Texto Danielle Borges
Na hora tudo pareceria uma beleza. Os 45 milhões de brasileiros que ganham o salário mínimo, de R$ 415, teriam R$ 585 a mais no bolso todo mês. “Desse jeito, as classes D e E encostariam na C, que tem renda média familiar de R$ 1 063”, diz o economista Fábio Gallo, da Fundação Getúlio Vargas.
E esse povo, composto de 17 milhões de beneficiários da Previdência Social e 28 milhões de trabalhadores, viveria algo parecido com o recente “Brazilian dream” da classe C: comer mais e melhor, pensar num carrinho usado em 80 prestações, comprar mais refrigerante para a festa das crianças… E claro: fazer um baita churrascão para comemorar esse aumento histórico. Pô, são 140%!
Mas é melhor não demorar para comprar a carne da festa. Um aumento desses significaria cerca de R$ 340 bilhões a mais na praça – boa parte em dinheiro extra que o governo teria de imprimir. Desse jeito, a fúria consumista seria tão grande que os estoques secariam. O balconista do açougue diria: “Alcatra? Tem, mas acabou. Mas, se você pagar o dobro, dou um jeito de conseguir”… Nisso os preços vão aumentando, e a bola-de-neve da inflação começa a girar. “A subida nos preços dos produtos mais populares acompanharia esse aumento na renda. Poderia chegar a 140% ou mais”, diz o economista Sérgio Mendonça, do Dieese. Quer dizer: os R$ 1 000 passariam a valer R$ 415 rapidinho.
Outros especialistas imaginam uma escalada mais modesta, mas com um potencial não menos trágico. “De cara, poderíamos falar em uma inflação de 12% ao ano, pouco mais que o dobro da de hoje”, diz Juarez Rizzieri, professor de economia da USP. Ele imagina que esse valor já seria suficiente para indexar a economia – aquele ciclo que faz os salários subir cada vez mais para acompanhar a inflação, o que joga mais dinheiro no mercado e só serve para alimentar mais ainda o dragão. “Desse jeito poderíamos acabar numa hiperinflação nos moldes da alemã cedo ou tarde”, diz, lembrando de quando os preços subiram bilhões de vezes na Alemanha dos anos 20.
Para segurar os preços, então, só teria um caminho: produzir mais. BEM mais. Precisa-ríamos crescer 13 pontos percentuais além dos 5% de hoje, o que dá um índice de 18% ao ano. É o dobro do que a China consegue. Já se mantivermos nosso (bom) ritmo de agora vamos ter como chegar a um mínimo que valha R$ 1 000 daqui a 15 ou 20 anos. Bom? Hum… não. O Dieese calcula que o mínimo salário para um salário mínimo decente é R$ 1 900. Aí sim: valeria combinar aquele churrasco.
Dinheiro na mão é vendaval
A alegria de um aumento de 140% no mínimo iria durar pouco
1. Ouro de tolo
Esse aumento representa US$ 340 bilhões a mais por ano nas mãos de 45 milhões de pessoas. Num primeiro momento, isso enriqueceria as classes D e E, que passariam a comprar artigos mais caros e em maior quantidade. Mas seria só o começo do fim.
2. Hiperinflação
O dinheiro extra equivale a 13% do PIB previsto para 2008 (R$ 2,46 trilhões). É muito: se o país não crescer quase 4 vezes mais do que hoje, as prateleiras vão se esvaziar. Com menos produtos e muitos compradores, os preços aumentam. E podemos viver uma hiperinflação, quando os preços sobem mais de 50% ao mês. E tem mais…
3. Massa falida
Só o governo precisaria gastar R$ 177 bilhões a mais por ano. Se os R$ 40 bilhões que o governo perdeu em arrecadação com o fim da CPMF já deram (e ainda dão) um auê, imagine isso. O resto da conta ficaria com a iniciativa privada, que sangraria. Resultado: desemprego em massa.
4. Nazismo brasileiro
Economias destroçadas são um terreno fértil para políticos radicais e salvadores da pátria – Fernando Collor, eleito em meio às ruínas do governo Sarney, que o diga. Foi numa Alemanha hiperinflacionada que Adolph Hitler nasceu para a política, por exemplo. Num cenário desses, um “Partido Nazista do Brasil” até que não seria tão impossível.
5. Moeda importada
Com o real corroído, uma moeda estrangeira forte poderia tomar seu lugar – é o que aconteceu na Argentina no final dos anos 90, quando o dólar substituiu o peso nas transações do dia-a-dia. Mas, com as verdinhas mal das pernas, talvez adotássemos outra moeda nesse futuro sombrio. Que tal o yuan chinês?