A cachaça é o caldo de cana fermentado e destilado. Na fermentação, microorganismos conhecidos por leveduras convertem o açúcar da garapa em álcool. O produto resultante, chamado de vinho (como o suco fermentado de uvas) é aquecido em alambiques para finalmente transformar-se em cachaça.
Na destilação, o álcool evaporado se condensa ao passar por uma serpentina. A primeira parte do líquido que pinga deve ser descartada. É a chamada “cachaça de cabeça”, cerca de 10% do volume total, que contém alto teor de substâncias voláteis e faz um estrago danado no organismo de quem a consome. Os próximos 80% são o “coração” da cachaça. É pinga da boa. O restante é “água fraca”, com baixo teor de álcool. A cachaça, então, pode ser engarrafada imediatamente ou envelhecer em barris.
A boa caninha tem os seus segredos. Como na escolha da uva para o vinho, conta aqui boa qualidade da cana – fatores climáticos e o solo determinam se uma safra será boa ou não. No caso das aguardentes envelhecidas, o produto final depende do tempo de repouso e do tipo de madeira do barril (o mais comum é o carvalho).
A cachaça teria sido inventada ao acaso, no Brasil colonial e açucareiro. Em 1637, o narturalista alemão Georg Marcgrave, da comitiva do holandês Maurício de Nassau, levou a Pernambuco a primeira caldeira para a produção de melado de cana. A borra adocicada que se concentrava sobre a garapa borbulhante era removida pelos escravos com uma escumadeira e jogada numa tábua. Ali, ela fermentava. Um escravo teria experimentado e aprovado o subproduto etílico. “O resto da história não se sabe ao certo. Mas alguém conseguiu destilar a garapa fermentada e produzir a aguardente de cana”, afirma o engenheiro químico Octávio Carvalheira, pesquisador do tema.
Não tardou para que a caninha passasse da senzala à casa de engenho. Até mesmo Dom Pedro II teria experimentado um cálice da marvada quando esteve no Engenho Monjope, em Igarassu, Pernambuco. “Foi no fim do século 19 e iniciozinho do 20, com a forte imigração de europeus e sua cultura de vinhos, que a cachaça virou bebida de segunda linha”, diz Maria das Vistorias Cavalcanti, presidente do Programa Brasileiro de Desenvolvimento da Cachaça.
Na última década, a pinga retomou seu lugar de direito. Hoje, o país produz mais litros de cachaça por ano. Estima-se que existam 30 mil produtores de caninha no Brasil e mais de 400 mil trabalhadores vinculados a essa indústria. Investiu-se na qualidade e na divulgação, aqui e no exterior. Há cachaças que valem mais que um bom uísque escocês – 600 mililitros da Anísio Santiago, produzida em Salinas, MG, são vendidos por cerca de 150 reais. Não é à toa que, hoje em dia, a caipirinha seja um dos drinques da moda na Europa.
Da cana à caninha
Passo a passo, a fabricação da pinga artesanal
1. Colheita da cana
O corte da cana é geralmente feito rente ao chão, com cuidado para não rachar os gomos. A cana para a fabricação de cachaça deve estar madura, fresquinha, limpa e precisa ser espremida dois dias após o corte, no máximo. Quanto mais fresca for a cana, melhor será a garapa.
2. Moagem
A cana é levada à moenda, máquina com cilindros giratórios que a espreme. O caldo, aproximadamente 70% da massa da cana, é recolhido para fazer a cachaça. O restante é bagaço – que se usa como combustível para a fornalha do alambique.
3. Fermentação
A fermentação ocorre em tanques chamados dornas. Ao caldo de cana, são acrescentados produtos como fubá ou farelo de arroz, que estimulam a multiplicação das leveduras (fungos microscópicos). Essas leveduras transformam o açúcar em álcool. Fermentado, o caldo é chamado de vinho e tem até 12% de álcool.
4. Destilação
O vinho é despejado então no alambique, uma espécie de caldeirão metálico aquecido por um fogareiro. Quando o vinho atinge a temperatura de 78,3 oC, o álcool etílico, mais volátil que a água, evapora. O vapor sobe por uma coluna e volta a ficar líquido ao passar em uma serpentina resfriada a água. Está pronta a cachaça, com 38% a 54% de álcool, que pode ser envelhecida em barris de madeira ou engarrafada imediatamente.