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Em 2005, “World of Warcraft” viveu a primeira pandemia virtual

Personagens assintomáticos, vetores animais e até gente que furou a quarentena – tudo dentro do game. O caso chegou a ser estudado por epidemiologistas para entender o nosso comportamento diante de uma situação dessa.

Por Maria Clara Rossini
Atualizado em 10 set 2020, 19h11 - Publicado em 10 set 2020, 19h09

Quem joga World of Warcraft provavelmente deve ter ouvido falar do incidente que assolou o game há mais de uma década. E se você joga há muito tempo, pode ser até que tenha vivido o caos que mobilizou usuários do mundo todo. Mas vamos começar do início. 

World of Warcraft (em abreviação, WoW) é um MMO-RPG, que significa “Jogo Multijogador Online em Massa”. Isso significa que os jogadores podem interagir entre si, duelar, matar monstros, cumprir missões, viajar, comprar e vender itens – tudo em um mundo virtual.

Em 2005, um dos chefões que os jogadores poderiam encontrar e duelar era a Hakkar the Soulflayer, uma espécie de serpente alada. À medida que o inimigo sofria danos, ele poderia lançar um feitiço sob o jogador, chamado Corrupted Blood (em português, “Sangue Corrompido”). Na linguagem do RPG, o golpe nada mais era do que um debuff, ou seja, um efeito que tira pontos de saúde e vida do jogador. Outra característica é que ele poderia ser transmitido para outros jogadores que estivessem duelando contra o chefão ao seu lado.

Até aí, tudo era planejado pelos desenvolvedores do jogo. Apenas jogadores de níveis altos conseguiam chegar à Hakkar, então conseguiriam resistir e matar o chefão. Esse feitiço deveria durar apenas enquanto os jogadores estivessem em combate – ele desapareceria após 10 segundos, ou quando o personagem morresse e renascesse.

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Acontece que os programadores não contavam com uma função que os personagens que atuam como caçadores possuem. Eles podem invocar seus animais de estimação para receber o dano no lugar deles. Assim, o personagem permanece forte enquanto duela com o inimigo, e o animalzinho recebe os efeitos do feitiço.

O problema é que aquela regra dos 10 segundos não valia pra eles. Os pets continuavam apresentando os sintomas do feitiço, que mais parecia uma doença. Quando o jogador não precisava mais dele, o animal ia embora – mas quando era chamado novamente, continuava com a doença. Mesmo depois de sair do campo de batalha, os bichinhos passavam a doença para os jogadores.

Salve-se quem puder

A partir daí, as coisas saíram do controle. Bastava estar próximo do indivíduo infectado para pegar a doença, como se fosse um vírus transmissível pelo ar. Os jogadores de níveis mais baixos não conseguiam sobreviver ao dano, já que o debuff havia sido planejado apenas para jogadores mais avançados.

O incidente ocorreu no dia 13 de setembro de 2005. A doença se espalhou e dominou cidades em poucas horas. Afinal, a infecção e a manifestação dos sintomas eram instantâneas, sem “tempo de incubação”. Os jogadores iniciantes, então entraram em um ciclo de morte sem fim. A cada vez que renasciam, eles logo pegavam a doença e batiam as botas novamente.

Como se não bastasse, nem todos os personagens do jogo são, de fato, jogadores da vida real. Alguns são apenas programados para dar missões aos jogadores ou vender itens em uma lojinha. Como não faz sentido que esses personagens morram, eles não foram programados pra isso. No entanto, eles podiam pegar a doença e não apresentar “sintomas” (a redução nos pontos de vida). Assim, eles atuavam como portadores assintomáticos, tal qual acontece com a Covid-19. Um jogador iniciante poderia encontrar um desses personagens sem saber que ele estava infectado e, então, pegar a doença (leia-se: morrer).

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Medidas de controle

Como é de se imaginar, muitos jogadores (principalmente os novatos) não ficaram felizes com a pandemia. Muitos entraram em contato com a Blizzard Entertainment, desenvolvedora de WoW, para reclamar da matança infinita. World of Warcraft é um jogo de assinatura mensal, então não fazia sentido continuar pagando se não dá pra jogar. 

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Alguns jogadores resolveram simplesmente abandonar o game até que as coisas se resolvessem. Outros saíram das cidades (que, como na vida real, concentram mais pessoas) e foram para o campo se isolar e continuar jogando. Quando uma pessoa infectada se teletransportava para uma cidade, não demorava muito para que a tela se enchesse de sangue e dezenas de corpos começassem a cair mortos.

Para resolver o problema, a Blizzard tentou instaurar quarentena: todos os jogadores deveriam ficar isolados uns dos outros por algum tempo, até os sintomas passarem. Mas muitos não levaram a sério (isso te lembra algo?). Alguns, inclusive, se divertiram com a situação, e passaram a infectar jogadores de nível baixo intencionalmente.

Nem todo mundo tinha esse espírito malicioso, é claro. Muitos jogadores com poderes curativos tentaram ajudar os infectados, enquanto outros mantiveram o distanciamento social para preservar a si mesmos e aos outros.

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A pandemia durou uma semana. A Blizzard precisou reiniciar os servidores do jogo para parar o ciclo. Foi só no dia 8 de outubro do mesmo ano que a desenvolvedora lançou uma atualização que impedia os pets de contrair o Sangue Corrompido, dando fim de vez ao problema.

Estudos epidemiológicos

A pandemia virtual foi similar às pandemias reais em muitos aspectos: transmissão pelo contato, portadores assintomáticos, vetor animal, entre outras características. A bióloga Nina Fefferman foi uma das primeiras a analisar o surto em World of Warcraft a partir da lente epidemiológica. Em 2007 ela publicou um artigo no periódico The Lancet Infectious Diseases. O fato de ela mesma ser jogadora de WoW não surpreende ninguém.

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Uma das limitações dos modelos computacionais para o espalhamento de doenças é não saber como as pessoas irão se comportar. O jogo online proporcionou um ambiente de simulação virtual onde os indivíduos não se comportam de forma aleatória, mas como pessoas, de fato, tomam as decisões por trás dos personagens.

As pessoas, naturalmente, não se comportam da mesma forma no ambiente virtual e real. Afinal, as ameaças do jogo não são reais – e mesmo que você morra, demora apenas alguns segundos para que possa ressuscitar. Mesmo assim, o incidente não intencional proporcionou dados interessantes, e foi estudado por outros epidemiologistas ao longo dos anos.

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