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“Ainda Estou Aqui”: o que esperar do filme de Fernanda Torres e Selton Mello

Adaptação do livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, o novo longa de Walter Salles foi ovacionado no Festival Veneza. Conheça a tragédia real contada na obra.

Por Rafael Battaglia
5 set 2024, 16h00

“Eram umas 11h, mais ou menos, quando eles invadiram a casa. Eram uns seis caras com metralhadoras, mas eles estavam de terno e gravata. Interessante… Naquela época, a repressão era mais elegante, né?”

A memória acima foi retirada de um depoimento do escritor Marcelo Rubens Paiva durante A Feira do Livro, evento que aconteceu em São Paulo no mês de julho. Marcelo, conhecido por Feliz Ano Velho (1982), em que conta sobre o acidente que o fez perder os movimentos do corpo, estava relembrando o dia em que militares brasileiros prenderam e assassinaram o seu pai.

O ano era 1971. Três anos antes, o Ato-Institucional 5 dava início a um dos períodos da maior repressão da ditadura militar. No dia 20 de janeiro, o engenheiro e ex-deputado federal Rubens Paiva foi levado por agentes do Exército para prestar depoimentos. Ele foi torturado e morto pelo regime.

A verdade, porém, levou décadas para vir à tona. Eunice Paiva, esposa de Rubens, teve de cuidar sozinha de cinco filhos enquanto buscava por respostas sobre o marido.

Essa é a história de Ainda Estou Aqui, filme de Walter Salles que recebeu dez minutos de aplausos na 81ª edição do Festival de Veneza, um dos mais importantes do cinema. O longa estreou por lá no dia 1 de setembro e compete pelo Leão de Ouro, o principal troféu, ao lado de filmes como Coringa 2 e o novo do cineasta Pedro Almodóvar, The Room Next Door.

A atriz Fernanda Torres é a versão jovem de Eunice Paiva. Sua mãe, Fernanda Montenegro (que trabalhou com Salles em Central do Brasil) vive Eunice já na velhice. Selton Mello interpreta Rubens.

O filme é baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, publicado em 2015. É uma coletânea de memórias de sua família, centrada em sua mãe. Conta como ela lidou com a perda do marido, sua atuação política nos anos seguintes e, mais adiante, a luta conta o Alzheimer. Eunice morreu com 86 anos, em 2018.

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Vamos entender um pouco mais sobre a história da família Paiva e o novo filme – que pode ser um candidato a prêmios nessa temporada.

A história real

Natural de Santos (SP), Rubens Beyrodt Paiva nasceu em 1929. Ele se formou em engenharia civil no Mackenzie, em São Paulo, onde se enveredou no movimento estudantil. Em 1947, conheceu Maria Lucrécia Eunice Facciolla, paulistana nascida também em 1929 e também estudante do Mackenzie (ela fez Letras; Eunice era amiga de escritoras como Lygia Fagundes Telles).

Rubens e Eunice se casaram em 1952 e tiveram cinco filhos. Em 1962, Rubens elegeu-se deputado federal em São Paulo pelo PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). Mas seu mandato foi curto. Em 1º de abril de 1964, data do golpe militar, Paiva saiu em defesa de João Goulart, o presidente deposto. Dias depois, seu mandato foi cassado. Precisou se exilar com a família por um ano na Europa.

Em 1965, de volta ao Brasil, os Paiva foram morar no Rio de Janeiro. A casa da família, localizada perto da praia no bairro do Leblon, tornou-se ponto de encontro para políticos, jornalistas e músicos.

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Quando o exército descobriu uma carta de uma integrante do MR-8 (Movimento Revolucionário Oito de Outubro, que participou da luta armada contra a ditadura) endereçada a Rubens, o cerco se fechou para o ex-deputado. Militares à paisana invadiram a casa da família e levaram Rubens, Eunice e a filha mais velha do casal, Eliana.

Captura de tela do filme
(IMDb/Reprodução)
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As mulheres foram liberadas dias depois. Rubens, porém, jamais foi visto de novo. Os militares o levaram até o DOI-CODI, órgão do Exército onde aconteciam os interrogatórios e torturas. Ao que tudo indica, Paiva morreu no dia seguinte à sua prisão, em 21 de janeiro de 2021, vítima da violência empregada por lá.

É claro que essa não foi a notícia divulgada. O Exército disse na época que Rubens teria sido levado por terroristas durante um confronto com os militares. O caso só começou a ser amplamente divulgado na imprensa em 1978, época em que a censura e a repressão já estavam mais brandas.

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Enquanto cuidava dos filhos, Eunice entrou no curso de direito e tornou-se uma importante ativista política, sobretudo na luta pela demarcação de terras indígenas. Por anos, ela continuou sendo observada pelo serviço de inteligência do regime.

Foi graças ao esforço dela (com pressões feitas ao presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo) que, em 1996, a morte de Rubens foi oficialmente reconhecida. “É uma sensação esquisita sentir-se aliviada com uma certidão de óbito”, declarou Eunice na época, segundo reportagem da Folha de S. Paulo.

Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade (criada para investigar os crimes cometidos na ditadura) apontou o general José Antônio Nogueira Belham e o tenente Antônio Hughes de Carvalho mataram e ocultaram o corpo de Rubens Paiva.

A ideia para o filme – e a expectativa de prêmios

Em entrevistas, Walter Salles disse que o plano de gravar começou não muito tempo depois da publicação do livro. Em entrevista à Folha, ele comentou o que chama a sua atenção na obra: “Em Ainda Estou Aqui, a história dos anos de chumbo é atravessada por uma família, esses personagens existem, são de carne e osso. As questões que Marcelo narra são eminentemente políticas, mas também existenciais”.

Marcelo Rubens Paiva atuou como consultor do roteiro, que foi adaptado por Murilo Hauser e Heitor Lorega. Em uma entrevista para o Meio, o escritor reforçou que a casa do Leblon também é, de certa forma, um personagem do filme, dada à diversidade e o volume de pessoas que por ali transitavam (entre elas, o próprio Salles). “No dia em questão, meu pai fez questão de tentar acalmar os caras. E minha mãe ofereceu café e bolo, numa tentativa de mostrar normalidade”, disse Marcelo, que na época tinha onze anos. “Era uma casa muito especial, que fascinou o Walter.”

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As gravações do filme começaram em junho de 2023, no Rio. Depois de Veneza, Ainda Estou Aqui segue para outros importantes festivais do circuito, como os de Toronto e Nova York.

O desempenho nesses eventos é um importante termômetro para o Oscar. A revista especializada Variety, por exemplo, escreveu que Ainda Estou Aqui pode disputar as categorias de Melhor Atriz para Fernanda Montenegro e Melhor Filme Internacional.

Foto de arquivo de Eunice Paiva, viúva de Rubens Paiva, ex-deputado desaparecido na ditadura militar
Foto de Eunice e Rubens Paiva (Instituto Vladimir Herzog/Reprodução)

(Para essa última categoria, é preciso antes que o Brasil escolha Ainda Estou Aqui como o representante oficial do país na premiação.)

E quanto à estreia? Ainda não há uma data definida. Dentre os produtores do filme está o Globoplay. É provavél, então, que o filme entre no catálogo do streaming – mas não sem antes passar um tempo sendo exibido nos cinemas.

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