidade..
Por isso que terremotos com epicentro na Argentina podem ser sentidos em cidades brasileiras, como foi o caso do tremor de terra relatado por alguns moradores de São Paulo, no dia 10 de maio de 2022. O foco, além de profundo, também pode estar sob território brasileiro. Foi o que aconteceu mais recentemente, no dia 07 de junho de 2022, quando um terremoto de magnitude 6,5 atingiu o estado do Acre.
– Acúmulo de energia intraplaca: Apesar de os terremotos se concentrarem mais nos limites das placas, muita energia pode se acumular no interior delas, já que o deslocamento atinge toda a placa. Além disso, a velocidade e a direção de deslocamento variam ao longo da placa, criando zonas onde o acúmulo de energia é maior. A energia acumulada ao longo de uma antiga falha geológica pode promover sua reativação, provocando o terremoto. As regiões propensas a esses acúmulos e dissipação vão ter, ao longo do tempo, um número significativo de sismos. Essas áreas chamam “Zonas Sismogênicas”.
A figura acima mostra a sismicidade histórica e instrumental desde 1724. No Brasil continental, as zonas sismogênicas mais ativas são as de João Câmara no Rio Grande do Norte, Palhano no Ceará, Agreste de Pernambuco, Recôncavo Baiano, e as serras do Mar e da Mantiqueira, envolvendo estados do sudeste. A região central do Brasil possui uma sismicidade relevante também.
A região do Arquipélago de São Pedro e São Paulo, (a aproximadamente 1.100 km da costa brasileira, entre o Brasil e a África, e pouco maior que um campo de futebol), que faz parte do território brasileiro, é outra zona sísmica importante que merece destaque. A sismicidade naquela região está associada ao limite de placas tectônicas que separa a placa Sul-Americana da placa Africana. Nessa região, eventos com magnitude acima de 5,0 ocorrem com bastante frequência.
– Sismicidade induzida por ações humanas
Sim, humanos também podem provocar terremotos. Atividades como construção e preenchimento de grandes represas, mineração, extração ou injeção de fluidos na crosta podem desencadear sismicidade – uma vez que essas atividades modificam o comportamento das rochas em profundidade e facilitam a reativação de falhas geológicas. Globalmente, existem 1239 casos catalogados deste tipo de sismicidade. No Brasil, temos 26 casos registrados de sismicidade induzida por reservatórios artificiais (represas). A maior magnitude registrada foi de 4,2 no Reservatório de Porto Colômbia/Volta Grande (entre Minas Gerais e São Paulo), em 24 de fevereiro de 1974.
Registro histórico de sismos no Brasil
O primeiro registro de terremoto no Brasil data de 1724 na cidade de Salvador, Bahia. A partir de meados do século 19, vários pesquisadores começaram a registrar outros eventos sísmicos, principalmente no Nordeste. Outros sismos que chamaram a atenção dos cientistas foram os de 1808 em Açu, no Rio Grande do Norte; e o de 1811 sentido em Recife, Olinda e várias outras cidades do agreste pernambucano. O relatório desse último chegou em 1860 ao Instituto Histórico Geográfico e Etnográfico, pelas mãos do próprio imperador, D. Pedro II.
Ainda em 1910, com um trabalho intitulado “Terremotos no Brasil”, John Casper Branner (geólogo americano que trabalhou muitos anos em nosso país) já havia chamado à atenção para o fato de que, embora raros, terremotos ocorrem no Brasil. Branner finalizou: “É bastante provável que, com o aumento natural da população e o aumento das facilidades de comunicação, a frequência dos terremotos pareça aumentar um pouco no futuro, mas tal aumento será mais aparente do que real”. De fato, a nossa capacidade atual de registrar eventos através da Rede Sismográfica Brasileira (RSBR) aumentou bastante. Há quase 100 estações sismográficas transmitindo dados online ao data center do Observatório Nacional, Universidade de Brasília, Universidade de São Paulo e Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Em 1912, Branner volta a publicar um artigo citando vários sismos ocorridos no sertão do Ceará e da Bahia. Em fevereiro de 1903, cinco eventos sísmicos ocorreram na cidade de Baturité, região serrana do Estado do Ceará. Dentre os que ocorreram em território baiano, destacam-se os de 1904 e 1905 que atingiram respectivamente as cidades de Senhor do Bonfim e Xique Xique.
Muitos sismos que atingiram a Bahia foram catalogados pelo pesquisador baiano Theodoro Sampaio. Dentre eles, destacam-se os tremores em cidades do recôncavo baiano, principalmente os que ocorreram no dia seis de novembro de 1915, atingindo as cidades de Saubara, São Francisco do Conde, Itaparica e Santo Amaro. Em 1920, Sampaio organizou e coordenou uma comissão para inspecionar as consequências do terremoto de 22 de novembro de 1919, que atingiu algumas cidades do Recôncavo, além de Salvador. À época, a comissão classificou este último como sendo um tremor “muito forte”, provocando rachaduras e queda de paredes e chaminés. Esses e outros relatos fizeram com que Theodoro Sampaio interpretasse os eventos sísmicos como a ação de agentes internos da Terra, o que causou grande espanto para a comunidade científica da época.
Sismos de maior repercussão em território brasileiro
Certamente a sequência sísmica com maior repercussão nacional ocorreu em João Câmara (a 75 km de Natal), no Rio Grande do Norte, em 1986. Em agosto e setembro daquele ano, a população começou a relatar a ocorrência de “estrondos” – alguns dos eventos atingiram magnitudes pouco maiores que 4,0.
A sismicidade logo diminuiu, porém na madrugada de 30 de novembro de 1986, um terremoto de magnitude 5,1 atingiu a cidade. Em continuidade à atividade sísmica, dezenas de eventos de magnitude maiores que 4,0 foram registrados. O evento causou a destruição de várias residências, além comprometer a infraestrutura da cidade, provocando pânico e fuga da população.
Foi decretado estado de calamidade na cidade. Na época, até o Presidente da República visitou o local. O evento de magnitude 5,1 foi sentido em várias cidades do nordeste do Brasil (como João Pessoa, Fortaleza e Recife) e vários eventos da região de João Câmara foram sentidos em Natal nos anos seguintes.
Em 10 de março de 1989, outro evento de magnitude 5,0 sacudiu a região. De 1986 até hoje, mais de 60.000 eventos sísmicos foram registrados, embora a maioria não tenha sido sentida pela população. A sismicidade que tem sido observada em João Câmara delineou uma falha geológica com extensão de aproximadamente 40 km, denominada Falha da Samambaia. Outro evento sísmico digno de nota foi o que ocorreu na cidade de Pacajus, próxima a Fortaleza, que atingiu magnitude de 5,2.
Até pouco tempo, o terremoto com maior magnitude já registrado em território brasileiro foi um que ocorreu em 1955 no estado de Mato Grosso, atingindo magnitude de 6,2. Em agosto de 2020, um sismo com magnitude de 4,2 e profundidade de foco de aproximadamente 10 km atingiu o Recôncavo sul baiano, provocando rachadura em paredes, queda de mercadorias nas prateleiras de supermercados e do telhado de várias residências, nas cidades de Amargosa e Mutuípe.
Mais recentemente, um terremoto com magnitude de 6,5 e com profundidade de foco maior que 600 km foi sentido por moradores de Tarauacá no Acre. O epicentro foi próximo à fronteira com o Peru. A ocorrência de terremotos em estados do Norte do Brasil está associada à proximidade desses estados com os países andinos e, consequentemente, com a zona onde as placas de Nazca e Sul Americana se chocam.
O fato é que o desenvolvimento de terremotos de foco profundo ainda não é muito bem compreendido. Sabemos que o alcance desses eventos é maior e, por isso, atingem grandes áreas na superfície. Por outro lado, sismos de foco profundo tendem a ter um caráter menos destrutivo, já que, no trajeto até a superfície, muita energia sísmica é dissipada.
Alguns registros de sismos no Holoceno (a partir de 11 mil anos atrás)
Onze mil anos é um período curto para a geologia. A Terra tem cerca de 4,5 bilhões de anos; a Pangeia, que foi o último supercontinente, se formou há 250 milhões de anos; e a América do Sul e África começaram a se separar por volta de 140 milhões de anos atrás.
Então por que falar dos terremotos nos últimos 11.000 anos? Pesquisas recentes apontam que sismos com alta magnitude ocorreram nesse período em alguns locais do Brasil – e o tempo de recorrência desses sismos pode ser da ordem de alguns milhares de anos.
Isso significa que tremores de terra mais fortes podem voltar a ocorrer. Mas quanto tempo isso levaria? Décadas? Séculos? Alguns milênios? O fato é que o período dessa ocorrência é extremamente incerto.
Em regiões litorâneas da Paraíba, Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe e Bahia, estruturas de deformação (denominadas pelos cientistas como “sismitos”, provocadas por terremotos com magnitude superior a 5) foram observadas em depósitos sedimentares. A grande dimensão e o alcance de algumas estruturas indicam sismos ainda mais fortes, com magnitude maior ou igual a 6.
Em Sergipe e Alagoas, a datação por luminescência apontou que os sedimentos deformados por eventos sísmicos foram depositados por volta de 8 mil anos atrás (ou menos). Na planície costeira do rio São Francisco, a datação por radiocarbono dos sedimentos deformados que continham matéria orgânica revelou idades dos eventos sísmicos entre 900 e 1700 anos.
Esses tremores acontecem por acúmulo de energia intraplaca. Não dá para medir o quanto de energia se acumula e o quanto se dissipa, então é difícil prever e evitar que tremores mais fortes ocorram. As pesquisas mostram uma ampla distribuição dessas estruturas, além de falhas e dobras em várias áreas costeiras, principalmente no Nordeste do Brasil.
Várias questões sobre sismicidade permanecem em aberto. Uma delas é como podemos nos planejar melhor (em termos de obras de infraestrutura, indústria e residências) para a ameaça de terremotos – que, conforme vimos, é menor que outros países da América Latina, mas não deve ser negligenciada.
Com o aumento populacional, da demanda energética, crescimento da infraestrutura e exploração de recursos naturais para nosso desenvolvimento, a avaliação de risco que essas ameaças naturais impõem será um tema cada vez mais relevante. Não há uma só solução mágica para estes problemas de convivência e avaliação de riscos. Na verdade, trata-se de uma área de conhecimento na qual geólogos, geofísicos, engenheiros e as ciências sociais podem contribuir.