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Por que as séries de comédia deixaram de usar a trilha de risadas?

Conhecidas como claques, as risadas de fundo têm sido cada vez menos usadas em sitcoms. Entenda por quê – e saiba como elas surgiram.

Por Rafael Battaglia
Atualizado em 11 ago 2020, 12h24 - Publicado em 23 Maio 2020, 20h34

Friends, SeinfeldHow I Met Your Mother. O que essas três séries têm em comum? “Todas são sobre um grupo de amigos vivendo em Nova York”, você vai dizer. É verdade, mas há outra semelhança: elas utilizam uma trilha de risadas, também conhecida como “claque”.

As claques existem há décadas, e são um recurso constante para dezenas de sitcoms – uma abreviação para situation comedy (“comédia de situação”, em inglês), que é como se denomina esse gênero. Mas o que era regra até alguns anos atrás passou a aparecer cada vez menos, sobretudo depois que The Big Bang Theory, uma popular sitcom que usava trilha de risadas, terminou, em 2019. Vamos entender por quê.

A ascensão…

Antes da criação do rádio e da televisão, quem estava à procura de entretenimento só tinha uma opção: sair de casa. E parte da experiência dos espetáculos ao vivo estava na relação dos artistas com a reação do público: a tensão, os suspiros, as palmas – e as risadas.

Quando o rádio se popularizou, os produtores queriam que seus programas transmitissem para quem estivesse em casa a sensação de estar em um programa ao vivo. Foi aí que tiveram a ideia das risadas de fundo.

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O primeiro programa a utilizar isso foi o Bing Crosby Radio Show, nos anos 1940. Um mini-documentário do site Cheddar, que fala sobre o surgimento das claques, recorda que as primeiras risadas foram gravadas pelo produtor Jack Mullin, que as pegou de um show do comediante Bob Burns.

Burns divertiu a plateia com suas piadas, mas, pelo teor delas, o show não poderia ser transmitido na rádio. Mullin, então, reaproveitou as risadas e, à pedido de um roteirista, inseriu-as em um outro show de comédia (que, segundo ele, nem era tão engraçado assim).

Por sua vez, o uso da trilha na televisão surgiu de uma necessidade técnica. Nos primórdios da TV, os programas de comédia eram gravados com uma única câmera. Para dar mais dinamismo aos shows, as cenas eram reencenadas sempre que câmera mudava de lugar – era o único jeito de um mesmo momento ser gravado em ângulos diferentes.

Só que havia um problema: com uma cena gravada três vezes, as risadas da plateia ficavam inconstantes: ora eram estridentes, ora mais tímidas. Além disso, era muito difícil controlar pessoas rindo por tempo demais ou em momentos errados.

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Quem percebeu o problema foi Charley Douglass, um engenheiro de som da CBS, uma emissora dos EUA. No final da década de 1940, ele desenvolveu uma técnica que ficou conhecida como “sweetening” (algo como “suavização”, em inglês): quando as risadas da plateia não fossem adequadas, bastava inserir trilhas previamente gravadas no lugar, suavizando-as.

A solução agradou os produtores e, na década seguinte, a coisa evoluiu: Douglass criou a Laff Box, uma caixa de risadas (laff é uma versão propositalmente errada de laugh, que significa “risada” em português). O equipamento era pesado, tinha quase um metro de altura e 32 bobinas que continham, cada uma, dez tipos de risadas gravadas.

No total, Douglass tinha 320 tipos de risadas, e usava um painel cheio de botões para escolhê-las: tinha risadas de homens, mulheres, jovens, idosos e por aí vai. O primeiro programa de TV a usá-la foi o The Hank McCune Show, em 1950. O show nem tinha plateia ao vivo – as risadas saíam todas da caixa.

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A Laff Box foi um grande sucesso – e por essa razão, Douglass mantinha o seu funcionamento em absoluto segredo. Depois de registrar a patente da máquina, quase ninguém além dele e de sua família sabia como operá-la. Tanto que, quando um estúdio solicitava o uso da caixa, Charley ia pessoalmente com ela para trabalhar junto com os produtores.

Nesse vídeo, dá para ver como ela funcionava:

 

Nos anos 1960 (época de séries como A Feiticeira Jeannie é um Gênio), o uso das claques se popularizou cada vez mais. Mesmo com o passar dos anos, séries gravadas com múltiplas câmeras (o que teoricamente resolveria o problema da inconsistência das risadas) mantiveram o recurso. Em Friends, por exemplo, os atores continuavam a cena, mesmo que a reação da plateia se estendesse demais: eles sabiam que, na pós-produção, tudo seria suavizado.

E não há nada de errado nisso. Um estudo britânico mostrou que claques podem deixar piadas mais engraçadas. Afinal, elas podem ter dois efeitos principais: a de convencer alguém a começar a rir, numa espécie de contágio ou “efeito manada”, ou servir como uma espécie de permissão – como quando alguém aguarda a reação de outras pessoas até romper em uma risada.

Mas há um porém. Com a trilha de risadas, é mais difícil que a série saia do formato padrão de um episódio de sitcom, em que os diálogos, via de regra, servem de escada para uma punchline – aquela frase de efeito, que encerra uma piada. Programas que usam a claque ficam estranhos quando esse recurso é retirado.

Duvida? Dá uma olhada nesse trecho de The Big Bang Theory, sem as risadas:

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…E a queda

A explicação para a longevidade da “risadas enlatadas” é simples: os programas faziam sucesso, e o fracasso de séries dos anos 1970 que se aventuraram a não usá-las só reforçaram a tese de que fazer comédia sem claques era inviável.

Isso só começou a mudar com duas séries da HBO: Dream On, que estreou em 1990, e The Larry Sanders Show, de 1992. Ambas não usavam claques e, apesar da descrença inicial, foram um sucesso – o que abriu caminho que para outros programas seguissem sem risadas, como Curb Your Enthusiasm (2000), Malcolm (2000) e Scrubs (2001).

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Sem a necessidade de uma plateia, as séries puderam explorar novas técnicas (como voltar a usar apenas uma câmera) e cenários. Sem as risadas, os roteiristas tinham mais liberdade para inovar o formato, deixando o humor acontecer por conta das características e desenvolvimento dos personagens – e não necessariamente pelas punchlines.

Essas séries provaram que era possível fazer comédia sem as claques, e não demorou para que outras sitcoms seguissem essa tendência: Arrested Development, The Office, 30 Rock, Parks and Recreation, Community, Brooklyn Nine-Nine…

A resposta para o sumiço das risadas pode estar também na maneira como as novas audiências consomem entretenimento. Mike Royce, um dos criadores de One Day At a Time (que usa fundo de risadas), diz que talvez as pessoas não gostem mais que um programa diga a elas o que sentir – ou qual o momento adequado para rir.

Seja como for, não há certo ou errado nessa história. As sitcoms com trilha de risadas continuarão a existir – e, mesmo que não existam, reassistir um episódio de Seinfeld ou de Friends continuará hilário. Se a série te faz rir, isso é o que importa.

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