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Sinal de vida: moléculas orgânicas complexas detectadas em lua de Saturno

Dados da sonda Cassini revelam o mais próximo de vida que já foi encontrado fora da Terra. Entenda essa história dando um passeio pela nossa própria origem.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 4 set 2024, 15h36 - Publicado em 29 jun 2018, 17h14

No Sistema Solar não tem crise hídrica. Em 2005, a sonda não-tripulada Cassini sobrevoou Encélado, uma pequena lua de Saturno, e descobriu que imensos jatos de água quente disparam como vulcões de sua superfície. São, ao todo, 101 gêiseres (como são chamadas essas formações, que têm equivalentes menores aqui na Terra). Alguns deles, no auge da erupção, liberam uma tonelada de líquido no espaço aberto a cada 5 segundos.

Parte desse aguaceiro congela e cai de volta na superfície do astro. Sim, neve alienígena – Sibéria é para os fracos. Outra parte escapa da influência gravitacional do satélite e se acumula em torno de Saturno, formando um de seus sete anéis.

Essa água vem de um oceano subterrâneo, que fica preso entre o núcleo rochoso de Encélado (até quentinho, com seus 90oC) e a grossa camada de gelo que forma a superfície da lua. Em alguns pontos – localizados principalmente no extremo sul do satélite – fissuras se abrem no chão de neve e dão boas oportunidades para a água aquecida do interior emergir.

O importante aqui é entender que água e um calorzinho razoável não são uma combinação lá muito fácil de se encontrar na nossa vizinhança cósmica. Além de Encélado, você provavelmente só conhece um lugar que é assim: a Terra. E, não por coincidência, a Terra abriga pessoas, elefantes e cactos. Sabe como é, vida.

Moral da história? Se existe vida como a conhecemos em algum lugar do Sistema Solar – vida à base de carbono –, Encélado é uma ótima candidata a abrigá-la. Não estou falando de peixes alienígenas de três olhos nem nada do tipo, que fique bem claro. Bastaria uma minúscula bactéria, o que é infinitamente mais provável, para mudar a história da ciência.

Agora, mais de uma década depois da visita da Cassini a Encélado, uma equipe formada por astrônomos alemães e americanos está analisando os dados fornecidos pela sonda para determinar a composição química do conteúdo expelido pelo astro de 500 quilômetros de diâmetro (ele é tão pequeno que caberia estacionado entre São Paulo e Rio de Janeiro). A ideia é justamente verificar se há moléculas orgânicas complexas, os tijolos da construção de seres vivos, diluídas na água.

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Veredicto? Elas estão lá. 1% do conteúdo dos gêiseres são compostos químicos orgânicos formados por tantos átomos que eles chegam a ser mais pesados que aminoácidos – os blocos fundamentais da construção de proteínas. Além de carbono, esses compostos têm traços de hidrogênio, nitrogênio, oxigênio e outros elementos da tabela periódica que estão intimamente associados à vida.

Receita da vida

Moléculas gordinhas e cheias de carbono não são bem vida, mas são um passo importante para alcançá-la. Afinal, tudo precisa começar de algum jeito. Em 1952, Stanley Miller, estudante de pós-graduação da Universidade de Chicago, pediu a seu orientador, o prêmio Nobel Harold Urey, que o deixasse fazer um experimento.

Ele criou em laboratório, usando um circuito de tubos e esferas de vidro, uma réplica do ciclo da água na Terra primitiva, há 4,5 bilhões de anos – mais ou menos quando a vida surgiu. Nessa época, a atmosfera não tinha oxigênio. Não se sabe bem qual era a composição do céu, mas Miller apostou no melhor palpite disponível: uma mistura de amônia, metano e hidrogênio. Havia energia de sobra – raios que caiam durante as chuvas, é claro, mas também a  radiação ultravioleta (UV) emitida pelo Sol, que atingia a superfície em cheio na ausência da camada de ozônio.

A simulação era simples: a água era aquecida, evaporava, se misturava aos gases da atmosfera simulada e formava pequenas nuvens. Choques elétricos davam uma forcinha para as reações químicas que ocorriam na mistura. Terminada essa etapa, a água era resfriada e voltava ao estado líquido, se acumulando em um recipiente no final do circuito. Aí era só recomeçar.

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Uma semana simulando essas chuvas pré-históricas bastou. Amônia, metano e hidrogênio começaram a formar diversos compostos orgânicos – entre eles, vários dos já mencionados aminoácidos. Esses compostos se acumularam em uma poça d’água melada, que começou rosa, e depois ficou cor de café. A tal sopa primordial.

É claro que daí até esses aminoácidos se juntarem na ordem correta para formar proteínas há uma distância imensa. E hoje já sabemos que mesmo esse golpe de sorte improvável não adiantaria muita coisa: proteínas, apesar de serem entidades químicas complexas, não conseguem armazenar informação hereditária – um pré-requisito para a existência seres vivos que é preenchido por outra molécula, um tal de DNA (O RNA também pode exercer essa função – mas isso é assunto para outra matéria).

Ou seja: o experimento de Miller não passou tão perto assim das origens da vida quanto gostaríamos. Ele teve uma importância mais sutil: comprovou de vez que não há diferenças fundamentais entre a química que ocorre no interior de nossos corpos e a química que rege fenômenos inanimados, como um incêndio. Os átomos são os mesmos, as leis da física são as mesmas. A construção e operação de um animal ou planta é resultado de uma sequência muito especial de processos, mas os processos em si se baseiam em moléculas relativamente fáceis de se formar. 

O que é a vida?

Para essas moléculas rudimentares darem os próximos passos, é claro, elas precisariam se esforçar um pouco mais. Há várias maneiras de definir vida. Coisas vivas têm metabolismo – elas conseguem usar recursos do ambiente para gerar energia, e liberam essa energia de forma controlada, aplicando-a em funções específicas. Coisas vivas também são capazes de se reproduzir, ou seja: produzem cópias de si mesmas.

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Não quaisquer cópias, claro. Cópias que sejam parecidas o suficiente com os pais para serem reconhecidas como membros da mesma espécie. Mas não tão parecidas a ponto de nunca sofrerem variações. Afinal, variações são a matéria-prima da seleção natural. Se uma entidade viva nunca for mais apta que a outra em uma determinada tarefa, a vida como um todo não consegue se adaptar a seu meio. 

Será que Encélado é um experimento de Miller gigante? Só o tempo dirá. Grosso modo, os ingredientes estão lá: água, carbono, um pouco de energia. Mas as moléculas orgânicas da órbita de Saturno ainda teriam que preencher outros pré-requisitos para começaram a dar um bom caldo: precisariam armazenar informação, transmitir essa informação para os seus descendentes e usar pecinhas químicas soltas no meio para dar origem a esses descendentes. Daí para frente a seleção natural poderia passar atuar – e, ao longo de milhões de anos, aumentar o grau de complexidade dessas moléculas até eles se tornarem algo mais próximo do que chamamos de vida. 

Por mais lacunas que já tenham sido preenchidas, a origem da vida ainda é, em muitos aspectos, um mistério para a ciência. Estudar a possibilidade de que seres vivos surjam em outros astros pode ser a chave para entender porque nós estamos aqui. 

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