“Os Fabelmans” narra a infância de Steven Spielberg. Veja o que esperar do filme
O longa, que estreia no Brasil nesta quinta (12), levou dois dos principais prêmios do Globo de Ouro 2023.
“Esse é o projeto mais pessoal que já fiz.” Assim falou Steven Spielberg sobre Os Fabelmans, seu 33º filme, em setembro de 2022 durante o Festival de Toronto – onde o longa venceu o prêmio principal.
Toronto costuma ser um importante termômetro para o Oscar. Os últimos dez vencedores do festival ganharam pelo menos uma estatueta – e três deles levaram o de Melhor Filme (12 Anos de Escravidão; Green Book; Nomadland). E a julgar pelo Globo de Ouro, entregue na última terça (10), o filme de Spielberg começou a temporada de premiações com o pé direito. Levou duas estatuetas: Melhor Filme de Drama e Melhor Diretor.
Mas, afinal: o que Os Fabelmans, que chega ao Brasil nesta quinta (12), tem que o torna tão singular dentro da filmografia de Spielberg? Esqueça os dinossauros, aliens e dramas da Segunda Guerra – este é um filme sobre a vida do diretor.
Está tudo ali. A infância conturbada (Steven apanhava no colégio por ser judeu). A família em desarranjo (o seu pai, um renomado engenheiro da General Electric, pouco aparecia em casa). E, claro, o amor de Spielberg pelo cinema (o seu refúgio eram os filmes caseiros que fazia com os amigos).
Em uma noite de 1952, o casal Burt e Mitzi Fabelman (Paul Dano e Michelle Williams) levam o filho Sammy (Mateo Zoryan Francis-DeFord), a versão ficcionalizada de Steven Spielberg, para uma sessão do filme O Maior Espetáculo da Terra. O garoto se apaixona pela experiência e passa a gravar curtas caseiros com as irmãs mais novas.
Burt recebe uma oferta de emprego em Phoenix, no estado do Arizona. Toda a família se muda para lá, assim como Bennie Loewy (Seth Rogen), melhor amigo e parceiro de negócios de Burt. A partir daí, o filme mergulha na adolescência de Sammy (agora vivido por Gabriel LaBelle), que continua a fazer filmes e a investir na carreira de cineasta – mas que, aos poucos, começa a perceber que o casamento dos pais não vai bem.
“O maior desafio dessa história foi decidir contá-la”
Desde 1999, Spielberg já pensava em fazer um filme sobre a sua infância. Na época, o projeto recebeu o nome I’ll Be Home (“Eu Estarei em Casa”) e seria escrito por uma de suas irmãs, Anne. Mas nunca vingou: o diretor sempre temeu que os pais não aprovassem a maneira como ele gostaria de abordar a vida (e os problemas) da família.
Leah e Arnold Spielberg (os pais de Steven) se divorciaram logo após o garoto se formar no colégio. Leah se apaixonou por Bernie Adler (no filme, Bennie Loewy), amigo de Arnold que sempre esteve próximo dos Spielberg. A separação dos pais, aliada aos desentendimentos com Arnold (ele e Steven ficaram anos sem se falar; só se reconciliaram no final dos anos 1990), fizeram com que o cineasta hesitasse em fazer um filme autobiográfico.
“O maior desafio dessa história foi decidir contá-la”, confessou Spielberg em uma recente entrevista. Com os anos, porém, a ideia amadureceu. E um dos principais incentivadores foi o roteirista Tony Kushner, parceiro de Spielberg nos filmes Munique (2005), Lincoln (2012), Amor, Sublime Amor (2021) e Os Fabelmans. “Você deveria fazer um filme sobre isso”, disse Kushner na primeira vez que Steven lhe contou sobre sua vida, em 2004.
O projeto começou de fato durante a pandemia, em 2020. Enquanto Amor, Sublime Amor estava em pós-produção, Spielberg e Kushner deram início a uma série de conversas via Zoom. “O que você acha de começarmos esse roteiro agora?”, teria sugerido Spielberg. A partir daí, Tony fez longas entrevistas com o cineasta, para entender todos os pontos que pudessem ser abordados no filme.
O primeiro rascunho do roteiro ficou pronto em dois meses. A partir daí, a dupla o reescreveu várias vezes, sempre com consultas externas: Steven frequentemente ligava para suas irmãs (Anne, Nancy e Sue) para colher detalhes e diferentes pontos de vista sobre determinada história.
As gravações aconteceram entre julho e setembro de 2021. O elenco teve acesso a fotos, vídeos e itens da família de Spielberg – o que os ajudou a compor os personagens. O designer de produção Rick Carter recriou a casa de Phoenix nos mínimos detalhes, com base em fotografias e descrições de Steven. “Foi estranho ver a minha casa totalmente reconstruída”, disse o diretor em um dos materiais de divulgação do filme.
Fazendo as pazes com o passado
Em entrevistas recentes, Spielberg confessou que o temor pela desaprovação dos pais ficou para trás. “Na verdade, eles ficavam me provocando: ‘E aí, Steve, quando você fará um filme sobre a nossa família?'”, disse à revista Hollywood Reporter. Leah e Arnold, porém, não conseguiram ver o resultado final: ela morreu em 2017, aos 97 anos; ele, em 2020, aos 103.
Outro fator que pode ter colaborado para que Os Fabelmans ganhasse vida foi o documentário Spielberg (2017), dirigido por Susan Lacy e lançado pela HBO. No filme, o cineasta abre o jogo sobre a sua vida – foi a primeira vez, por exemplo, que ele contou sobre o relacionamento de Leah com Bernie Adler (os dois se casaram após o divórcio com Arnold).
O documentário é também uma boa fonte para entender como os traumas do passado de Spielberg influenciaram as histórias que ele criou para as telonas, da família disfuncional de Contatos Imediatos de Terceiro Grau (1977) à solidão de Elliot em E.T.: O Extraterrestre (1982). Já O Resgate do Soldado Ryan (1998) foi fundamental para que o diretor fizesse as pazes com o pai (Arnold participou da Segunda Guerra e sempre contava histórias para os filhos). Spielberg está no HBO Max e vale a pena assistir – antes ou depois de Os Fabelmans.