Nollywood: como a Nigéria se tornou o segundo país que mais produz filmes no mundo
Com 1,2 mil títulos por ano, eles só ficam atrás da Índia em número de produções. Mas o cinema africano vai além do maior país do continente.
No início dos anos 1990, a Autoridade Nigeriana de Televisão (NTA) cancelou diversas telenovelas para cortar gastos. A emissora oficial era então a maior produtora de entretenimento do país, e a decisão deixou a classe artística alarmada. Não seria fácil viver de TV em meio à recessão econômica e às políticas do governo militar de Ibrahim Babangida, que depôs o também general Muhammadu Buhari em 1985. Foi aí que o cineasta Kenneth Nnebue teve uma ideia: chamou o diretor Chris Obi-Rapu e outros nomes da NTA para filmar, em 1992, o longa-metragem Living in Bondage (Vivendo no Cativeiro, em português).
O projeto contava com um orçamento de US$ 12 mil, que mal cobria os custos de produção, o roteiro estava em igbo (umas das mais de 500 línguas faladas na Nigéria), e a distribuição usava fitas VHS baratas. No papel, a aposta tinha tudo para dar errado. Mas o filme caiu no gosto dos nigerianos e vendeu mais de 500 mil cópias em poucas semanas. Inspirada na façanha de Nnebue, toda uma geração de entusiastas se aventurou na sétima arte, mesmo com pouca grana e experiência. Assim nasceu a meio artesanal, meio noveleira Nollywood, que lança em média 1,2 mil títulos por ano. Nesse quesito, é a segunda maior indústria cinematográfica do mundo, à frente de Hollywood e atrás da indiana Bollywood.
O relativo sucesso desse modelo de cinema é o resultado de uma mistura de fatores. Os filmes nigerianos se valem de gêneros populares, como a tradição do teatro itinerante iorubá, e extraem seu conteúdo de histórias urbanas de romance, riqueza, bruxaria. A forma mais comum de encontrar as produções é em VHS, CDs ou DVDs, vendidos em pacotes de até oito vídeos por US$ 4. Como capítulos de telenovelas, as cenas são preenchidas com diálogos longos, o que barateia os custos de produção. Os nigerianos produzem cerca de 50 filmes toda semana.
Claro que o faturamento é relativamente baixo. O faturamento anual fica na casa dos US$ 250 milhões – enquanto cada filme grande de Hollywood faz normalmente, quatro vezes isso. Mas os cineastas da Nigéria conseguiram algo que ainda não acontece no Brasil: convencer a população a assistir com frequência os filmes nacionais.
A CENA CULT
Os cineastas de Nollywood não são os primeiros da África. Um dos idealizadores do cinema africano foi, na verdade, o senegalês Ousmane Sembène, que ajudou a consolidar o movimento cinematográfico das ex-colônias francesas. Fundado em 1969, o Festival Pan-Africano de Cinema e Televisão de Ouagadougou (Fespaco), em Burkina Faso, é a principal vitrine dessa escola. A maioria desses produtores, porém, ainda é dependente dos recursos financeiros e técnicos da França. Em função disso, alguns dos maiores nomes do cinema franco-africano acabaram migrando, como é o caso do tunisiano Abdellatif Kechiche e do mauritano Abderrahmane Sissako, ambos vencedores no Festival de Cannes.
Em Moçambique, a sétima arte tem um brasileiro entre seus destaques. Em 1977, o gaúcho Licínio Azevedo chegou ao país a convite do recém-empossado governo local e acabou ficando por lá. O então jornalista de 26 anos queria acompanhar de perto os movimentos de independência africanos. Inicialmente, Azevedo trabalhou no Instituto de Cinema de Moçambique, onde escreveu seus primeiros roteiros ao lado de cineastas como Ruy Guerra, um dos mestres do Cinema Novo, e os franceses Jean Rouch e Jean-Luc Godard. Contrário à postura colonizadora, o estilo de direção de Azevedo prioriza a fala espontânea dos personagens e usa cenários reais com sons naturais. Ele também produziu alguns dos mais aclamados documentários sobre a experiência pós-colonial e pós-guerra civil moçambicana, como A Árvore dos Antepassados (1994) e A Guerra da Água (1996).