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Longe do plugue

Substituir jatos movidos a querosene por modelos 100% elétricos ainda é um sonho distante devido à capacidade das baterias. A saída para combater a emissão de poluentes são os aviões híbridos. Mas eles também devem demorar para aparecer.

Texto: Luiz Eduardo Kochhann | Edição de Arte: Inara Pacheco
Design: Andy Faria

E

m agosto de 1881, Paris sediou a primeira Exposição Internacional de Eletricidade. A lâmpada incandescente foi o principal atrativo do evento naquele ano, encantando os visitantes. Gaston Tissandier e seu irmão Albert aproveitaram a ocasião para apresentar uma ideia ambiciosa: construir um balão dirigível elétrico. Eles colocaram o projeto em prática dois anos depois, instalando um motor elétrico Siemens em um dirigível com cabine feita de bambu.

O balão fez apenas dois voos experimentais, ambos bem-sucedidos, em 1883 e no ano seguinte, tornando-se o primeiro veículo aéreo movido a eletricidade. Isso deixa claro que voar utilizando propulsão elétrica é uma obsessão tão antiga quanto desafiadora. Afinal, mais de um século depois, a indústria de aviação ainda parece longe de encontrar uma solução ideal para esse desafio. E não é por falta de tentativas.

Em abril deste ano, por exemplo, a Airbus encerrou o programa E-Fan X, criado em parceria com a Rolls-Royce em 2017. O projeto pretendia colocar nos ares, no segundo semestre de 2020, um jato BAE 146 impulsionado por um motor elétrico de 2 megawatts – o equivalente a 200 vezes a potência de um carro elétrico rodando a 100 km/h. O comunicado da fabricante europeia é evasivo e não explica objetivamente os motivos da desistência. Já a Nasa instalou não um, mas 12 motores elétricos em seu X-57 Maxwell. Chamada de propulsão elétrica distribuída (DEP, na sigla em inglês), a estratégia visa melhorar a aerodinâmica distribuindo o peso ao longo das asas.

“Os motores elétricos são pequenos o suficiente para, respeitando algumas estruturas, serem colocados onde você quiser”, explica o professor José Eduardo Mautone, do curso de Engenharia Aeroespacial da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) . É o mesmo princípio por trás de uma aeronave projetada pela companhia de baixo custo EasyJet, do Reino Unido, em parceria com a americana Wright Electric.

A EasyJet pretende começar a usar aviões elétricos de 180 lugares em voos de cerca de 500 quilômetros até 2030. Outro protótipo totalmente elétrico é a Alice, da companhia israelense Eviation, com espaço para nove passageiros, autonomia de pouco mais de mil quilômetros e velocidade de 440 km/h. A própria Uber, em parceria com a Embraer, está desenvolvendo um veículo voador elétrico para uso urbano. O e-VTOL poderia pousar e decolar na vertical, como os helicópteros.

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Todas essas inovações, entretanto, enfrentam o mesmo entrave: a capacidade das baterias. O conceito é chamado de densidade energética e se refere à quantidade de energia contida em cada quilo de uma bateria. A maioria delas é produzida utilizando lítio, material capaz de armazenar até 240 watts-hora a cada quilo. Uma fração disso é o suficiente para fazer um celular funcionar ao longo de um dia inteiro. Mas levantar uma aeronave do chão e mantê-la no ar por horas exige, digamos, um pouco mais de força.

Para se ter uma ideia, um quilo de combustível de aviação possui 12 mil watts-hora, uma densidade energética 50 vezes maior do que a encontrada em baterias de lítio. Um avião puramente elétrico até poderia levar baterias maiores ou uma série delas para compensar tamanha diferença.

O problema é que existe o risco de ele não sair do chão, em razão do peso. Ou sairia por pouco tempo, o que não seria suficiente para as necessidades da aviação comercial. A indústria automobilística enfrenta um problema semelhante para fazer com que os carros elétricos deslanchem no mercado. O desafio dos aviões, porém, é bem mais dramático.

Um dos modelos que chegaram mais longe foi o Airbus E-Fan, o irmão mais novo do E-Fan X. Em 2015, cruzou os 74 quilômetros do Canal da Mancha a uma velocidade de 160 km/h. Em junho desse ano, a empresa eslovena Pipistrel Aircraft obteve a primeira certificação de um avião puramente elétrico. O Pipistrel Velis Electro tem velocidade de cruzeiro similar ao E-Fan e autonomia de voo de 50 minutos.

Tanto o E-Fan como o Velis Electro possuem apenas dois lugares e servem para a instrução de pilotos. O maior avião elétrico a decolar foi um Cessna Caravan, com capacidade para nove passageiros, adaptado por uma parceria entre a fabricante de motores magniX e a empresa aeroespacial AeroTEC, ambas dos EUA. O voo, realizado em maio, durou apenas 30 minutos.

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<strong>Financiada pela Boeing, a Zunum desenvolve um híbrido para 12 passageiros e autonomia de 1.600 km.</strong>
Financiada pela Boeing, a Zunum desenvolve um híbrido para 12 passageiros e autonomia de 1.600 km. (Zunum Aero/Divulgação)

Não à toa, boa parte das pesquisas do setor está concentrada em desenvolver baterias com maior densidade energética. Isso passa por encontrar materiais mais eficientes. E o enxofre é a bola da vez. Baterias com compostos de lítio-enxofre prometem armazenar 450 watts-hora por quilo, além de serem mais seguras. Trata-se de um grande salto na comparação com a geração atual de baterias, mas ainda está longe de garantir a autonomia necessária em aviões de maior porte.

Os cientistas estimam que as baterias levarão 30 anos até alcançar a densidade energética do querosene de aviação. “A curto prazo, é difícil vislumbrar uma evolução nas baterias que permita uma aviação puramente elétrica”, diz José Eduardo Mautone, da UFMG. Segundo ele, seria necessário produzir baterias com 1.000 watts-hora por quilo para construir aviões elétricos com a mesma autonomia dos atuais.

Do híbrido ao elétrico

O cenário pouco promissor para a aviação puramente elétrica em curto prazo coloca a indústria e as companhias aéreas contra a parede na busca por soluções ambientais. O setor é responsável por cerca de 2% das emissões globais de CO2. Pode parecer pouco, mas estamos falando de 8 bilhões de toneladas por ano.

Se nada for feito, uma estimativa da consultoria Roland Berger indica que a participação das aeronaves comerciais nas emissões pode chegar a 24% em 2050, levando-se em conta o crescimento previsto para o setor. A projeção é anterior ao baque sofrido durante a pandemia, que acabou desacelerando o mercado. Mas serve de alerta para a necessidade de mudanças.

Enquanto isso, os compromissos para a realização de voos mais limpos começam a entrar em vigor. O Plano de Redução e Compensação das Emissões de Carbono da Aviação Internacional (Corsia, na sigla em inglês) pretende limitar as emissões de CO2 aos níveis de 2020 pelos próximos 15 anos. Uma batalha dada como perdida, que irá obrigar as companhias a comprar créditos de carbono – um voucher ecológico para empresas e nações que emitem poluentes acima do recomendado.

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Até 2050, segundo a Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA), a intenção é cortar os níveis de emissão em 50% em relação ao patamar de 2005. E também reduzir a poluição sonora causada pelas aeronaves movidas a combustão.

A essa altura, você deve estar se perguntando como será possível dar conta do recado mesmo com poucas perspectivas de melhoria na eficiência energética das baterias. Por outro lado, protótipos em desenvolvimento abrem possibilidades para que as aeronaves do futuro sejam diferentes daquelas que conhecemos hoje. Elas podem levar células que captam energia solar nas asas, carregar diversos motores em posições diferentes das atuais (como o modelo da Nasa), utilizar materiais mais leves na sua composição, entre outras transformações ainda em fase de estudo.

A saída mais viável em curto e médio prazo, entretanto, é o surgimento de aviões híbridos, movidos a combustão e energia elétrica. Projetos assim têm um motor de combustão que alimenta um gerador. Um sistema de conversores eletrônicos, nutridos pelo gerador e por baterias, transforma a energia e a envia para motores elétricos que fazem funcionar as hélices. O avião híbrido pode alternar a fonte de energia ao longo do voo. A ideia é que eles decolem e pousem utilizando somente os motores elétricos.

Isso os tornará mais silenciosos, contribuindo para diminuir os ruídos perto dos aeroportos. Na maior parte do tempo, esses motores seriam mantidos apenas pelas baterias. O motor a combustão é acionado em alguns momentos do voo para garantir a carga das baterias. Mais do que isso: os próprios motores elétricos podem inverter a energia e recarregá-las na fase de descida.

“Funciona assim nos carros híbridos. Quando estão descendo um morro e não precisam de propulsão, o fluxo da energia é invertido para alimentar as baterias”, explica o professor Manuel Rendón, líder do Grupo de Conversão Eletromecânica de Energia, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

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A eficiência é outra chave. Em um motor aeronáutico a combustão, entre 25% e 43% da energia gerada é aproveitada para fazer o avião funcionar. O resto se perde em forma de calor, por meio dos gases poluentes. É considerado um padrão baixo de aproveitamento. Já o motor elétrico alcança entre 90% e 98% de eficiência. A perda ainda existe, mas é muito menor.

<strong>Existem mais de 200 aviões elétricos ou híbridos em desenvolvimento.</strong>
Existem mais de 200 aviões elétricos ou híbridos em desenvolvimento. (Zunum Aero/Divulgação)

Uma estratégia híbrida poderia reduzir o consumo de combustível em cerca de 40%, com menos poluição e maior sustentabilidade. Os híbridos elétricos são a aposta da Zunum Aero, uma startup financiada pela Boeing. Fundada em 2013, a empresa americana projeta o desenvolvimento de uma aeronave com autonomia de 1,6 mil quilômetros (o equivalente a um voo entre Rio de Janeiro e Salvador), velocidade máxima de 600 km/h e capacidade para 12 passageiros. A companhia americana de táxi aéreo Jet Suite já manifestou interesse em comprar cem unidades, mesmo que o avião ainda não tenha saído do papel.

Jatos assim também possuem uma grande capacidade de aceleração em distâncias curtas. Isso torna possível a decolagem em pistas menores, característica comum em aeroportos de interior. Com isso, os aviões híbridos podem impulsionar a aviação regional, especialmente para cobrir deslocamentos de até 500 quilômetros. Cerca de 98% dos voos brasileiros concentram-se em apenas 2,6% dos aeroportos, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). No mundo, estima-se que 2 bilhões de passagens aéreas sejam vendidas para voos a menos de 400 quilômetros de distância.

Existem mais de 200 aviões elétricos ou híbridos em desenvolvimento, segundo a Roland Berger. Em meio a tantas promessas, a IATA prevê que os primeiros híbridos cheguem até 2030, com capacidade para até 20 passageiros. Entre 2035 e 2040, a capacidade deve chegar aos cem assentos, o que geraria um potencial de redução de até 80% nas emissões de CO2. O sonho em torno dos voos comerciais puramente elétricos deve ficar para mais tarde, entre 2035 e 2050, com aviões para até cem pessoas. Tudo isso, destaca a IATA, levando-se em conta uma visão otimista.

Polos opostos

O mercado estuda opções para substituir as tradicionais baterias de lítio, mas ainda não há uma alternativa que preencha todos os quesitos necessários.

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• Estado Sólido
Como é feita – Utiliza um aditivo de nitreto de boro à bateria de lítio.
Positivo – Bons níveis de segurança.
Negativo – Custo elevado, dificuldade de carregamento e durabilidade baixa.

• Lítio-Silício
Como é feita – Recebe uma recapagem muito fina de silício.
Positivo – Densidade energética superior e recarga mais rápida.
Negativo – Material instável oferece riscos à segurança.

• Lítio-Enxofre
Como é feita – Combina processos eletroquímicos entre as duas substâncias.
Positivo – Maior densidade energética e custos mais baixos.
Negativo – Durabilidade ainda insuficiente.

• Lítio-Oxigênio
Como é feita – Utiliza uma reação entre o lítio e o oxigênio do ar para otimizar o desempenho.
Positivo – Maior densidade energética.
Negativo – Sensível à umidade do ar, custos altos e baixa durabilidade.

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