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Candomblé no Brasil: orixás, tradições, festas e costumes

Os navios negreiros que chegaram entre os séculos XVI e XIX traziam mais do que africanos para trabalhar como escravos no Brasil Colônia.

Por Sílvia Campolim
Atualizado em 26 abr 2023, 10h33 - Publicado em 31 dez 1994, 22h00

Quem gosta de cachaça é Exu. Quem veste branco é Oxalá. Quem recebe oferendas em alguidares (vasos de cerâmica) são orixás. E quem adora os orixás são milhões de brasileiros. O candomblé, com seus batuques e danças, é uma festa. Com suas divindades geniosas, é a religião afro-brasileira mais influente do país.

Não existem estatísticas que dêem o número exato de fiéis. Os dados variam. Segundo o Suplemento sobre Participação Político-Social da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1988, 0,6% dos chefes de família (ou cônjuges) seguiam cultos afrobrasileiros. Um levantamento do Instituto Gallup de Opinião Pública, no mesmo ano, indicou que candomblé ou umbanda era a religião de 1,5% da população.

São índices ridículos se comparados à multidão que lota as praias na passagem de ano, para homenagear Iemanjá, a orixá (deusa) dos mares e oceanos. Elisa Callaux, gerente de pesquisa do IBGE, explica por que, tradicionalmente, os índices dos institutos não refletem exatamente a realidade: “Os próprios fiéis evitam assumir, por medo do preconceito.” Ela tem razão. A mais célebre mãe-de-santo do Brasil, Menininha do Gantois, falecida em 1986, declarou certa vez ao pesquisador do IBGE que era católica. Apostólica romana.

De seu lado, a Federação Nacional de Tradição e Cultura Afro-Brasileira (Fenatrab) desafia ostensivamente as cifras oficiais e garante haver 70 milhões de brasileiros, direta ou indiretamente, ligados aos terreiros — seja como praticantes assíduos, seja como clientes, que ocasionalmente pedem uma bênção ou um “serviço” ao mundo sobrenatural.

Você pode achar um exagero, e talvez seja mesmo, mas terreiro é o que não falta. Em 1980, num convênio da Prefeitura de Salvador com a Fundação Pró-Memória, o antropólogo Ordep Serra, da Universidade Federal da Bahia, concluiu um mapeamento dos terreiros existentes na região metropolitana de Salvador. Eram 1 200. “Hoje são muitos mais”, assegura Serra.

Mais recentemente, o Instituto de Estudos da Religião (ISER) verificou que 81 novos centros “espíritas” (englobando cultos afro-brasileiros e kardecismo) haviam sido abertos no Grande Rio de Janeiro no ano de 1991, e que, em 1992, surgiram outros 83. O sociólogo Reginaldo Prandi, da Universidade de São Paulo, contou, em 1984, 19 500 terreiros registrados nos cartórios da capital paulista.

Onde tem terreiro, tem festa. Por isso, para levar você ao mundo do candomblé, SUPER começa por convidá-lo para uma festa no terreiro. Agora, você conhecerá em detalhes um dos fenômenos mais impressionantes da civilização brasileira.

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Para saber mais:

A cara de Zumbi

(SUPER número 11, ano 9)

O barracão está pronto: a festa vai começar

São nove horas da noite. Os tocadores de atabaque, chamados alabês, estão a postos em seus lugares. O público — cerca de 40 pessoas — aguarda em silêncio, acomodado em bancos rústicos de madeira. Os homens, na fileira à direita da porta. As mulheres, do lado esquerdo. Separados, para evitar um eventual namoro. Afinal, ali não é lugar para isso. Estamos num templo do candomblé, a Casa Branca, em Salvador, Bahia, o pioneiro do Brasil, fundado em 1830.A festa (que pode ser comparada a uma missa católica) vai homenagear Xangô, o deus do fogo e do trovão.

O barracão foi decorado durante toda a tarde. O teto de telha-vã foi escondido por bandeirolas brancas e vermelhas — as cores de Xangô. As paredes estão enfeitadas de flores e folhas de palmeira de dendê desfiadas. Vai começar o toque, como é chamada a festa de candomblé no Brasil. Ela é aberta a todos os orixás (deuses, que também podem ser chamados de santos) que quiserem homenagear Xangô.

O que o público vai assistir é parte de um ritual que começou horas antes. Na madrugada, os filhos-de-santo fizeram o sacrifício para o orixá homenageado. Nas primeiras horas da manhã, as filhas-de-santo prepararam a comida. Durante a tarde, foi feita a oferenda aos deuses, e Exu, o mensageiro entre os homens e os orixás, foi despachado. Entenda melhor essa preparação

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O calendário litúrgico

Muitas festas não têm dia certo para acontecer.

As festas normalmente estão associadas aos dias santos do catolicismo. Mas as datas podem variar de terreiro para terreiro, de acordo com a disponibilidade e as possibilidades da comunidade.

De maneira geral, o que importa é comemorar o orixá na sua época.

As principais festas, ao longo do ano, são as seguintes:
Abril: Feijoada de Ogum e festa de Oxóssi (associado a São Sebastião), em qualquer dia.

Junho: Fogueiras de Xangô (associados a São João e São Pedro), dias 25 e 29.

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Agosto: Festa para Obaluaiê (associado a São Lázaro e São Roque) e festa de Oxumaré (associado a São Bartolomeu), em qualquer dia.

Setembro: Começa um ciclo de festas chamado Águas de Oxalá, que pode seguir até dezembro. Festa de Erê, em homenagem aos espíritos infantis (associados a São Cosme e Damião). Festa das iabás (esposas de orixás) e festa de Xangô (associado a São Jerônimo), em qualquer dia.

Dezembro: Festas das iabás Iansã (Santa Bárbara), dia 4, Oxum e Iemanjá (associadas a Nossa Senhora da Conceição), dia 8. Iemanjá também é homenageada na passagem de ano.

Janeiro: Festa de Oxalá (coincide com a festa do Bonfim, em Salvador), no segundo domingo depois do dia de Reis, 6 de janeiro.

Quaresma: O encerramento do ano litúrgico acontece durante os quarenta dias que antecedem a Páscoa, com o Lorogun, em homenagem a Oxalá.

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Ao som dos atabaques, o santo “baixa”

Fotografar uma festa de candomblé não é tão fácil. Na Casa Branca, é absolutamente proibido. Mas outros terreiros, como o Ilê Axé Ajagonã Obá-Olá Fadaká, em Cotia, região da grande São Paulo, são mais liberais. Nesta casa, podemos bater fotos da cerimônia em homenagem a Xangô. Mas com uma ressalva: a de jamais fotografar de frente um filho-de-santo com o orixá “incorporado”.

A casa está cheia: 85 pessoas lotam o barracão. Os atabaques começam a “falar” com os deuses. Os orixás são invocados com cantigas próprias e os filhos-de-santo “entram na roda”, um a um, na chamada ordem do xirê: primeiro, o filho de Ogum, seguido pelos filhos de Oxóssi, Obaluaiê e assim por diante.

Ao som do canto e da batida dos atabaques, cada integrante da roda entra em transe. O corpo estremece em convulsão, às vezes suavemente, outras vezes com violência. Agora, os filhos “incorporam” os orixás e dançam até que o pai-de-santo autorize, com um aceno, sua saída, para serem arrumados pelas camareiras, chamadas equedes. Logo depois, eles voltam ao barracão, vestindo roupas, colares e enfeites típicos de seu santo. Ao ouvir seu cântico, cada um começa a dançar sozinho uma coreografia que conta a origem do orixá “incorporado”.

É quase meia-noite quando os atabaques tocam as cantigas de Oxalá, o criador dos homens. Saudado Oxalá, é hora da comunhão com os deuses: os pratos são servidos aos participantes da festa. O xirê chega ao fim.

Sem música, não existe cerimônia

Tudo acontece sob a batida de três atabaques

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Os três atabaques que fazem soar o toque durante o ritual também são responsáveis pela convocação dos deuses.

O rum funciona como solista, marcando os passos da dança. Os outros dois, o rumpi e o lé, reforçam a marcação, reproduzindo as modulações da língua africana iorubá — uma língua cantada, como o sotaque baiano. Além dos atabaques, usam-se também o agogô e o xequerê.

São, ao todo, mais de quinze ritmos diferentes. Cada casa-de-santo tem até 500 cânticos. Segundo a fé dos praticantes, os versos e as frases rítmicas, repetidos incansavelmente, têm o poder de “captar” o mundo sobrenatural. Essa música sagrada só sai dos terreiros na época do carnaval, levada por grupos e blocos de rua, principalmente em Salvador, como Olodum ou Filhos de Gandhi .

As divindades têm defeitos humanos

Em qualquer terreiro, a entrada dos orixás na festa segue sempre a mesma seqüência da ordem do xirê. Depois de despachar Exu, o primeiro a entrar na roda é Ogum, seguido de Oxóssi, Oba- luaiê, Ossaim, Oxumaré, Xangô, Oxum, Iansã, Nanã, Iemanjá e Oxalá.

Segundo a tradição, os deuses do candomblé têm origem nos ancestrais dos clãs africanos, divinizados há mais de 5 000 anos. Acredita-se que tenham sido homens e mulheres capazes de manipular as forças da natureza, ou que trouxeram para o grupo os conhecimentos básicos para a sobrevivência, como a caça, o plantio, o uso de ervas na cura de doenças e a fabricação de ferramentas.

Os orixás estão longe de se parecer com os santos cristãos. Ao contrário, as divindades do candomblé têm características muito humanas: são vaidosos, temperamentais, briguentos, fortes, maternais ou ciumentos. Enfim, têm personalidade própria. Cada traço da personalidade é associado a um elemento da natureza e da sua cultura: o fogo, o ar, a água, a terra, as florestas e os instrumentos de ferro.

Na África Ocidental, existem mais de 200 orixás. Mas, na vinda dos escravos para o Brasil, grande parte dessa tradição se perdeu. Hoje, o número de orixás conhecidos no país está reduzido a dezesseis. E, mesmo desse pequeno grupo, apenas doze são ainda cultuados: os outros quatro — Obá, Logunedé, Ewa e Irôco — raramente se “manifestam” nas festas e rituais.

Deuses e homens sob o mesmo teto

O terreiro, ou casa-de-santo, é simultaneamente templo e morada. A vida cotidiana dos mortais mistura-se com os rituais dos orixás. A família-de-santo (a mãe ou o pai e os filhos-de-santo, não necessariamente parentes de sangue) divide os cômodos com os deuses.

A divisão do espaço, na Casa Branca, em Salvador, lembra os “compounds” africanos, ou egbes — antigas habitações coletivas dos clãs, usadas principalmente pelos povos de língua iorubá. O cômodo principal é o barracão, o salão onde humanos e santos se encontram nas festas.

Por trás do barracão, há várias instalações comuns a uma residência: salas de jantar e de estar, cozinha e quartos — nem todos destinados aos mortais. Há os quartos-de-santo, onde ficam os pejis (altares) e os assentamentos (objetos e símbolos) dos orixás. Aí são feitas as oferendas. Na Casa Branca, os dois únicos orixás que têm quartos dentro da casa são Xangô e Oxalá.

O roncó é um quarto especial onde os abiãs (noviços) ficam recolhidos durante o processo de iniciação. Essa proximidade dos abiãs com os outros membros do terreiro é fundamental: é assim que os iniciados entram em contato com os procedimentos rituais da casa. O fiel do candomblé aprende com os olhos e os ouvidos. Ele deve prestar atenção a tudo e não perguntar nada.

Os terreiros têm também uma área externa, onde estão as casas dos outros orixás. A de Exu, por exemplo, fica perto da porta de entrada.

Sucessão: guerra à vista

A sucessão numa casa-de-santo é sempre tumultuada: basta o pai-de-santo morrer para ter início uma verdadeira guerra entre orixás. Os filhos que não concordam com a indicação dos búzios costumam abandonar o terreiro e fundar sua própria casa. Foi assim que nasceu, no início do século, o Gantois — uma das casas mais conhecidas em Salvador. A partir da década de 70, mãe Menininha do Gantois se tornou conhecida no Brasil inteiro, cantada por compositores, como Dorival Caymmi e Caetano Veloso, e venerada por intelectuais, como Jorge Amado. Mãe Menininha morreu aos 92 anos de idade, em 1986. Deixou em seu lugar mãe Creusa.

Por meses, o noviço só come com as mãos

Os filhos-de-santo são os sacerdotes dos orixás, da mesma forma como, na Igreja Católica, os padres são os representantes de Deus. Nem todos, porém, são preparados para “receber” os santos. Existem os que cuidam dos filhos-de-santo quando os orixás “baixam”, os que sacrificam os animais, os que tocam os atabaques e os que preparam a comida. Os búzios, usados como instrumento de adivinhação, é que vão dizer qual a função de cada um.

A entrada para essa hierarquia é a indicação do orixá. É o que se chama “bolar no santo”. A partir daí, o abiã (noviço) tem de se submeter aos rituais de iniciação — cerimônias do bori, orô e saídas de iaô.

Um recém-iniciado passa de um a seis meses vivendo dentro de severas restrições. É o tempo de quelê — o período em que o abiã usa um colar de contas justo ao pescoço. Enquanto usar o quelê, ele deve vestir branco, comer com as mãos e sentar-se só no chão. Estão proibidas as relações sexuais e os pratos que não sejam os de seu orixá.

Nem todos os terreiros seguem à risca todas as imposições. Mas pelo menos algumas têm de ser obedecidas: é parte do compromisso do abiã com seu orixá e seu pai ou mãe-de-santo. As obrigações não terminam por aí: o iniciado, que agora se chama iaô, terá de cumprir ainda três rituais — depois de um ano, três anos e sete anos —, com sacrifícios, toques e oferendas. Só depois ele pode se candidatar a ebômi, o degrau seguinte da hierarquia.

A sabedoria da morte e da advinhação

Como toda religião , o candomblé tem sua maneira própria de encarar a morte. Segundo a crença, a alma vive no Orum, que corresponde, mais ou menos, ao céu dos católicos. Ela é imortal e faz várias passagens do Orum para a vida terrena. Cada um tem controle sobre essas “viagens”: quem tem uma boa experiência em vida, pode escolher um destino melhor, na vinda seguinte.

Aqui na Terra, nada que se refira aos deuses e ao futuro pode ser dito sem a consulta ao Ifá, ou seja o jogo de búzios, conchas usadas como oráculo. O Ifá revela o orixá de cada um e orienta na solução de problemas.

O jogo usa dois caminhos: a aritmética e a intuição. Pela aritmética, é contado o número de conchas, abertas ou fechadas, combinadas duas a duas. Para interpretar todas as combinações possíveis dos búzios, o pai-de-santo conhece de cor 256 lendas que traduzem as mensagens dos deuses. Isso não é nada raro no candomblé, onde nada é escrito. Toda a sabedoria é transmitida oralmente.

No outro sistema de adivinhação, o intuitivo, o pai-de-santo estuda a posição dos búzios em relação a outros elementos na mesa, como uma moeda ou um copo d’água. Se o búzio cai perto da moeda, por exemplo, pode indicar que não há problemas com dinheiro. Mas é preciso estar preparado: os orixás vão “cobrar pela consulta” uma obrigação. Mãe Kutu, que foi formada pela Casa Branca e está montando seu próprio terreiro, diz: “Se não vai fazer a obrigação, é melhor nem perguntar aos búzios.”

Reza para o santo católico e vela para o orixá

Existem diferentes tipos de candomblé no Brasil, cada um deles saído de uma nação. A palavra “nação” aqui não tem nada a ver com o conceito político e geográfico, mas com os grupos étnicos daqueles que foram trazidos da África como escravos. As diferenças aparecem principalmente na maneira de tocar os atabaques, na língua do culto e no nome dos orixás.

Os povos que mais influenciaram os quatro tipos de candomblé praticados no Brasil são os da língua iorubá. Os rituais da Casa Branca, em Salvador, e da casa de Cotia, em São Paulo, descritos nesta reportagem, pertencem ao tipo Queto.

A mistura com o catolicismo foi uma questão de sobrevivência. Para os colonizadores portugueses, as danças e os ri- tuais africanos eram pura feitiçaria e deviam ser reprimidos. A saída, para os escravos, era rezar para um santo e acender a vela para um orixá. Foi assim que os santos católicos pegaram carona com os deuses africanos e passaram a ser associados a eles. A partir da década de 20, o espiritismo também entrou nos terreiros, criando a umbanda, com características bem diferentes.

Assim, o candomblé já se incorporou à alma brasileira. Tanto é que o país inteiro conhece o grito de felicidade— a sau-dação mágica que significa, em iorubá, energia vital e sagrada: Axé!

Da África ao Brasil, uma boa mistura

A principal diferença entre os vários tipos de candomblé é a origem étnica.

Há quatro tipos de candomblé:o Queto, da Bahia, o Xangô, de Pernambuco, o Batuque, do Rio Grande do Sul, e o Angola, da Bahia e São Paulo. O Queto chegou com os povos nagôs, que falam a língua iorubá. Saídos das regiões que hoje correspondem ao Sudão, Nigéria e Benin, eles vieram para o Nordeste. Os bantos saíram das regiões de Moçambique, Angola e Congo para Minas Gerais, Goiás, Rio de Janeiro e São Paulo. Criaram o culto ao caboclo, representante das entidades da mata.

Candomblé não é umbanda

As duas são religiões afro-brasileiras.

Umbanda é a mistura do candomblé com espiritismo

Candomblé

Deuses: Orixás de origem africana. Nenhum santo é superior ou inferior a outro. Não existe o Bem e o Mal, isoladamente.

Culto: Louvação aos orixás que “incorporam” nos fiéis, para fortalecer o axé (energia vital) que protege o terreiro e seus membros.

Iniciação: Condição essencial para participar do culto. O recolhimento dura de sete a 21 dias. O ritual envolve o sacrifício de animais,a oferenda de alimentos e a obediência a rígidos preceitos.

Música: Cânticos em língua africana, acompanhados por três atabaques tocados por iniciados do sexo masculino.

Umbanda

Deuses: As entidades são agrupadas em hierarquia, que vai dos espíritos mais “baixos” (maus) aos mais “evoluídos” (bons).

Culto: Desenvolvimento espiritual dos médiuns que, quando “incorporam”, dão passes e consultas.

Iniciação: Não é necessária. O recolhimento é de apenas um ou dois dias. O sacrifício de animais não é obrigatório. O batismo é feito com água do mar ou de cachoeira.

Música: Cânticos em português, acompanhados por palmas e atabaques, tocados por fiéis de qualquer sexo.

Quem é quem (e quem faz o quê) na hierarquia de uma casa-de-santo

Cada iniciado tem uma função dentro do terreiro. Nem todos “recebem” santo.

Abiã

Noviço, primeiro degrau da hierarquia. Após iniciado, será filho-de-santo.

Iaô

Filho-de-santo, segundo degrau na hierarquia. Podem ou não “receber” santo.

Ebômi

Terceiro degrau. Iaô que cumpriu as obrigações de sete anos. “Recebe” santo.

Iabassê

Quarto degrau. Não “recebe”. É a responsável pela cozinha do terreiro.

Agibonã

Mãe criadeira. Também quarto degrau. Cuida dos iaôs durante o ritual de iniciação. Não “recebe” santo.

Ialaxé

Quinto degrau. Zela pelas oferendas e objetos de culto aos orixás. Não “recebe” santo.

Baba-quequerê e Iaquequerê

Sexto degrau. Pai ou mãe-pequena. “Recebe”. Ajuda o pai ou mãe-de-santo no comando do terreiro.

Baba-lorixá e Ialorixá

Pai ou mãe-de-santo, chefe do terreiro, último degrau da hierarquia. “Recebe” santo e joga búzios.

Ajudantes sagrados

Pais e mães “terrenos” dos orixás ficam fora da hierarquia.

Ogã

Filho-de-santo que não “recebe”. O Ogã pode ser Axogum ou Alabê, conforme sua tarefa.

Axogum

Ogã responsável pelo sacrifício de animais a serem ofertados aos orixás. Não “recebe” santo.

Alabê

Ogã tocador dos atabaques e instrumentos rituais. Não “recebe” santo.

Equede

Paralela ao Ogã. Não “recebe”. Cuida dos orixás “incorporados” e de seus objetos.

As diversas fases da iniciação

Primeiro, o santo indica a pessoa a ser iniciada.

Depois, é preciso cumprir outros três passos:

Bolar no santo

É o mesmo que cair no santo. Este é o sinal que indica a necessidade de iniciação de uma pessoa no candomblé. Acontece sem previsão, normalmente numa festa: durante a dança e os cânticos o orixá se “manifesta” no futuro filho-de-santo, que é agitado por tremores e sobressaltos violentos. Quem já “bolou” conta que sentiu arrepios, calor, fraqueza e sensação de desmaio. Quando acorda no roncó (o quarto do terreiro reservado à pessoa que “bolou”), o abiã não consegue se lembrar de nada do que aconteceu.

O bori

É a cerimônia que reforça a ligação entre o orixá e o iniciado. O abiã se senta numa esteira, rodeado de alimentos secos, aves, velas e objetos de seu orixá. Ajudado pelos filhos já feitos, o pai ou a mãe-de-santo sacrifica aves. O sangue é usado para marcar o corpo do noviço e para banhar as oferendas ao orixá.

A cerimônia só termina quando as aves são servidas aos membros da família-de-santo. Depois do bori, o futuro filho-de-santo passa a assistir às cerimônias e a preparar o enxoval (a roupa e os adereços de seu orixá) para terminar a iniciação, com as saídas de iaô.

Orô

Confinado ao quarto de recolhimento (roncó), por 21 dias, o noviço conhece a hierarquia da casa, os preceitos, as orações, os cânticos, a dança de seu orixá, os mitos e suas obrigações. Durante esse tempo ele toma infusões de ervas, que o deixam num estado de entorpecimento e “abrem espaço” na sua mente para o orixá. A cabeça é raspada e o crânio marcado com navalha: é por esses cortes que o orixá vai “entrar”, quando for “incorporado”. No final, o iniciado é “batizado” com sangue de um animal quadrúpede, sacrificado.

Os iaôs são apresentados à comunidade, como num baile de debutante

Na primeira saída, os iaôs vestem branco em homenagem a Oxalá, pai de todos. Saúdam o pai-de-santo, os atabaques e os pontos principais do barracão e vão-se embora. Na segunda saída, os iaôs voltam com roupas coloridas e a cabeça pintada, segundo seus orixás. Dançam e deixam o barracão, em seguida.

Na terceira saída, os orixás anunciam oficialmente seus nomes. Os iaôs entram em transe e se retiram para vestir as roupas do santo “incorporado”.

Os doze orixás mais cultuados no Brasil

Cada um deles tem o seu símbolo, o seu dia da semana, suas vestimentas e cores próprias. Como os homens, são temperamentais

Exu

Orixá mensageiro entre os homens e os deuses, guardião da porta da rua e das encruzilhadas. Só através dele é possível invocar os orixás. Elemento: fogo

Personalidade: atrevido e agressivo

Símbolo: ogó (um bastão adornado com cabaças e búzios)

Dia da semana: segunda-feira

Colar: vermelho e preto

Roupa: vermelha e preta

Sacrifício: bode e galo preto

Oferendas: farofa com dendê, feijão, inhame, água,mel e aguardente

Ogum

Deus da guerra, do fogo e da tecnologia. No Brasil é conhecido como deus guerreiro. Sabe trabalhar com metal e, sem sua proteção, o trabalho não pode ser proveitoso.

Elemento: ferro

Símbolo: espada

Personalidade: impaciente e obstinado

Dia da semana: terça-feira

Colar: azul-marinho

Roupa: azul, verde escuro, vermelho ou amarelo

Sacrifício: galo e bode avermelhados

Oferendas: feijoada, xinxim, inhame

Oxóssi

Deus da caça. É o grande patrono do candomblé brasileiro.

Elemento: florestas Personalidade: intuitivo e emotivo

Símbolo: rabo de cavalo e chifre de boi

Dia da semana: quinta-feira

Colar: azul claro

Roupa: azul ou verde claro

Sacrifício: galo e bode avermelhados e porco

Oferendas: milho branco e amarelo, peixe de escamas, arroz, feijão e abóbora

Obaluaiê

Deus da peste, das doenças da pele e, atualmente, da AIDS. É o médico dos pobres.

Elemento: terra

Personalidade: tímido e vingativo

Símbolo: xaxará (feixe de palha e búzios)

Dia da semana: segunda-feira

Colar: preto e vermelho, ou vermelho, branco e preto

Roupa: vermelha e preta, coberta por palha

Sacrifício: galo, pato,bode e porco

Oferendas: pipoca, feijão preto, farofa e milho, com muito dendê

Oxum

Deusa das águas doces (rios, fontes e lagos). É também deusa do ouro, da fecundidade, do jogo de búzios e do amor.

Elemento: água

Personalidade: maternal e tranqüila

Símbolo: abebê (leque espelhado)

Dia da semana: sábado

Colar: amarelo ouro

Roupa: amarelo ouro

Sacrifício: cabra, galinha, pomba

Oferendas: milho branco, xinxim de galinha, ovos, peixes de água doce

Iansã

Deusa dos ventos e das tempestades. É a senhora dos raios e dona da alma dos mortos.

Elemento: fogo

Personalidade: impulsiva e imprevisível

Símbolo: espada e rabo de cavalo (representando a realeza)

Dia da semana: quarta-feira

Colar: vermelho ou marrom escuro

Roupa: vermelha

Sacrifício: cabra e galinha

Oferendas: milho branco, arroz, feijão e acarajé

Ossaim

Deus das folhas e ervas medicinais. Conhece seus usos e as palavras mágicas (ofós) que despertam seus poderes.

Elemento: matas

Personalidade: instável e emotivo

Símbolo: lança com pássaros na forma de leque e feixe de folhas

Dia da semana: quinta-feira

Colar: branco rajado de verde

Roupa: branco e verde claro

Sacrifício: galo e carneiro

Oferendas: feijão, arroz, milho vermelho e farofa de dendê

Nanã

Deusa da lama e do fundo dos rios, associada à fertilidade, à doença e à morte. É a orixá mais velha de todos e, por isso, muito respeitada.

Elemento: terra

Personalidade: vingativa e mascarada

Símbolo: ibiri (cetro de palha e búzios)

Dia da semana: sábado

Colar: branco, azul e vermelho

Roupa: branca e azul

Sacrifício: cabra e galinha

Oferendas: milho branco, arroz, feijão, mel e dendê

Oxumaré

Deus da chuva e do arco-íris. É, ao mesmo tempo, de natureza masculina e feminina. Transporta a água entre o céu e a terra.

Elemento: água

Personalidade: sensível e tranqüilo

Símbolo: cobra de metal

Dia da semana: quinta-feira

Colar: amarelo e verde

Roupa: azul claro e verde claro

Sacrifício: bode, galo e tatu

Oferendas: milho branco, acarajé, coco, mel, inhame e feijão com ovos

Iemanjá

Considerada deusa dos mares e oceanos. É a mãe de todos os orixás e representada com seios volumosos, simbolizando a maternidade e a fecundidade.

Elemento: água

Personalidade: maternal e tranqüila

Símbolo: leque e espada

Dia da semana: sábado

Colar: transparente, verde ou azul claro

Roupa: branco e azul

Sacrifício: porco, cabra e galinha

Oferendas: peixes do mar, arroz, milho, camarão com coco

Xangô

Deus do fogo e do trovão. Diz a tradição que foi rei de Oyó, cidade da Nigéria. É viril, violento e justiceiro. Castiga os mentirosos e protege advogados e juízes.

Elemento: fogo

Personalidade: atrevido e prepotente

Símbolo: machado duplo (oxé)

Dia da semana: quarta-feira

Colar: branco e vermelho

Roupa: branca e vermelha, com coroa de latão

Sacrifício: galo, pato, carneiro e cágado

Oferendas: amalá (quiabo com camarão seco e dendê)

Oxalá

Deus da criação. É o orixá que criou os homens. Obstinado e independente, é representado de duas maneiras: Oxaguiã, jovem, e Oxalufã, velho.

Elemento: ar

Personalidade: equilibrado e tolerante

Símbolo: oparoxó (cajado de alumínio com adornos)

Dia da semana: sexta-feira

Colar: branco

Roupa: branca

Sacrifício: cabra, galinha, pomba, pata e caracol

Oferendas: arroz, milho branco e massa de inhame

O toque

É o mesmo que festa e se refere à batida dos atabaques, que convoca os orixás. A estrutura da cerimônia, chamada “ordem do xirê” (brincadeira, na língua iorubá), divide a festa em três partes. A primeira acontece à tarde, com o sacrifício, a oferenda e o padê de Exu. A segunda é a festa em si, à noite, na presença do público, quando os filhos-de-santo “incorporam” os orixás. E a terceira fase, o encerramento, com a roda de Oxalá, o deus criador do homem.

O sacrifício

Acontece apenas diante dos membros da comunidade de santo e envolve no mínimo dois animais: um, de duas patas, para Exu, e outro, de quatro patas, macho ou fêmea, dependendo do sexo do orixá a ser homenageado. Quem realiza o sacrifício é o ogã axogum, um iniciado no candomblé

especialmente preparado para isso. Os bichos são mortos com um golpe na nuca. Depois, a cabeça e os membros são cortados fora e o animal sacrificado vai sangrar até a última gota antes de ser destinado à oferenda.

A oferenda

Depois do sacrifício, a moela, o fígado, o coração, os pés, as asas e a cabeça são separados e oferecidos ao orixá homenageado num vaso de barro, chamado alguidar. O sangue, recolhido numa quartinha de cerâmica (espécie de moringa), é derramado sobre o assentamento do santo, ou seja, o local onde ficam seus objetos e símbolos. As partes restantes são destinadas ao jantar oferecido aos orixás, ainda à tarde, e aos participantes, ao final da festa pública, à noite.

O padê de Exu

Este é também um ritual fechado ao público. Significa despacho de Exu. É ele quem faz a ponte entre o mundo natural e o sobrenatural. Portanto, é ele quem convoca os orixás para a festa dos humanos. Para isso, é preciso agradá-lo, oferecendo comida (farofa com dendê, feijão ou inhame) e bebida (água, cachaça ou mel). As oferendas são levadas para fora do barracão e a porta de entrada é batizada com a bebida, já que Exu é o guardião da entrada e das encruzilhadas (por isso é comum ver oferendas em esquinas nas ruas e em encruzilhadas nas estradas).

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