Texto: Nicola Twilley | Foto: Studio Oz | Design: Juliana Krauss
Edição e tradução: Bruno Garattoni
urante a semana, Eran Baniel sempre recebe três alertas no celular, todos os dias às 10h, 12h e 15h: “hora da prova”. Hoje é segunda de manhã e estamos num complexo de escritórios perto de Tel Aviv, em Israel. Baniel está sentado a uma mesa, com dois pratos de bolachas de chocolate. Parecem iguais, mas não são: o prato à esquerda contém a amostra 792, e o da direita tem a amostra 431. Baniel toma um gole d’água, prova as bolachas e me convida a fazer o mesmo. A 431 me parece mais gostosa – um pouco mais cremosa, talvez –, mas não é isso que ele está avaliando. As duas bolachas foram feitas seguindo a mesma receita, mas uma delas contém 40% menos açúcar. Baniel tem de descobrir qual é.
Em 2014, ele fundou a DouxMatok, uma startup israelense que agora está lançando seu primeiro produto: um açúcar modificado, que foi redesenhado para ficar mais doce e permite preparar alimentos, como as bolachas que estamos comendo, usando muito menos dele. O produto foi batizado de Incredo, uma referência à incredulidade envolvida: será que realmente dá para fazer doces idênticos aos originais colocando metade do açúcar?
Na sede da empresa, todos os cantos estão abarrotados de guloseimas preparadas com Incredo – cookies, chocolates, balas de goma, potes de creme de avelã. Em testes cegos conduzidos por um instituto independente, mais de 2/3 dos consumidores preferiram as bolachas com Incredo àquelas preparadas com açúcar comum, e 74% disseram que comprariam Nutella feita com o novo produto. Logo eles poderão fazer isso: neste ano, o Incredo começará a ser fabricado em escala industrial pela Sudzucker, maior produtora de açúcar da Europa, e por uma grande empresa dos EUA – cujo nome é mantido em segredo.
O sigilo faz parte de uma disputa entre multinacionais, que estão investindo em pesquisa e desenvolvimento para para tentar alcançar a mesma meta: continuar vendendo coisas doces num mundo que se mostra cada vez mais resistente ao açúcar.
Muitos países começaram a incluir advertências na comida industrializada [no Brasil, a regra começa a valer em outubro] e até aumentar os impostos sobre os produtos altamente açucarados. Essas medidas parecem estar fazendo efeito. Com a opinião pública se voltando contra o açúcar, a indústria de alimentos tem prometido reduzir sua quantidade. O problema é que ele não é fácil de substituir. Nenhuma das alternativas artificiais criadas no último século é tão irresistível, ou tão versátil, quanto o açúcar. A imposição de novas regras, a pressão das autoridades e o sentimento do público criaram uma espécie de pânico, e uma onda de inovação, na indústria. A corrida não é para criar um substituto ao açúcar; é para desenhar um novo açúcar.
O método da Doux Matok para reestruturar os cristais de açúcar foi inventado pelo pai de Eran, o químico industrial Avraham Baniel. Ele patenteou a técnica em 2015, quando tinha 96 anos de idade; hoje tem 101, e finalmente está aposentado. Avraham começou a refletir sobre o açúcar na década de 1990, quando trabalhou como consultor para uma empresa inglesa de adoçante. O produto estava vendendo mal, e pesquisas mostraram que as crianças, em especial, continuavam preferindo açúcar de verdade. Então Avraham se lembrou de um caso da década de 1940, quando o açúcar era racionado em Israel.
A vizinha dele perguntou se Avraham, como químico, conseguiria um pouco de farinha de milho, pois ela queria fazer um pudim. Ela achava que a consistência grossa e grudenta da farinha envolveria a língua, deixando o pudim gostoso mesmo com bem pouco açúcar.
Avraham ajudou a vizinha, e depois foi fazer o próprio pudim. Descobriu que ela estava certa: quanto mais viscoso o pudim, mais doce ele ficava. Então, para reduzir a quantidade de açúcar, talvez o melhor caminho fosse redesenhá-lo. Quando você coloca algo doce na boca, a sua saliva dissolve os cristais de açúcar, mas só 20% deles se conectam aos receptores de sabor na língua. Todo o resto é simplesmente engolido e desce pela garganta – você consome aquelas calorias, mas nem sente o sabor delas. Avraham começou a estudar uma maneira de melhorar a conexão dos cristais com os nossos receptores gustativos, e passou a misturar sacarose (açúcar comum) com outras substâncias. Depois de algum tempo, teve a ideia de usar sílica.
A sílica, ou dióxido de silício (SiO2), já é usada pela indústria de alimentos como “agente de fluidez” (para evitar o empedramento de farinhas, por exemplo), e passa pelo sistema digestivo sem ser metabolizada. Cada grãozinho de sílica é cinco vezes mais fino do que um fio de cabelo – invisível a olho nu e indetectável pela língua. A DouxMatok inventou um processo químico que gruda sílica nos cristais de açúcar. Eles continuam sendo 99% sacarose, mas a adição da sílica tem dois efeitos. Primeiro, ela se desprende do açúcar dentro da boca, e isso aumenta a superfície de contato entre a saliva e os cristais de sacarose [veja infográfico abaixo]. E os pontinhos onde a sílica estava grudada são “amorfos”, com átomos desordenados – que, por isso, se dissolvem muito mais facilmente na língua.
Como é muito mais solúvel, o Incredo satura rapidamente as papilas gustativas, produzindo uma forte sensação de doçura. É mais ou menos como o algodão-doce, cujo açúcar é derretido numa panela – e, por isso, se torna amorfo. Ele parece bem mais doce do que o chocolate ou os refrigerantes, por exemplo, mas contém muito menos açúcar.
Avraham e Eran patentearam sua tecnologia, fecharam acordos com investidores e grandes empresas de alimentos, e em 2014 fundaram a DouxMatok (o nome significa “duplamente doce”, em hebraico).