Ateus e pessoas muito religiosas têm menos medo da morte
Pesquisa também revelou que pessoas que seguem uma religião apenas por conforto pessoal ou pressão social tem mais medo do além.
Ateus e fiéis fervorosos são os dois grupos que menos têm medo da morte – e as maiores vítimas de crises existenciais são justamente as pessoas que estão na corda bamba entre crer em ou não em Deus. A conclusão está em um artigo do psicólogo Jonathan Jong, da Universidade de Oxford, e é resultado de uma revisão abrangente da literatura científica publicada sobre a relação entre fé e medo da morte entre 1961 e 2014. São mais de 100 estudos, que analisaram 26 mil pessoas do mundo todo. Dos 11 que incluíram ateus na amostragem, 10 reforçam a hipótese de Jong.
“Isso complica as coisas para a visão mais aceita pelo senso comum, a de que pessoas religiosas têm menos medo da morte do que as não-religiosas”, afirmou Jong à assessoria da universidade britânica. “Talvez o ateísmo também proporcione conforto – ou então pessoas que não têm medo da morte não se sintam compelidas a buscar uma fé.”
O compilado de Jong também deu atenção a uma distinção mais sutil: pessoas de religiosidade intrínseca – que vivem de acordo com sua crença e a encaram como um fim em si mesma, e não como uma utilidade imediata – não se importam tanto com a morte. Já as de fé extrínseca, que adotam uma religião por questões sociais ou conforto pessoal, sentem medo da própria data de validade com mais frequência.
A morte é uma das angústias que dá rumo aos estudos da mente. A espécie humana, ao contrário de certas águas-vivas, não ganhou da evolução biológica o direito de voltar para a barriga da mãe e nascer de novo – para a ciência, nós só temos uma vida para viver, e não há nada depois disso. De prêmio de consolação, nós viemos de fábrica com equipamentos muito úteis para a sobrevivência. Um deles é um cérebro enorme e super inteligente – e, com ele, veio a consciência de que nós vamos morrer um dia.
É claro que lidar com esse conflito primordial entre vida e morte não é fácil. É por isso que há uma teoria da psicologia que atribui boa parte do nosso comportamento à maneira como encaramos nosso fim inevitável. É a teoria do gerenciamento do terror – em inglês, terror management theory, ou só TMT. “Gerenciar”, no caso, é se convencer de alguma forma que a morte biológica não é o fim – e encontrar estratégias para convencer seu cérebro de que você não está fadado ao esquecimento.
Sob a luz dessa teoria, as religiões oferecem imortalidade ao pé da letra: na forma de vida após a morte ou reencarnação, por exemplo. Mas há formas de pensar que oferecem uma imortalidade mais simbólica, que busca a preservação eterna do seguidor ao torná-lo uma extensão de algo maior e imperecível: aqui entram o nacionalismo, a valorização da família e das árvores genealógicas e até a noção da superioridade humana em relação às outras espécies de animais. Essa lista não é mera especulação filosófica: há pesquisas empíricas que confirmam essas associações em algum grau.
A psicologia evolutiva, uma abordagem contemporânea dos estudos da mente que busca entender nosso comportamento como consequência da seleção natural, não aceita tão bem a TMT. Nessa visão, o medo da morte é só uma habilidade útil do ponto de vista evolutivo, pois permite a sobrevivência de um espécime por meio da sua reprodução. Esforços para integrar as duas perspectivas (como este aqui) já foram feitos – afinal, seja por instinto, seja por consciência da própria morte, o ser humano gosta mesmo é de viver para contar (ou fazer) a história. E nesse caso, psicólogos tradicionais e evolutivos se dão melhor ao se unir.