As uvas usadas para fazer vinho surgiram no Cáucaso, ao sul da Rússia, há 11 mil anos
Um estudo com mais de 3 mil parreiras revelou que o cultivo das frutas usadas hoje na fabricação do goró começou no atual território da Geórgia. Os primeiros registros da bebida fermentada, porém, tem “só” 8 mil anos.
Poucas pessoas me fizeram tão felizes quanto o gênio que inventou o vinho. Infelizmente, não posso agradecer a essa pessoa, porque não existiu um gênio específico. A bebida é tão antiga quanto a própria civilização – e sua criação foi uma mistura de acidente e obra coletiva. Perguntar quem patenteou o goró é como tentar encontrar o inventor da fogueira ou da roda.
Um belo dia, alguém pôs suco de uva em um barril e enterrou o líquido para armazená-lo. Ao bebê-lo, meses depois, percebeu que o dito-cujo, estragado, ficava ainda mais gostoso. O mais acurado, portanto, seria dizer que a humanidade descobriu o vinho.
Esse belo dia, ao que tudo indica, rolou há aproximadamente 8 mil anos no território onde hoje fica a Geórgia, um pequeno país do Cáucaso, ao sul da Rússia – uma ex-república soviética. Eles têm os mais antigos registros arqueológicos da bebida. De lá, a ideia se espalhou pela Eurásia.
Antes disso, já havia uvas. Muito antes, diga-se. Um grupo de 79 pesquisadores liderado pelo chinês Wei Chen, da Universidade de Agricultura de Yunnan, coletou o material genético de 3.525 variedades de uva em 17 países. Eles tiraram algumas conclusões inéditas. A primeira é que as parreiras foram domesticadas há 11 mil anos – o que condiz precisamente com a estimativa mais aceita para a invenção da agricultura. “Foi uma das primeiras frutas cultivadas por nós”, disse Chen em uma coletiva de imprensa, durante o encontro anual da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS). O artigo científico completo está disponível aqui.
Sim, a humanidade passou três mil anos tomando suco sem perceber o potencial desperdiçado. Baco está decepcionado. Até então, os estudos disponíveis falavam em parreiras domesticadas há 15 mil anos, bem antes da data consensual para as primeiras plantações de trigo ou arroz. Isso, naturalmente, era um problema para a cronologia dos arqueólogos, o que torna a correção muito bem-vinda. Afinal, por que o Homo sapiens teria começado a cultivar uvas antes mesmo das primeiras fazendas existirem?
Outra conclusão é que houve dois eventos separados de domesticação das parreiras – dois povos começaram a plantar uvas em paralelo, na mesma época, de maneira independente. Eles estavam separados por mil quilômetros. Um desses grupamentos ficava justamente no Cáucaso (ou seja: os primeiros agricultores de uva também foram os descobridores de vinho, o que faz todo sentido). O outro, no Oriente Médio.
As uvas que hoje são consideradas “de mesa”, como a Itália e a Thompson, descendem das variedades oriundas do Oriente Médio, enquanto todas as uvas usadas para fazer vinho, hoje, têm seu ancestral comum na Geórgia e suas redondezas.
Com mais de 3 mil genomas em mãos, Chen e seus colegas puderam isolar vários genes que são responsáveis pelo sabor, cor e outras características importantes das uvas. Esse mapeamento pode ajudar os produtores de vinho contemporâneos a melhorarem suas frutas. Eles também descobriram dezenas de subtipos de parreira na Armênia – variantes usadas em fazendas locais que nunca haviam sido mapeadas por nenhum biólogo.
“Nós não sabemos exatamente como era a cultura desses povos que domesticaram as uvas”, diz Chen. “Eles eram bem próximos geograficamente, e olhando a história da evolução humana, pôde haver alguma migração entre os dois grupos.” Ou seja: é possível que a domesticação simultânea das uvas nos dois locais não seja uma coincidência.
De acordo com o geneticista americano David Reich – um dos mais conhecidos estudiosos das migrações humanas –, o Cáucaso, nessa mesma época, abrigava os protoindo-europeus. Trata-se de um povo de cavaleiros que percorria as estepes, vivia de pastoreio e não conhecia a escrita. Conforme eles se expandiram pela Eurásia, a língua que eles falavam deu origem a todas as línguas latinas e germânicas de hoje, bem como ao sânscrito e ao persa. Ou seja: o provável é que você deva a existência do vinho às mesmas pessoas que deram origem, em última instância, ao português.
Uau: acho que tenho uma nova civilização pré-histórica favorita.