Países africanos querem US$ 700 bilhões anuais para adaptação climática
Discussões sobre o financiamento a países em desenvolvimento marcam o início da segunda semana da COP26. Veja quem paga a conta pela descarbonização global.
Com a abertura da segunda semana da COP26, a Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas, em Glasgow, as negociações passam a se concentrar em quem paga a conta pela descarbonização global. Nesta segunda (8), um grupo de nações africanas pressionou pela abertura de negociações para um pacote de financiamento de US$ 700 bilhões anuais, a partir de 2025, para ajudar os países em desenvolvimento a se adaptar à crise climática.
No mesmo tom, Brasil, China, Índia e África do Sul estão indo à mesa de negociações com um condicional: os cortes de emissões prometidos por esses países só podem se concretizar com apoio financeiro dos países ricos – e num nível superior ao acertado em 2009, que previa um fluxo de US$ 100 bilhões por ano para bancar as transformações exigidas. Para vários países, dentre eles o Brasil, o valor estabelecido há mais de uma década já está defasado e insuficiente.
A proposta africana está sendo conduzida pelo Grupo Africano de Negociadores, e destaca que esse é o único modo de acelerar a descarbonização a ponto de conter o aquecimento global a 1,5° C em comparação às temperaturas pré-industriais – meta que foi estabelecida em 2015 no Acordo de Paris.
Os fundos seriam necessários não apenas para reduzir a dependência dos países de fontes de energia ligadas à queima de combustíveis fósseis, mas também para lidar com as transformações climáticas já contratadas pela humanidade com as últimas décadas de emissões, como o aumento de ondas de calor, secas, tempestades e alagamentos.
O grupo africano argumenta que não é apenas uma questão de subdesenvolvimento, mas também de justiça. Afinal, o atual estado do planeta foi produzido por emissões cavalares promovidas principalmente pela Europa, América do Norte e pelo leste asiático, enquanto os piores impactos recaem sobre o hemisfério Sul.
Estimativas indicam que a África paga pesadamente essa conta. Um estudo recente de uma comissão das Nações Unidas aponta que Camarões gasta algo como 9% do seu PIB em adaptação climática. O mesmo vale para Zimbábue. Etiópia gasta 8%, e Serra Leoa, Senegal e Gana gastam mais de 7%. E, apesar de todos esses gastos, estima-se que haja um déficit de 80% entre o necessário e o efetivamente despendido.
“O trabalho nisso precisa começar agora”, diz Tanguy Gahouma-Bekale, líder do Grupo Africano de Negociadores e diplomata do Gabão. “Negociações sobre financiamento levam tempo, então precisamos ter um mapa agora com marcos claros de como atingir alvos após 2025, para garantir que o dinheiro flua todos os anos.”
Quem paga?
Está claro a essa altura que os países ricos terão de desembolsar mais do que gostariam. Desde a promessa de 2009 de devotar US$ 100 bilhões anuais à causa, as nações mais desenvolvidas do planeta conseguiram arregimentar apenas 80% desse valor. E está claro que isso não será suficiente.
As reuniões desta semana tentarão encaminhar essa questão central no combate às mudanças climáticas, mas há clima de pessimismo em várias delegações. A ambição dos países emergentes é extrair um acordo que estabeleça um processo definido para o cálculo do valor a ser pago, bem como regras de como os recursos serão distribuídos. A expectativa é fechar esses ajustes até 2023, mas ninguém antecipa um caminho tranquilo.
O ex-presidente americano Barack Obama se manifestou nesta segunda-feira (8) sobre a importância de que os acordos sejam fechados a fim de conter o aquecimento global em 1,5° C. Mas não é mais ele quem assina o cheque nos EUA. E, a despeito das palavras encorajadoras, na hora de fechar as contas, ricos e pobres não estão se encontrando.
O chefe da delegação boliviana, Diego Pacheco Balanza, chegou a acusar as delegações de nações ricas de sabotar as negociações. “Há uma tentativa sistemática dos países desenvolvidos de remover toda discussão sobre responsabilidade, compensação e financiamento direto do clima das negociações. É uma vergonha”, disse, em entrevista ao jornal britânico The Guardian. “Em vez disso, eles querem que a gente se concentre em mercados de carbono e sua narrativa de saldo zero de carbono em 2050, o que é algo totalmente sem significado. A narrativa do saldo zero é uma grande mentira. Precisamos eliminar gases de efeito estufa agora, não em 30 anos.”
Os próximos dias serão os mais tensos desta COP26, e não é nula a chance de terminarmos com propostas frouxas e inefetivas para conter a crise climática.