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“Wolfwalkers”: animadora brasileira conta detalhes sobre a produção do filme, indicado ao Oscar

Tatiana Mazzei integrou a equipe responsável pelo longa irlandês, disponível no Apple TV+. Saiba como ele foi feito.

Por Rafael Battaglia
Atualizado em 11 abr 2021, 20h30 - Publicado em 11 abr 2021, 20h13

Kilkenny é uma cidadezinha de 20 mil habitantes a uma hora e meia de Dublin, na Irlanda. Lá, entre árvores, igrejas e castelos seculares, um pequeno prédio de pedras e tijolos abriga o Cartoon Saloon, um estúdio de animação que, de pequeno, não tem nada.

Criado em 1999, o Cartoon Saloon está longe de ter o tamanho (e o orçamento) de gigantes da animação, como Pixar e DreamWorks – mas nem por isso deixa de fazer barulho. Desde sua fundação, o estúdio acumula cinco indicações ao Oscar. A mais recente delas é Wolfwalkers, que estreou em outubro de 2020 no Apple TV+.

Aos desavisados, um resumo da história: na Irlanda dos anos 1650, a jovem inglesa Robyn (Honor Kneafsey) vai morar em um pequeno vilarejo que sofre com ataques de lobo. Bill (Sean Bean), pai de Robyn, é o caçador encarregado de acabar com o problema, mas tudo muda quando a garotinha se torna amiga de Mebh (Eva Whittaker), uma menina que vive na floresta e é uma wolfwalker, capaz não só de controlar os lobos, mas também de se transformar em um.

Desde o seu lançamento, Wolfwalkers vem acumulando elogios do público e da crítica. Parte se deve ao enredo cativante e sensível, que usa a história e o folclore da Irlanda como pano de fundo para falar sobre amizade, empatia e preservação dos animais. Mas o trunfo também está no design: o longa é 2D, e tudo foi feito à mão por dezenas de artistas, que trabalharam em diferentes estilos de desenho para criar cenas deslumbrantes.

E veja só: no meio do time de animadores, há uma brasileira. Aos 36 anos, a carioca Tatiana Mazzei, que já havia trabalhado em outras produções do Cartoon Saloon, chefiou a equipe de clean-up animation de Wolfwalkers. Calma, a gente já explica o que isso quer dizer.

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Conexão Brasil-Irlanda

O interesse de Tatiana pela animação surgiu durante a faculdade. Ela se formou em Rádio e TV pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mas logo se mudou para a Europa, onde mora há 15 anos.

Inicialmente, ela viveu na Irlanda, onde fez alguns trabalhos com stop-motion, cenários e miniaturas. Depois, foi para Londres fazer um mestrado em animação e se enveredou para a sua grande paixão: desenhos 2D. Na terra da rainha, Tatiana participou do seu primeiro longa-metragem, Ethel e Ernest (2016).

Nessa época, ela recebeu o convite para voltar à Irlanda e trabalhar em A Ganha-Pão (2017), animação do Cartoon Saloon estrelada por Parvana, uma jovem que vive em um Afeganistão tomado pelo Talibã. O filme, que está no catálogo da Netflix, foi indicado ao Oscar daquele ano. No projeto, a artista também trabalhou com clean-up animation.

Em equipes de animação, há duas frentes de trabalho. A primeira parte é chamada de rough (“bruta”), um rascunho do desenho que não precisa de muitos detalhes – o mais importante, nessa etapa, é a marcação de movimento. Depois, entra o pessoal de clean up (“limpar”, “pôr em ordem”). “É a hora de passar a limpo e de desenhar quadro a quadro, com todos os detalhes”, explica Tatiana.

“Às vezes, há uns 20 animadores no mesmo personagem, então é preciso padronizar o traço também”, acrescenta. A equipe de Tatiana era composta por gente de diversos países, como Irlanda, Itália, País de Gales, Escócia, Alemanha e Inglaterra. Considerando todas as etapas de produção, Wolfwalkers contou com cerca de 200 profissionais. Tatiana não era a única brasileira: o quadrinista mineiro Eduardo Damasceno atuou como supervisor de cenários.

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Cena do filme Wolfwalkers, da Apple TV+.
(Apple TV+/Reprodução)

Da ideia ao filme

Wolfwalkers é o último filme da “trilogia folclórica” do Cartoon Saloon, iniciada em 2009 com Uma Viagem ao Mundo das Fábulas
(ou The Secret of Kells) e que inclui também A Canção do Oceano (Song of the Sea), de 2014 – ambos indicados ao Oscar de Melhor Animação. São histórias isoladas, mas que abordam tanto a história quanto a mitologia irlandesa.

Tom Moore, cofundador do estúdio e diretor dos dois primeiros filmes, uniu-se a Ross Stewart para dirigir Wolfwalkers. Amigos de infância, o objetivo da dupla sempre foi contar uma história que exaltasse a cultura local. O enredo, então, foi atrás de elementos fantásticos, como a lenda do povo que se transformava em lobo ao adormecer, e históricos, como a conquista da Irlanda por Oliver Cromwell em meados do século 17.

Membro do Parlamento inglês, Cromwell era um líder carismático e que tinha o apoio do exército. Sob o seu comando, os ingleses decapitaram o rei Carlos I e proclamaram República. Em 1653, assumiu o título de Lorde Protetor, virou ditador vitalício e manteve as conquistas na Irlanda e na Escócia. Morreu em 1658 – dois anos depois, a Inglaterra voltou ao regime monárquico.

Em entrevista ao The Hollywood Reporter, os diretores contaram que o período que Cromwell controlou a Irlanda contribuiu para a extinção dos lobos no país e, consequentemente, o apagamento das lendas sobre os animais. Não à toa, a figura inspirou o vilão da história, o Lord Protector (Simon McBurney), chefe da vila em que Robyn vive.

Uma história, dois estilos

Dos primeiros rascunhos do roteiro ao lançamento no Apple TV+ (é o primeiro longa animado da plataforma) e em alguns (poucos) cinemas, Wolfwalkers levou cinco anos para ser feito. Tatiana e sua equipe trabalharam cerca de dois anos no projeto. “Cada um de nós animava um segundo de filme por dia – às vezes menos”, relembra. “Fazíamos reuniões semanais com Tom e Ross, que aprovavam os desenhos e davam alguns comentários, sempre atenciosos. Foi um prazer trabalhar com eles.”

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Via de regra, filmes são exibidos a 24 frames por segundo (fps). Ou seja, para cada segundo de filme, há 24 fotos que, em sequência, transmitem a sensação de movimento. Durante a produção de Wolfwalkers, os animadores trabalhavam com 12 fps – a velocidade final foi corrigida depois. Era preciso, então, fazer de 10 a 12 desenhos por dia, tudo à mão. Haja pulso.

Segundo Tatiana, o maior desafio de Wolfwalkers foi animar dois estilos de desenho para os dois cenários principais do filme: a vila e a floresta. “Geralmente, filmes trabalham em um único design – o que já é difícil. Aqui, a vila possui uma estética de xilogravura [técnica que utiliza moldes de madeira como carimbos], com linhas retas e grossas. Já na floresta usou-se muito o grafite, algo mais solto.”

A escolha dos estilos, claro, não foi por acaso. O ambiente da vila representa o comando opressor do Lord Protector, e as linhas retas e angulares tentam simular prisões e gaiolas. Por outro lado, as cores e o traço da floresta dos wolfwalkers transmitem liberdade – as cores, como se fossem pinturas em aquarela, lembram as de obras impressionistas.

Cena do filme Wolfwalkers, da Apple TV+.
(Apple TV+/Reprodução)

Essa diferença está presente também nas protagonistas do filme. Moradora da vila, Robyn é toda feita de linhas retas. Já Mebh, habitante da floresta, é cheia de curvas. “O estilo também acompanha as emoções das personagens”, explica Tatiana. “Se Mebh está mais brava, por exemplo, seu traço se torna mais rabiscado.”

Cena do filme Wolfwalkers, da Apple TV+.
(Apple TV+/Reprodução)

Outro destaque da animação é a chamada wolf vision (“visão de lobo”), que acontece quando Mebh assume a forma lupina e a câmera passa a acompanhá-la em primeira pessoa, sob a perspectiva do animal. Nessas cenas, foi usada uma técnica conhecida como “animação 2.5D” – a união do 2D com o 3D.

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Explico. Para tornar a visão de lobo mais realista e natural possível, a equipe do filme construiu um cenário tridimensional e, com um programa de realidade virtual, fez um “passeio” pelo ambiente criado no computador – que, por sua vez, serviu de base para que os ilustradores pudessem fazer as cenas no papel.

O cenário 3D, então, serviu de guia para facilitar os desenhos 2D – daí o nome “2.5D”. Como a câmera em primeira pessoa estaria frenética e os fundos da cena passariam pela tela em alta velocidade (afinal, lobos são velozes), as sequências eram gravadas no ambiente tridimensional. Depois, cada frame era impresso para que os artistas desenhassem por cima, com papel e lápis. Uma mão na roda. Você pode entender melhor o passo a passo dessa técnica neste ótimo vídeo do Movies Insider (ative as legendas em português).

Cena do filme Wolfwalkers, da Apple TV+.

Ficou para depois

Hoje, Tatiana trabalha em outra animação do Cartoon Saloon: My Father`s Dragon, baseado no romance infantil homônimo de 1948 da americana Ruth Stiles Gannett. O filme será dirigido por Nora Twomey, que também comandou A Ganha-Pão, e tem estreia prevista para 2021 na Netflix. E sim: será uma animação 2D.

“Nas últimas décadas, houve uma explosão da técnica 3D, muito por conta do sucesso da Pixar e da DreamWorks”, disse a animadora. “Muitos artistas perderam o emprego por não se adaptar à nova tecnologia, mas acredito que o 2D tenha voltado com força de uns 10 anos para cá. É algo muito forte na Europa e também na Ásia, por conta dos animes.”

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Vale lembrar que, em 2016, uma animação 2D brasileira concorreu ao Oscar: O Menino e o Mundo, dirigido por Alê Oliveira. “O Brasil está cheio de talentos. O que falta é uma indústria estável, que dê suporte aos artistas para que a criatividade role solta.” Tatiana explica que Wolfwalkers foi feito graças a diversos editais de financiamento, além da grana paga pela Apple ao adquiri-lo. “O Cartoon Saloon não mira em blockbusters, e acho que esse é objetivo: fazer com que os filmes se paguem, basicamente. O estúdio preza muito pela maneira independente de trabalhar.”

Quanto à pandemia, ela quase não atrapalhou a produção de Wolfwalkers. “O grosso do trabalho foi concluído em dezembro de 2019, no estúdio do Cartoon Saloon, e os ajustes foram feitos à distância. Em animação, é costume trabalhar como freelancer, em casa. Todo mundo está acostumado com home office.”

O único problema foi em 15 de março deste ano – dia do anúncio dos indicados ao Oscar. “Aqui na Irlanda era hora do almoço, então todo mundo se reuniu em uma chamada no Zoom para acompanhar as nomeações. Todos ficaram felizes e orgulhosos com a conquista, mas, depois de alguns minutos, não restava muita coisa a não ser desligar a call e voltar ao trabalho.” A comemoração de verdade, em um pub irlandês e regada a muita cerveja, teve que ficar para depois.

Foto do time que trabalhou na animação.
A animadora brasileira Tatiana Mazzei (a 4ª da esquerda para a direita, embaixo) e parte da equipe de “Wolfwalkers”. (Tatiana Mazzei/Reprodução)
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