De Dilma a Cunha, de Hillary a Trump: políticos nunca foram tão impopulares
A crise política brasileira é apenas um pedacinho de uma crise muito maior: a representatividade da política parece estar ruindo no mundo inteiro.
Ao que tudo indica, a presidência de Dilma acaba hoje, com seus índices de aprovação se arrastando abaixo dos 10%, um recorde histórico na democracia brasileira. Enquanto isso, ao norte, os dois candidatos que devem disputar as eleições presidenciais em novembro também entraram para o Guinness. O republicano Donald Trump tornou-se o candidato presidencial com índice de rejeição mais alto desde a invenção da pesquisa de opinião. Já Hillary Clinton, sua adversária democrata, só não quebrou o recorde porque sua rejeição, embora mais alta que a de qualquer outro na história, é mais baixa que a de Trump.
Essa tendência não está restrita às duas maiores democracias das Américas: no mundo inteiro, os índices de popularidade dos governantes e dos políticos estão bem abaixo das médias históricas. No mundo inteiro, também, multiplicam-se figuras políticas que grandes fatias do eleitorado consideram simplesmente repulsivas. O neo-nazismo, por exemplo, que por muitas décadas foi um tabu na política europeia, dado o trauma da Segunda Guerra, está passando por uma alta histórica. Ao mesmo tempo, surgem em vários países políticos que rejeitam os partidos tradicionais e que se orgulham de serem forasteiros na política: Bernie Sanders, o único adversário de Hillary que ainda resta na disputa pela candidatura democrata, é um representante dessa tendência.
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Em parte, o fenômeno se explica pelas graves crises econômicas que afetaram praticamente todos os países do mundo ao longo da última década. Tradicionalmente, o índice da popularidade dos governantes varia junto com as taxas de crescimento da economia. Historicamente, também, crises econômicas aumentam a eficácia de todo tipo de discurso radical.
Mas há indícios de que esta crise na representatividade dos políticos vai mais fundo do que a economia consegue explicar. Um fator novo que está mudando a dinâmica da política é a forma como o fluxo de informações mudou, graças ao aumento da conexão à internet e à lógica das redes sociais. Neste mundo onde meia humanidade está logada no Facebook, mediadores perderam espaço para os incitadores. Antes, a política era dominada por aqueles que tinham maior capacidade de colocar mais gente dentro do barco – os mediadores, especialistas em encontrar pontos de contato entre as pessoas. Mas, nas redes sociais, o ódio se espalha muito mais rápido do que o amor. O centro do debate político passou a ser a indignação: nada mobiliza tanto quanto ela. O que significa que a política ultrajante é a que mais dá audiência. Não à toa, Trump foi disparado o pré-candidato que mais atraiu a atenção da mídia nas primárias americanas. E, em meio ao impeachment de Dilma, são políticos extremamente controversos como Jair Bolsonaro e Eduardo Cunha que mais recebem a luz dos holofotes.
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Nesse clima conflagrado, quem entrou numa crise profunda de identidade foi a mídia. Se antes cabia a ela filtrar toda a informação que chegava ao público, hoje ela tem que competir aos berros para ser ouvida. A BBC mostrou que, na semana que antecedeu a votação do impeachment na Câmara, 3 das 5 notícias mais lidas do país eram falsas: inventadas por sites suspeitos com títulos extremamente bombásticos apenas para atrair a audiência. Nesse clima, muitos veículos tradicionais vão desistindo de fazer seu trabalho – o de pesquisar com profundidade e buscar a verdade – para se engajar na guerra das narrativas, que premia quem grita mais alto.
Tudo indica que essas tendências só vão se aprofundar no futuro, mesmo que a economia se recupere. Se isso acontecer, é de se esperar que a instabilidade vire regra – com gente odiada levando vantagem nas eleições e crises de legitimidade que levarão a uma judicialização da política. No mundo inteiro, a participação política vai degringolar muito facilmente em histeria coletiva, como aconteceu no Brasil. E histeria raramente é um bom estado de espírito para selecionar racionalmente nossos líderes.
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Isso é um problemão. E, no Brasil, parece ser especialmente grave. Quando se olha para as escolhas importantes que o país fez ao longo dos últimos anos, nas urnas ou fora delas, nota-se que boa parte parece ter sido mais movida pelo ódio do que pelo mérito. Os exemplos estão em toda parte, na situação e na oposição e na direita. O homofóbico que virou presidente da comissão de direitos humanos, o desmatador que ganhou a comissão de meio ambiente, o defensor de privilégios que assumiu a secretaria da educação, o ex-diretor de hospício onde se praticava tortura que ganhou a cordenadoria de saúde mental, o dono de acusações múltiplas de corrupção que comandou o processo de investigação criminal da presidente, o corrupto múltiplo que presidiu o comitê de ética – os exemplos são tantos e tão disseminados por governos de vários partidos que dão a sensação de haver um padrão aí. E esse padrão aparentemente não se expressa só dentro do sistema político, mas nos lugares mais diversos. O Dunga é técnico da seleção, pô.
Esse problema só será resolvido com mudanças bem profundas nas regras do sistema político, e há cada vez mais gente tanto na esquerda quanto na direita apoiando essas mudanças. Acontece que, no mundo todo, são os políticos os únicos que têm poder de mudar as regras da política – o que parece ser um problema em si. Beneficiários de uma falha no sistema raramente têm muita motivação para corrigir essa falha. Enfim, tem um nó aí.
Enquanto alguém não encontra um jeito de desatar esse nó, talvez só nos reste tentar agir individualmente para não apertá-lo ainda mais. Um bom conselho é o de tentar contrariar a tendência: por exemplo, se esforçar para compartilhar mais exemplos positivos e menos manifestações de ódio. Ou para ignorar o último comentário ultrajante do político cuja única estratégia é gerar ultraje.
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